
Um preâmbulo até os possíveis resultados com a aprovação do Projeto de Lei que prevê o autolicenciamento ambiental em Santa Maria (RS)
GUILHERME SUPERTI*
PCC
Recentemente veio à tona, graças a uma forte atuação conjunta da Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público de SP no combate ao crime organizado, o envolvimento do PCC (Primeiro Comando da Capital), a maior organização criminosa do Brasil, em diversos esquemas de lavagem de dinheiro em setores que envolvem combustíveis (postos e distribuidoras), franquias, motéis, empreendimentos imobiliários, jogos de azar e instituições do mercado financeiro. Gestoras, através de fintechs e fundos de investimentos que operam no principal centro financeiro do Brasil, a Avenida Faria Lima, na capital paulista, ajudavam a gerir, lavar, ocultar e blindar montantes de recursos da atuação da facção no tráfico de drogas e setores acima destacados. No final de agosto deste ano, ao menos 42 endereços alvos da megaoperação Carbono Oculto ficavam na famosa avenida. A estimativa da PF é de que o esquema investigado tenha movimentado pelo menos R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
COMBUSTÍVEIS E METANOL
Quando aprofundada a atuação da facção no setor de combustíveis, foi revelado que esses fundos de investimentos eram utilizados para adquirir posições societárias em diversas empresas, além de usinas sucroalcooleiras, veículos e imóveis. Se não bastasse somente isso, o grupo criminoso também é suspeito de assumir as operações de um terminal portuário (Porto de Paranaguá – PR) e tentar obter a gestão de outros dois terminais em áreas estratégicas da costa brasileira. O objetivo dessa gestão era atender tanto às atividades da facção no setor de combustíveis quanto no tráfico de drogas. Aproximadamente mil postos de combustíveis em dez estados brasileiros fazem parte do esquema bilionário. As investigações apontam que a organização controlava toda a cadeia do setor, da importação à venda final, usando centenas de empresas para dissimular a origem do dinheiro. Além da sonegação e adulteração, as fraudes incluíam o uso de Metanol na gasolina.
METANOL
(composto químico conhecido como álcool metílico, altamente inflamável e tóxico, usado como matéria-prima na indústria para fabricar formaldeído, biodiesel, solventes)
Aqui entra o Metanol na “jogada”. Nos últimos dias de setembro diversas pessoas começaram a ter sintomas parecidos em São Paulo. Após exames, constatou-se uma intoxicação por metanol advindo da ingestão de bebidas alcoólicas falsificadas/adulteradas. Até esta quinta-feira (2), os números contabilizam 8 mortes e 52 notificações de suspeita intoxicação. O Governo de São Paulo, na pessoa do governador Tarcísio de Freitas, nome preferido pela Faria Lima à concorrer para Presidente em 2026, rapidamente divergiu da Polícia Federal em negar a ligação do PCC com o caso do metanol nas bebidas. Segundo estudo da USP, mais de um terço dos destilados vendidos no Brasil são falsificados.
AUTORREGULAÇÃO E AUTOLICENCIAMENTO
A partir da segunda metade dos anos de 2010, especificamente após o Golpe sofrido pela ex-presidente Dilma em 2016, começou a se intensificar no Brasil uma agenda de desburocratização, liberalização econômica e redução da intervenção estatal. Durante o governo de Jair Bolsonaro esse processo se consolidou, através do Marco Legal da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019). O marco incentivou fortemente mecanismos de autodeclaração, autolicenciamento, e autorregulação. A influência e pressão empresarial para tais mecanismos foram e seguem sendo extremamente fortes, querendo inclusive a sua expansão.
