
O frio extremo sempre foi visto como um dos maiores inimigos da sobrevivência humana. Desde expedições polares até pessoas em situação de rua, os efeitos da exposição prolongada a baixas temperaturas colocam o corpo em risco real de vida. Essa condição tem nome: hipotermia.
Ela acontece quando a temperatura interna do organismo cai abaixo de 35 °C, rompendo o delicado equilíbrio térmico que garante o funcionamento adequado de órgãos e sistemas.
Mas, afinal, o que acontece dentro do corpo de alguém que morre de frio? O processo não é imediato: ele segue uma sequência de reações fisiológicas, na tentativa desesperada de manter o calor vital. Tremores, confusão mental, perda da consciência e, por fim, a falência orgânica fazem parte de uma jornada lenta e implacável.
Neste artigo, vamos explorar em detalhes cada estágio da hipotermia, os sinais de alerta, os mecanismos de defesa do organismo e o que a ciência revela sobre esse limite extremo da sobrevivência.
O que é a hipotermia?
A hipotermia é uma condição médica grave caracterizada pela queda da temperatura corporal central para menos de 35 °C. O corpo humano é projetado para funcionar em torno de 37 °C, com pequenas variações. Esse equilíbrio é regulado pelo hipotálamo, a região do cérebro responsável por controlar a temperatura interna.
Quando estamos expostos a frio intenso por tempo prolongado, o organismo perde calor mais rápido do que consegue produzir. A perda acontece por quatro mecanismos principais:
- Condução: contato direto com superfícies frias, como neve, gelo ou solo gelado.
- Convecção: quando o vento retira a camada de calor que envolve a pele.
- Radiação: perda de calor para o ambiente ao redor.
- Evaporação: suor e respiração em temperaturas baixas.
A hipotermia não é exclusiva de regiões polares. Ela pode ocorrer em altitudes elevadas, dentro de ambientes refrigerados e até em águas frias, mesmo em países tropicais como o Brasil.
Quais são os estágios da hipotermia?
A hipotermia não acontece de uma vez só, existem estágios nos processos do corpo humano.
O início: o corpo lutando para manter o calor
Nos estágios iniciais da hipotermia, o corpo ativa mecanismos de defesa. O primeiro é a vasoconstrição periférica: os vasos sanguíneos próximos à pele se contraem para reduzir a perda de calor. É por isso que mãos, pés, nariz e orelhas ficam gelados e pálidos.
Logo depois, começam os tremores involuntários. Esse movimento muscular acelerado gera calor extra, numa tentativa de elevar a temperatura corporal. Nesse momento, a pessoa ainda pode estar consciente e até capaz de se mover, mas já apresenta sinais de desconforto extremo.
Com a progressão, surgem sintomas como:
- Fala arrastada;
- Dificuldade de coordenação motora;
- Sensação de fadiga;
- Pele fria ao toque.
Aqui, a temperatura corporal costuma estar entre 35 °C e 33 °C. Embora desconfortável, o quadro pode ser revertido com medidas simples de aquecimento.

O declínio: confusão mental e perda de energia
Quando a hipotermia avança, atingindo temperaturas entre 32 °C e 30 °C, o cenário se torna crítico. O cérebro começa a sofrer os efeitos da falta de calor, o que gera confusão mental, desorientação e lapsos de memória.
Esse é o estágio em que muitas vítimas já não têm discernimento suficiente para buscar abrigo ou se proteger. Em casos extremos, ocorre um fenômeno chamado “despimento paradoxal”: a pessoa, em delírio, sente uma falsa sensação de calor e remove as roupas, acelerando ainda mais a perda térmica.
A respiração e os batimentos cardíacos também diminuem, em um esforço do corpo para conservar energia. A pele pode assumir uma coloração azulada ou arroxeada, sinal claro de que a oxigenação está comprometida.
É nesse ponto que a capacidade de reversão já é muito limitada, exigindo intervenção médica imediata.
O colapso final: quando os órgãos falham
Se a temperatura interna cai abaixo de 28 °C, a situação é considerada hipotermia grave. Nesse estágio, o corpo entra em colapso.
O coração, que já bate mais lentamente, pode desenvolver arritmias fatais. A pressão arterial despenca. Os rins reduzem drasticamente a filtragem do sangue. O fígado diminui o metabolismo. O sistema nervoso central praticamente “desliga”, levando à inconsciência profunda.
O corpo, sem energia para lutar, abandona a tentativa de aquecer-se. A vítima deixa de tremer e fica imóvel, em um estado semelhante ao coma. Eventualmente, ocorre a parada cardiorrespiratória.
A morte por hipotermia não é abrupta: ela é o resultado de um processo gradual, em que cada sistema vital perde a capacidade de funcionar.

