20 de outubro de 2025
Lula e diretoria da Petrobras entram em impasse sobre plano
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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a direção da Petrobras vivem um impasse sobre o próximo plano de investimentos da estatal, que incluirá o ano eleitoral de 2026. Enquanto a diretoria da companhia defende uma revisão dos valores diante da queda no preço do petróleo, o Palácio do Planalto resiste a cortes e pressiona por uma manutenção dos investimentos em níveis elevados.

Segundo integrantes da empresa ouvidos pela Folha de S. Paulo, o tema deve dominar as discussões no conselho de administração da petroleira nos próximos meses. O colegiado é composto tanto por indicados do governo quanto por representantes de acionistas minoritários. O dilema central é manter o ritmo de aportes mesmo com receita menor, o que poderia elevar o endividamento e reduzir o pagamento de dividendos — inclusive à própria União.

A divergência ganhou força após o recente acordo entre Israel e Hamas, que reduziu as tensões no Oriente Médio e derrubou os preços internacionais do petróleo. O barril do tipo Brent encerrou a última sexta-feira (17) cotado a US$ 61,33, cerca de 16% abaixo do valor de um ano atrás.

Cenário global desfavorável e alerta da AIE

Além da normalização geopolítica, a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China tem alimentado o temor de uma desaceleração econômica mundial e de uma queda na demanda por energia. A Agência Internacional de Energia (AIE) prevê para 2026 um excedente global de petróleo ainda maior que o atual, o que deve manter os preços sob pressão.

O plano estratégico da Petrobras aprovado no fim de 2023 prevê US$ 111 bilhões em investimentos entre 2025 e 2029 — um aumento de 4,7% em relação ao programa anterior. Desse total, US$ 98 bilhões estão vinculados a projetos em execução, principalmente na área de exploração e produção. Outros US$ 13 bilhões correspondem a iniciativas em avaliação, como o desenvolvimento de querosene sustentável de aviação produzido a partir de etanol.

Agora, a companhia discute as metas para o período de 2026 a 2030, cujos números servirão de base para novas projeções do mercado financeiro. Procurada, a Petrobras informou que não comentaria o assunto.

Lula cobra expansão e defende geração de empregos

Em evento na Bahia neste mês, o presidente Lula reafirmou sua visão de que a Petrobras deve ampliar seu papel na economia. “Estou convencido de que a Petrobras ainda não deu tudo o que ela tem que dar ao povo brasileiro”, disse o petista, dirigindo-se à atual presidente da empresa, Magda Chambriard, que acompanhava o discurso.

O presidente recordou episódios de seu primeiro mandato, quando pressionou a empresa a investir na construção de navios-sonda no Brasil. “Briguei muito com ele”, contou, referindo-se ao ex-presidente da estatal Sérgio Gabrielli. “Ele era um que tinha dúvida se ia fazer sonda aqui, porque ninguém consegue fazer sonda, porque é mais fácil fazer [em outro país]. Eu falei ‘mais fácil o cacete’”.

Lula defendeu que o investimento interno traz retornos sociais e econômicos. “É mais fácil para a Petrobras, ela vai economizar US$ 50 milhões. Mas se gerar emprego aqui, eu vou gerar conhecimento tecnológico, vou gerar mão de obra, vou gerar salário, vou gerar imposto e vou gerar a coisa mais sagrada que é emprego”, disse.

Sem citar nomes, o presidente criticou gestões passadas que, segundo ele, “desmontaram” a companhia sob o argumento de que ela não precisava investir. “Paralisar um estaleiro como o Enseada, na Bahia, é matar gente de desespero. É isso que eles gostam de fazer. E é isso que eu acho que não deve ser feito”, afirmou.

Diretoria prega prudência e revisão de projetos

A diretoria da Petrobras, no entanto, já havia indicado que o programa de investimentos seria reavaliado. Em agosto, Magda Chambriard declarou a investidores que vários projetos “quase prontos” haviam voltado para a etapa de reanálise por conta da mudança no preço do petróleo.

“Quando nós olhamos para eles em um novo patamar de preço, eles voltaram para o portão dois [fase anterior] para serem otimizados, exatamente por conta do preço do petróleo”, disse a executiva em conferência sobre os resultados do segundo trimestre.

O diretor financeiro, Fernando Melgarejo, também confirmou a necessidade de reavaliar os planos. “[No plano 2026-2030] vamos ter que reavaliar alguns projetos. Na verdade, vamos reavaliar todas as premissas e, com isso, identificar aqueles que são viáveis”, afirmou. Segundo ele, os que não passarem no crivo financeiro poderão ser postergados ou ajustados.

“Os que não passarem na nossa régua, por certo, ficarão pelo caminho ou serão postergados ou buscaremos alternativas de engenharia que barateiem esse Capex [valor de investimento] para ele ser viável financeiramente”, completou Melgarejo.

Pouco depois, em entrevista à agência Eixos, Chambriard reafirmou a posição: “Vamos sim adaptar o nosso planejamento estratégico à realidade de um mercado que hoje trabalha com o preço de um produto, que é o que nós vendemos, a menor. Não podemos deixar de fazer isso.”

Divisão interna e reação política

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tenta mediar o conflito entre o Palácio do Planalto e a diretoria. Em entrevista à Folha, afirmou que Magda Chambriard “equilibra interesses de investidores e da União” e que as divergências com o antigo presidente da estatal, Jean Paul Prates, estavam ligadas à escolha das áreas prioritárias para investir.

“Na campanha eleitoral, ele [Lula] fez alguns compromissos. Eu entendia que um deles era exatamente aumentar os investimentos da Petrobras em fertilizantes, ampliar a capacidade da empresa e reforçar o fornecimento de gás para reindustrializar o Brasil. Investimentos que eram fundamentais. A Petrobras precisa se revigorar cada vez mais”, disse Silveira.

Mercado acompanha impasse com cautela

Analistas e investidores aguardam com atenção o desfecho da disputa. Em relatório recente, o Itaú BBA apontou que a eventual redução dos investimentos em 2026 é o “ponto central do debate” sobre a empresa. “O sentimento dos investidores tem sido misto: enquanto alguns acreditam na concretização desse cenário, outros permanecem céticos”, diz o documento assinado pela analista Monique Martins Greco Natal.

A expectativa é que o conselho da Petrobras defina, até o fim do ano, os novos parâmetros de investimento. A decisão deverá sinalizar se a estatal seguirá a estratégia de expansão defendida por Lula ou adotará a linha mais conservadora proposta pela atual diretoria diante de um mercado internacional em queda.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/lula-e-diretoria-da-petrobras-entram-em-impasse-sobre-plano-de-investimentos-apos-queda-do-petroleo/