18 de outubro de 2025
a música nasce dos encontros que não me pertencem”
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Patrick Watson – Fotografia de Lawrence Fafard

Para Patrick Watson, Portugal é sempre destino. Há 15 anos num vaivém para concertos ou entrevistas, neste Verão, encontrou em Vila Praia de Âncora um local de refúgio, onde quis mostrar um pouco de Portugal aos filhos. Ali, encontrou o “melhor cheeseburger do mundo” e deparou-se “com a generosidade e gentileza pura” de quem o acolheu, tendo sido reconhecido por apenas uma pessoa. À amabilidade das gentes do Minho respondeu com um pequeno concerto improvisado, numa colina, para 15/20 pessoas, no que classifica como “um dos momentos preferidos na música, sem quaisquer expectativas, a tocar pelo momento, para o momento”.

“É sempre melhor quando ninguém me reconhece”, confidencia-nos Patrick Watson numa recente passagem por Lisboa, em vésperas do lançamento do seu oitavo álbum, “Uh Oh”. É a correr mundo que Patrick Watson se inspira, em que assume o papel de um observador, um “fantasma” que deambula pelo mundo e que capta o que há de mais interessante à sua volta. “A maior sorte que tenho é que, ao ser um fantasma, os encontros que tenho não podem ser comprados pelo dinheiro. E não estou a falar de pessoas famosas. Só acho que as pessoas me vão aceitar como aquele pequeno sítio onde toquei em Portugal. Isso não me pertence, mas sim a elas, e tive a sorte de elas partilharem esse momento e permitirem que eu o tivesse. Por isso, sinto que a minha vida foi feita de muitos momentos como esses encontros, que não me pertencem necessariamente a mim ou ao que sou, mas como foram tão generosos que, quando canto, canto com todas essas experiências que não são realmente minhas…”

Patrick Watson – Fotografia de Lawrence Fafard

Convicto de que a inspiração nasce sobretudo do que observa, “não sou a fonte da minha própria música, sou movido pelo que o mundo me oferece”, Patrick Watson explica que a perda da voz, em 2023, foi menos trágica do que se pensa. “O que me assustava não era deixar de cantar em si, mas perder a ligação com o mundo. Voltar a Lisboa e não conseguir falar com o meu amigo Nuno, ou ir a qualquer cidade onde tenha amigos ou conhecidos. É esse contacto, mais do que a música propriamente dita, que me dá sentido. Tocar e cantar foi sempre um pretexto para reencontrar pessoas, fazer parte de lugares que me acolhem temporariamente como um dos seus.”, disse-nos

Essa relação entre o momento e a obra define também a estrutura dos discos de Watson. Todos são muito visuais, afirma, “porque não consigo escrever uma letra sem imaginar imagens”. Às imagens que o inspiram a compor sons, junta palavras que andam, por vezes, anos nos bolsos dos casacos, à espera do momento certo. Aconteceu com “Choir in the Wires”, um dos dois temas de “Uh Oh” que não é um dueto, que teve como inspiração os fios de telefone suspensos na Cidade do México e a vontade antiga de “homenagear o facto de olhar para estes fios, ver milhares de conversas de pessoas suspensas no ar. E a primeira vez que fui ao México, sonhava em fazer aquela canção, por isso pensei: ‘É este o momento’.”

“Não sou a fonte da minha própria música, sou movido pelo que o mundo me oferece. Tocar e cantar foi sempre um pretexto para reencontrar pessoas, fazer parte de lugares que me acolhem temporariamente como um dos seus.”

Para dez dos doze temas que compõem o seu oitavo álbum de originais, Patrick Watson encontrou companhia no Instagram, no TikTok, no café da rua, em ídolos de sempre. Com November Ultra, Sea Oleena, La Force, Klô Pelgag, Hohnen Ford, Martha Wainwright, Charlotte Cardin e Solann, e em que a sua temporária limitação na voz afectasse a sua vontade de criar, Patrick Watson encontrou “liberdade nos duetos, numa ideia que veio do facto de ouvir hip hop e de ter inveja do facto de se poder ter dois narradores a contar duas histórias diferentes ao mesmo tempo, de se poder alterar totalmente a estrutura da canção. Tradicionalmente o folk e o rock são como duas pessoas a contar a mesma história, enquanto o hip hop é um ponto de vista totalmente diferente, o que abre toda a estrutura da canção de uma forma livre, em que entra um e depois outro alguém entra e é uma história totalmente nova.”

Mais do que tudo, cada voz traz consigo um carácter narrativo próprio, uma história diferente e uma forma única de a contar. Patrick Watson sabe que, sozinho, ficaria limitado ao seu próprio timbre e, consequentemente, a apenas um tipo de história. “Com músicos como o Mischka [Stein], entre outros, sinto que poderíamos fazer qualquer coisa em música, em qualquer estilo, altura ou lugar, com um nível de excelência tremendo”, admite, sem arrogância, mas com consciência dos talentos à sua volta. No entanto, reconhece que a sua voz impõe fronteiras ao tipo de narrativa que pode construir em cada canção; por isso, convidou cantoras a juntar-se, numa espécie de “egoísmo ativo” que lhe permite experimentar universos sonoros a que, de outra forma, não teria acesso. “O espanhol, por exemplo, é uma língua de uma musicalidade incrível, mas não me pertence. Compôr para alguém como a November Ultra, poder escrever acordes belíssimos e depois escutá-los cantados em espanhol, é um sonho tornado realidade. Quase uma forma de participar, de dentro, numa música que nunca seria só minha.”

É inevitável reconhecer que o inglês, antes dominante, perdeu terreno. O mundo ouve e cria em muitas línguas, e isso é uma riqueza, não uma limitação. Mesmo que persista a ideia de que cantar em inglês facilita uma carreira internacional, Patrick Watson discorda: “Quando um português canta em inglês, para um inglês soa forçado, enquanto para um português faz todo o sentido. O mesmo se aplica ao francês, só funciona de dentro. Por isso, acredito que se tem mais sorte ao reinventar a própria língua de modo a passar fronteiras.” Para Watson, esse é, mais do que um dogma, uma teoria prática de criação, sujeita a revisões e dúvidas, mas essencial para tornar o mundo musical mais plural e menos monocultural. MARO surge como um caso de excepção: a sua voz transporta gerações de canto e fado, e consegue cantar em inglês mantendo a carga emocional, o “tom de fado” que lhe é próprio. O conhecimento técnico de MARO impressiona-o, sabe tudo de harmonia, é inteligente, eleva a música portuguesa e, para Watson, é “uma verdadeira embaixadora do som de Portugal, alguém que consegue a melancolia das cidades por onde canta”.

Entre amigos, ídolos e conhecidos através dos algoritmos, Patrick Watson fez de “Uh Oh” uma celebração da imperfeição, da abertura, daquilo que não sabemos nomear nem controlar, mas que, se tivermos a paciência para escutar, nos mostra novos caminhos. “Não sou um artista particularmente interessante, o meu talento é encontrar a beleza que está escondida no mundo”, diz-nos. Esta é, no fundo, a proposta de “Uh Oh”: um convite a ouvir com atenção, a abrir a escuta para o inesperado, a descobrir o universo de vozes que coabitam o mundo sem o dominar. 

“Uh Oh”, o oitavo longa-duração de Patrick Watson já se encontra disponível nas lojas e em todos os serviços de streaming. Patrick Watson voltará a Portugal para um concerto na Casa da Música a 14 de Janeiro e no LAV, em Lisboa, a 15 de Janeiro.

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/entrevista-patrick-watson-sou-um-observador-a-musica-nasce-dos-encontros-que-nao-me-pertencem/