O que sentimos ao morrer de frio?
Uma das grandes perguntas sobre a hipotermia é: o que sente quem morre de frio?
Nos estágios iniciais, a sensação é de dor intensa, como se agulhas perfurassem a pele, resultado da vasoconstrição. Com o tempo, porém, a percepção muda. Quando a temperatura corporal cai o suficiente, a dor dá lugar a entorpecimento, sonolência e uma sensação paradoxal de calma.
Pesquisadores sugerem que, em muitos casos, a morte por hipotermia pode ser menos dolorosa do que se imagina. O declínio da atividade cerebral e a liberação de endorfinas criam um estado próximo ao torpor, o que pode explicar relatos de tranquilidade em sobreviventes que chegaram perto desse limite.
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Hipotermia em diferentes contextos
Embora seja mais lembrada em situações de frio extremo, a hipotermia pode acontecer em diferentes contextos. Em acidentes de montanhismo, por exemplo, alpinistas enfrentam não apenas temperaturas negativas, mas também ventos intensos que aceleram a perda de calor.
Já nos afogamentos em águas frias, o risco é ainda maior, porque a água retira calor do corpo até 25 vezes mais rápido do que o ar, mesmo quando está acima de zero grau.
Outro grupo altamente vulnerável são os moradores de rua, que muitas vezes não têm acesso a roupas adequadas ou abrigo para se proteger das baixas temperaturas. Idosos e crianças também correm perigo, já que possuem menor capacidade de regulação térmica.
Até mesmo em ambientes hospitalares a hipotermia pode surgir: em cirurgias longas, pacientes expostos a salas frias podem apresentar queda significativa na temperatura corporal, exigindo monitoramento e cuidados especiais da equipe médica.
O fenômeno do “afterdrop”
Um detalhe curioso sobre a hipotermia é o chamado afterdrop. Ele acontece quando uma vítima em estado avançado é aquecida rapidamente. O sangue frio acumulado nas extremidades retorna ao centro do corpo, causando uma queda ainda maior da temperatura central.
Esse efeito pode ser fatal se o resgate não for feito com cuidado. É por isso que protocolos médicos recomendam aquecer o corpo de dentro para fora, priorizando o tronco e órgãos vitais antes de restaurar a circulação nas extremidades.

A linha tênue entre a vida e a morte
Casos de sobreviventes da hipotermia fascinam a medicina. Existem registros de pessoas que foram encontradas com temperatura corporal abaixo de 20 °C e ainda assim conseguiram ser reanimadas.
Isso acontece porque o frio intenso reduz o metabolismo, diminuindo a necessidade de oxigênio dos tecidos. Em algumas situações, esse estado quase de “hibernação” funciona como uma proteção contra a morte imediata.
A máxima médica nesses casos é clara: “ninguém está morto até estar quente e morto”. Em outras palavras, só é possível declarar o óbito quando a vítima já foi aquecida e não respondeu às tentativas de reanimação.
Hipotermia induzida: quando o frio salva vidas
Curiosamente, a hipotermia também pode ser usada como recurso médico. A chamada hipotermia terapêutica é induzida em pacientes após paradas cardíacas ou em cirurgias complexas.
Ao reduzir a temperatura corporal de forma controlada, os médicos conseguem desacelerar o metabolismo e minimizar danos cerebrais. Nesse contexto, o frio, que em excesso pode matar, torna-se um aliado poderoso da medicina moderna.
Prevenção: como evitar casos de hipotermia
Evitar a hipotermia envolve uma combinação de preparo e atenção ao ambiente:
- Roupas adequadas: vestir camadas, com tecidos que isolam e evitam a perda de calor.
- Proteção contra vento e umidade: capas impermeáveis e corta-ventos reduzem drasticamente a exposição.
- Manter-se seco: roupas molhadas aceleram a perda de calor.
- Movimentação constante: manter o corpo ativo gera calor extra.
- Alimentação e hidratação: energia e líquidos são essenciais para sustentar o metabolismo.
Em ambientes urbanos, garantir aquecimento adequado em casa e prestar atenção a sinais de alerta em idosos e crianças são medidas fundamentais.
Hipotermia e congelamento
É importante não confundir hipotermia com congelamento. Enquanto a hipotermia é a queda da temperatura corporal central, o congelamento (ou frostbite) afeta tecidos periféricos, como dedos, nariz e orelhas.
No congelamento, a pele literalmente congela, podendo levar à necrose e amputações. Ambos os quadros, porém, podem ocorrer juntos em ambientes de frio extremo, aumentando os riscos de complicações fatais.
A hipotermia não é apenas um problema de expedições ou acidentes. Em grandes cidades, principalmente no inverno, ela se torna uma causa silenciosa de mortes entre populações vulneráveis.
Programas de acolhimento, distribuição de agasalhos e abertura de abrigos emergenciais são medidas que salvam vidas todos os anos. O combate à hipotermia, nesse sentido, também é uma questão social e de saúde pública.
A hipotermia mostra como o corpo humano é frágil diante da natureza. Ao mesmo tempo, revela a engenhosidade dos mecanismos fisiológicos que tentam, até o último instante, preservar a vida. Entender esse processo é essencial não apenas do ponto de vista médico e científico, mas também para reforçar a importância da prevenção e da solidariedade em situações de risco.
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Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/09/25/medicina-e-saude/hipotermia-o-que-acontece-no-corpo-de-quem-morre-de-frio/