(FALTA DE) FISCALIZAÇÃO
Não é de hoje que percebemos déficits estruturais de fiscalização em diversos setores do nosso dia a dia. A fragilidade da fiscalização e a capacidade estatal limitada, principalmente por falta de servidores, estrutura e tecnologia, aparenta ser uma política adotada por governantes e utilizada como argumento para retirar o Estado das responsabilidades e principalmente da prevenção com as fiscalizações. Com a “porta aberta” através da autorregulação e autofiscalização, a sociedade fica à mercê de pessoas e empresas que apenas querem maximizar seus lucros e influências. Outra justificativa bastante utilizada era a demora para o empreendedor conseguir tal autorização, alvará ou outro documento crucial para enfim abrir ou regularizar o seu negócio, podendo até fazê-lo “quebrar” antes mesmo de sequer abrir as portas. Paremos um momento e pensemos. Será mesmo que o Estado, seja o ente municipal, estadual ou federal, quer mesmo “atrasar” a abertura de algum negócio que irá criar empregos, girar a economiza local e gerar recursos através de impostos? Repito, tenho como premissa neste assunto que a falta de estrutura, tecnologia e de servidores capacitados é política de alguns governantes.
Outro ponto é que a presunção da boa-fé não deveria ser levada em conta, não podemos viver em um modelo em que se parte do pressuposto de que o agente regulado repassa informações confiáveis e possui a vontade de cumprir normais e leis. Existem diversos setores em que há grande assimetria de informações, e o prejudicado é sempre a população, o meio ambiente e/ou a nação. Subnotificação de impactos, omissão de dados técnicos e falta de mecanismos de verificação incentivam comportamentos oportunistas.
Além disso, empresas e indivíduos que cumprem fielmente as obrigações passam a competir com quem burla e manipula autodeclarações, tornado a prática uma competição desleal. A questão das bebidas com metanol em São Paulo é mais uma prova disso. Alguns empresários compram bebidas abaixo do valor de mercado sem a devida procedência ou nota fiscal para simplesmente lucrarem mais. Um exemplo genérico e que infelizmente deve ser corriqueiro são de empresas que reduzem seus custos operacionais por causa de alguma irregularidade e com isso ganham competitividade de forma injusta, inclusive podendo quebrar o negócio regulado que compete pelo mesmo consumidor.
Entrando na questão ambiental e sanitária, os riscos podem ser irreversíveis. Os danos causados pela falta de controle são de altíssimo custo social. Como exemplo podemos destacar a poluição do solo e da água, o desmatamento, a causa de surtos alimentares e afins. O licenciamento ambiental e a avaliação de impactos a ele inerentes são as principais ferramentas da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida em lei de 1981, para evitar ou pelo menos mitigar danos decorrentes de poluição e outras formas de degradação ambiental. O autolicenciamento ambiental é uma ação negacionista da relevância da política ambiental e climática. Ao invés de aperfeiçoar processos, assegurar estudos mais robustos e defender equipes suficientes nos órgãos ambientais, prefere-se adotar a visão de que o controle estatal é moroso e atrapalha o crescimento do país. Passar um cheque em branco para a própria autoridade licenciadora definir o que potencialmente gera impacto significativo não me parece ser a melhor alternativa.
SANTA MARIA E O PROJETO DA LAC
Em nosso município, no final de 2024, foi aprovado um projeto (9840/2024) e sancionada a lei (6973/2024) que “Cria a modalidade de Licenciamento Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC)”. A LAC, nada mais é, do que um instrumento de licenciamento simplificado e/ou autodeclaratório em que o empreendedor se compromete a obedecer condicionantes preestabelecidas por órgão ambiental. Um ponto contraditório do projeto (e da Lei) em que nosso gabinete foi estritamente contra, inclusive com o protocolo de uma emenda supressiva, foi a de que empreendimentos já instalados e em operação, que seriam de certa forma irregulares na época, fossem beneficiados pelo projeto, podendo requerer ao LAC. A emenda foi recusada. Outra emenda de nossa autoria que também foi recusada, essa modificativa, foi a exclusão de empreendimentos de médio potencial poluidor como beneficiados pelo projeto, ficando a autorização restrita a empreendimentos de baixo potencial poluidor.
