
Na tentativa de reconstruir pontes com o Congresso Nacional e garantir apoio à votação do projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda, o governo federal liberou, na terça-feira (23), mais de R$ 900 milhões em emendas de comissão — uma das mais disputadas modalidades de repasse de recursos públicos no Parlamento.
A expectativa no Palácio do Planalto é de que esse valor cresça ainda mais nos próximos dias. Até o final da semana, o empenho (comprometimento orçamentário para pagamento) pode chegar a R$ 2 bilhões, segundo fontes ligadas ao governo ouvidas pelo g1. Técnicos de ministérios e da Casa Civil já estariam atuando inclusive durante o fim de semana para acelerar a liberação dos recursos, com foco total na votação marcada para a próxima quarta-feira (1º).
Emendas são trunfo para negociações entre os partidos
As chamadas emendas de comissão são consideradas estratégicas pela cúpula do Congresso por sua flexibilidade e alto valor agregado. Diferentemente das emendas individuais — cujo pagamento é obrigatório e igualitário entre os parlamentares —, as de comissão são concentradas nas mãos das lideranças partidárias, o que amplia seu peso político e seu poder de barganha.
“Essas emendas funcionam como um trunfo nas negociações internas, pois não são distribuídas de forma universal. Elas fortalecem os parlamentares com maior influência”, explica um assessor legislativo da Câmara, sob condição de anonimato.
Para o exercício de 2025, estão autorizados R$ 11,5 bilhões em emendas desse tipo. No entanto, até o início desta semana, apenas R$ 260 milhões haviam sido empenhados — o equivalente a cerca de 2% do total previsto. Nenhum pagamento havia sido efetivado até então, o que vinha alimentando o mal-estar entre o Executivo e o Centrão.
Atraso na liberação era obstáculo para articulações
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), chegou a levar o tema diretamente à ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, cobrando uma resposta mais ágil do governo. Líderes governistas também vinham alertando que o atraso na liberação era um dos principais obstáculos à articulação política no Legislativo.
No Planalto, a versão oficial para a lentidão é que muitos parlamentares ainda não haviam apresentado a documentação exigida para a liberação dos recursos — uma exigência voltada à transparência no uso do dinheiro público. Internamente, porém, já há o reconhecimento de que o governo terá de agir com mais agilidade para não perder apoio em votações decisivas.
Pressão por IR e anistia
A liberação dos recursos ocorre em um momento estratégico. O governo quer garantir quórum e votos para aprovar o projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda, uma das promessas de campanha do presidente Lula. A matéria tem grande apelo popular, mas enfrenta resistências técnicas e políticas no Congresso.
Paralelamente, o Executivo também tenta conter o avanço do polêmico projeto de anistia, agora apelidado de “projeto da dosimetria”, que prevê redução de penas para condenados por crimes relacionados aos ataques de 8 de janeiro de 2023. A orientação do governo, segundo interlocutores, será votar contra a proposta, especialmente nos trechos que beneficiam envolvidos em crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Nesse cenário, a liberação das emendas de comissão aparece como uma ferramenta de articulação essencial. O gesto é visto como uma tentativa de equilibrar a relação com o Congresso, atender às demandas do Centrão e, ao mesmo tempo, manter alguma governabilidade em meio ao avanço de pautas sensíveis.
A volta do “orçamento informal”?
Embora as emendas de comissão tenham respaldo legal e façam parte do orçamento federal, especialistas alertam que seu uso estratégico como moeda de troca política resgata práticas associadas ao chamado Orçamento Secreto — mecanismo julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022.
“Há um risco de voltarmos a um modelo de gestão orçamentária opaco e pouco transparente, se não houver critérios claros para a distribuição desses recursos”, aponta o cientista político Marcelo Issa, diretor da Transparência Partidária.
Mesmo com a liberação parcial anunciada nesta semana, ainda resta uma lacuna significativa entre o prometido e o efetivamente entregue. Resta saber se a liberação até a votação da próxima quarta-feira será suficiente para garantir o apoio necessário — e a estabilidade política que o Planalto tanto busca.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/governo-libera-quase-r-1-bilhao-em-emendas-para-destravar-votacao-da-isencao-do-ir/