A operação Recon na manhã desta sexta-feira (24), realizada pelo Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo desmantelou um novo plano da facção criminosa PCC para assassinar autoridades responsáveis pelo combate ao crime organizado. A ação conjunta com as polícias Civil e Militar trouxe à tona, novamente, a “sintonia restrita tática”, setor do PCC que é responsável por levantar informações sobre a rotina e seguir os alvos de alta importância para planejamento dos atentados.
Desta vez, a ordem de assassinato colocava, novamente, o promotor Lincoln Gakiya, do MP-SP, na mira da facção e o coordenador de presídios Roberto Medina, responsável pelas unidades prisionais da região oeste do estado paulista.
Embora a Polícia Civil ainda não tenha confirmado ligação entre esse plano e o assassinato do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes — fuzilado no trânsito em Praia Grande (SP) em setembro — Gakiya afirma que existe uma forte suspeita. As ações de vigilância sobre o promotor e Medina começaram em julho, mesmo mês em que Fontes passou a ser seguido por criminosos na Baixada Santista. A casa do promotor do Gaeco chegou a ser monitorada com o uso de drones.
“Elas [imagens e informações] foram remetidas para o setor que eles denominam de ‘sintonia restrita’ do PCC, e que, provavelmente, faz parte do mesmo ‘salve’ que culminou com a morte do doutor Ruy Ferraz Fontes. Nesse mesmo ‘salve’ havia ordens para me matar e para matar o Roberto Medina também”, afirmou o promotor em entrevista à GloboNews. Além dos assassinatos, o setor é responsável por planos de resgate de lideranças da facção criminosa que estão na cadeia.
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Transferência de Marcola colocou autoridades na mira da “sintonia” do PCC
A existência e funcionamento da “sintonia restrita tática” do PCC começou a ser investigada oficialmente, em 2019, pelos promotores do MP-SP a partir da operação Jibóia, mas já estava em atividade antes disso e vem sendo monitorada desde então. Em 2021, cinco lideranças do PCC pertencentes à “sintonia restrita” foram denunciados pelo MP-SP à Justiça e condenados em primeira instância. Na ocasião, além de Gakiya e Medina, eram monitorados para um eventual atentado por parte da facção criminosa um deputado estadual e dois ex-secretários da Administração Penitenciária do estado.
De acordo com o MP-SP, desde a transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e mais 21 lideranças do grupo criminoso para presídios federais, em 2019, além de Gakiya e Medina, diversas autoridades foram marcadas para morrer pela facção criminosa.
Segundo o MP-SP, a “sintonia restrita” é estruturada de forma compartimentada e altamente disciplinada. Os integrantes são responsáveis por realizar levantamentos detalhados da rotina de autoridades públicas e de seus familiares, com a clara finalidade de preparar atentados contra esses alvos previamente selecionados.
Os integrantes do grupo são altamente treinados na preparação e execução de ações táticas paramilitares e no uso de diversos tipos de armamentos pesados, incluindo explosivos. “Os indivíduos desse setor são aqueles que são treinados para realizar atentados contra autoridades. Então, eles passam por treinamento de diversos armamentos”, confirmou a jornalistas Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública de São Paulo, no dia 26 de setembro, durante as prisões de suspeitos por envolvimento na execução do delegado Fontes na Baixada Santista.
Também não está descartada a participação da “sintonia restrita” na execução de Vinícius Gritzbach, delator de esquemas de lavagem de dinheiro do PCC e do envolvimento de policiais com a facção criminosa. O empresário foi fuzilado em plena luz do dia no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, pouco após desembarcar em novembro de 2024. Até agora, 26 pessoas já foram presas por envolvimento no caso, sendo 17 policiais militares e cinco civis. Outras quatro pessoas presas são suspeitas de terem alguma relação com o homem que teria atuado como “olheiro” no dia do crime.
Em janeiro deste ano, outros oito integrantes da “sintonia restrita” foram condenados a penas de até 14 anos de prisão pela Justiça Federal em Curitiba, acusados de um plano para matar o senador Sergio Moro (União Brasil), o promotor Gakiya e mais autoridades. O plano foi descoberto e desbaratado na operação Sequaz, da Polícia Federal, no início de 2023. Outros dois suspeitos de participar do plano foram assassinados nas ruas no ano passado.
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Ameaça não é isolada, diz promotora do Ministério Público
Para Celeste Leite dos Santos, promotora em Último Grau do Colégio Recursal do MP-SP, este novo caso evidencia o grau de exposição a que estão submetidos os profissionais do sistema de Justiça e a perda de controle sobre a situação das facções criminosas no país.
“Este tipo de ameaça não é isolado: há um histórico de intimidações e de atentados que colocam em risco a integridade física e psicológica de quem atua na linha de frente do combate ao crime”, afirma a promotora em entrevista à Gazeta do Povo.
Ela aponta que aponta que, apesar do contexto alarmante, o presidente Lula vetou parcialmente o projeto de lei 4.015/2023, que reconhecia como atividade de risco permanente as funções exercidas por membros do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública. O impedimento se deu por razões de inconstitucionalidade e de contrariedade ao interesse público, segundo mensagem oficial enviada ao Senado Federal, na época.
“Embora a nova lei sancionada aumente as penas para crimes contra agentes do Judiciário e das Forças de Segurança, o trecho que previa medidas especiais de proteção e de tratamento diferenciado de dados foi retirado. Este veto reacende o debate sobre a vulnerabilidade dos operadores do Direito diante de organizações criminosas. Sem o reconhecimento formal de suas funções como atividades de risco, juízes e promotores seguem expostos, muitas vezes sem garantias adicionais de segurança”, afirma Celeste.
A promotora aponta ainda que a ausência de medidas mais robustas pode comprometer não apenas a proteção individual destes profissionais, mas, também, a eficácia do sistema de Justiça no enfrentamento ao crime organizado.
O advogado criminalista Jorge Talarico Junior, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Segurança Pública, vê com bons olhos as recentes e grandes operações do poder público contra o crime organizado. “Todas as operações que visam, de alguma forma, ceifar as organizações criminosas que se instalaram no país e, especificamente, em São Paulo, são válidas: significa, ao mesmo tempo, que o Estado está reocupando o seu lugar”, ressalta.
No entanto, ele afirma que é necessário fazer mais, e dá um exemplo. A lei 15.159/25 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro uma qualificadora ao delito de homicídio em face de autoridades públicas. “Por outro lado, compartilho uma crítica face à medida, uma vez que os advogados que militam na área criminal ficaram de fora desta especial proteção, mesmo lidando, também, com tais criminosos, e estando, assim, igualmente na mira das facções”, aponta.
O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) afirma em nota enviada à Gazeta do Povo que a operação Recon “mostra a que ponto chegamos e o quão avançado e estruturado está o crime organizado”, o que segundo a entidade, reforça a necessidade de ações urgentes do governo estadual.
“Não é de hoje, profissionais da Segurança Pública que se dedicam a combater organizações criminosas têm suas vidas expostas às investidas cada vez mais ousadas e violentas dos faccionados, que desejam eliminar quem ousa combatê-los”, declara a nota assinada pela presidente da entidade, Jacqueline Valadares.
O Sindpesp cobra mais investimentos da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Polícia Civil. “Hoje, há um alto déficit de 15 mil policiais, entre diferentes funções (delegados, escrivães, investigadores – só para citar algumas carreiras), que poderiam estar atuando no atendimento da população e no combate ao crime”, afirma.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/sao-paulo/como-funciona-sintonia-restrita-pcc-alvo-de-operacao-assassinatos-autoridades/