Apesar de trazer certa agilidade para o licenciamento ambiental de certas atividades (novamente destacando que a demora se trata principalmente por falta de pessoal e estrutura), o risco de fragilização do controle ambiental não compensa a celeridade do processo. Mais uma vez partimos do pressuposto de que serão prestadas informações verídicas e completas, ignorando possíveis omissões e fraudes. A LAC, que em seu escopo original visava apenas atividades de baixo impacto, troca o controle técnico por agilidade procedimental. A degradação ambiental progressiva, em algum momento, chegará em determinado patamar que afetará a vida de todos. Não temos a real dimensão de quais impactos o desequilíbrio ambiental nos causará. Desmatamento, poluição de nascentes e solo, alteração de cursos d’agua, assoreamento de rios, poluição difusa, e outros podem gerar danos à saúde pública, mudanças no clima e microclima, desastres ambientais e efeitos irreversíveis. Quando sentirmos algum desses impactos, pode ser tarde para mudanças e revisões.
Que fique claro, em nenhum momento somos contrários ou inimigos dos empreendedores e/ou seus negócios. Somente acreditamos que não podemos criar recursos e mecanismos que possam favorecer oportunistas que visam única e exclusivamente o lucro através de fraudes e omissões. Quem perde são os empresários que tem seu negócio plenamente regularizado.
COMENTÁRIOS DE ASSUNTOS SIMILARES
Desde 2016, os CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) vem sendo utilizados para facilitar o acesso a armas e munições por organizações criminosas. Um levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz aponta um aumento ainda mais acentuado entre 2022 e 2023, período que coincide com a flexibilização das regras de controle de armas promovida durante o governo Bolsonaro. Foi também nesse governo que o controle e rastreio dessas armas foram reduzidos. Para o instituto, as mudanças na legislação, como a retirada de barreiras entre CAC’s iniciantes e avançados e o aumento das cotas de compra de armas e munições, facilitaram o desvio de armamentos para o crime organizado.
Será que algum dia terá uma operação mais contundente contra a atuação de garimpos ilegais em terras indígenas e desmatamento desenfreado no governo anterior? Será que há ligação com facções ou grupos políticos?
E, por fim, quem diria que a autorregulação dentro do capitalismo, onde o lucro está acima de qualquer outro propósito, teria esses resultados? Essa questão do PCC em São Paulo e seus diversos “negócios” é apenas uma parte do que foi descoberto até hoje. A autorregulação do mercado é somente um engodo. A quem aproveita o enfraquecimento do licenciamento ambiental, da vigilância sanitária, da fiscalização do trânsito, da capacidade de rastreio preventivo do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e da Receita Federal?
Guilherme Superti – Jornalista e assessor parlamentar do vereador Werner Rempel (PCdoB) – Santa Maria (RS)
Referências:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/09/26/entenda-operacao-que-mirou-esquema-do-pcc-de-lavagem- de-dinheiro-nos-setores-de-moteis-postos-franquias-e-jogos-de-azar.ghtml
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/sp/esquema-do-pcc-no-setor-de-combustiveis-veja-quem-sao-os- principais-alvos/
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/09/30/pf-investiga-suposta-ligacao-do-pcc-com-adulteracao-de- bebidas-passa-pela-importacao-do-metanol-do-porto-de-parangua-diz-andrei.ghtml
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c87yxglgjlgo
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/sp/esquema-com-pcc-mil-postos-de-combustiveis-movimentaram- r-52-bilhoes/
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/10/02/notificacoes-de-intoxicacao-por-metanol-sobem-para-52- no-estado-de-sao-paulo.ghtml
https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2025-09/tarcisio-instala-gabinete-de-crise-nega-ligacao-pcc-com- metanol
Fonte: https://horadopovo.com.br/pcc-metanol-autorregulacao-autolicenciamento-e-a-falta-de-fiscalizacao/