Um documento interno vazado revelou que a Amazon elaborou estratégias para manter em sigilo o consumo total de água de seus data centers, os maiores do mundo.
Segundo o material obtido pelo The Guardian e pelo coletivo investigativo SourceMaterial, executivos da empresa discutiram formas de evitar a divulgação completa dos dados para não prejudicar sua reputação, em um momento em que planeja uma grande expansão de infraestrutura para impulsionar seus projetos de inteligência artificial (IA).
Embora Microsoft e Google publiquem regularmente seus números de consumo de água, a Amazon nunca revelou publicamente quanto seus servidores utilizam.
O documento mostra que, ao desenvolver uma campanha de eficiência hídrica, a divisão de computação em nuvem da empresa, a Amazon Web Services (AWS) — que sofreu pane mundial na semana passada —, optou por contabilizar apenas parte do uso total, excluindo categorias que pudessem elevar as estimativas e gerar repercussão negativa.
De acordo com o memorando, a Amazon consumiu 105 bilhões de galões de água em 2021 — volume equivalente ao abastecimento de 958 mil residências nos EUA, o suficiente para uma cidade maior que San Francisco.
Questionada sobre o vazamento pelo Guardian, a porta-voz da empresa, Margaret Callahan, afirmou que o documento é “obsoleto” e que “deturpa completamente a estratégia atual de uso de água da Amazon”. Segundo ela, “a existência de um documento não garante sua precisão ou versão final”.
Documento contradiz a Amazon
- O memorando foi produzido um mês antes do lançamento da campanha “Water Positive”, em novembro de 2022, na qual a AWS prometeu “devolver mais água do que consome” até 2030;
- Na fase de planejamento, executivos da empresa discutiram se deveriam incluir o uso de “água secundária” — aquela utilizada na geração de eletricidade que alimenta os data centers;
- O grupo alertou que a transparência total seria “uma via de mão única” e recomendou manter as projeções confidenciais, mesmo reconhecendo o risco de acusações de encobrimento. “Amazon esconde seu consumo de água” foi uma das manchetes negativas previstas no documento;
- A empresa decidiu usar apenas o dado de uso primário de água, estimado em 7,7 bilhões de galões anuais — o equivalente a 11,6 mil piscinas olímpicas — e estabeleceu a meta de reduzi-lo para 4,9 bilhões até 2030. O consumo secundário não foi incluído;
- Segundo os autores do memorando, incorporar a estimativa mais ampla dobraria o tamanho e o orçamento da campanha “sem tratar riscos operacionais, regulatórios ou de reputação significativos”.

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Especialistas se preocupam
Para cientistas, a omissão é significativa. “Na ciência ambiental, é prática padrão incluir ambos os tipos de uso para capturar com mais precisão o verdadeiro custo hídrico dos data centers”, disse Shaolei Ren, professor da Universidade da Califórnia, em Riverside (EUA) ao Guardian.
Atualmente, a campanha Water Positive continua em vigor sem contabilizar o uso secundário e a Amazon segue sem divulgar seu consumo total, segundo o periódico britânico. A empresa, avaliada em US$ 2,4 trilhões (R$ 12,9 trilhões, na conversão direta), está construindo novos data centers em regiões de escassez hídrica, conforme revelou o mesmo consórcio de investigação.
Em relatório de sustentabilidade divulgado em agosto, a AWS afirmou ter alcançado 53% de sua meta Water Positive, com projetos de “reposição hídrica” desenvolvidos em parceria com a organização Water.org, cofundada pelo ator Matt Damon.
O documento interno, porém, mostra que cerca de metade dos US$ 109 milhões (R$ 587,4 milhões) previstos para esses projetos seria gasta de qualquer forma, seja por exigências regulatórias ou por benefícios diretos às operações da AWS.
“Independentemente dos tipos de compensação adotados, isso não anula a pegada hídrica das próprias operações”, afirmou Tyler Farrow, gerente de padrões da Alliance for Water Stewardship, que classificou como enganosa a expressão “água positiva”. Callahan rebateu dizendo que o investimento é voluntário e que a empresa ampliou as metas originais “porque é o certo a se fazer”.
Denúncia de funcionários
Ex-funcionário da companhia, Nathan Wangusi, que trabalhou como gerente de sustentabilidade hídrica, acusou a Amazon de influenciar a formulação de padrões da indústria para “minimizar seu impacto”.
Segundo ele, a empresa financiou instituições, como Nature Conservancy e World Resources Institute para desenvolver metodologias que “obscurecem a pegada hídrica”. As organizações negaram qualquer influência indevida. Callahan classificou as alegações como “contraditas pelos fatos”.
O documento também aponta que a Amazon optou por manter em sigilo estimativas de uso indireto de água – classificadas como “escopo 3” –, relacionadas à produção e construção de sua cadeia de suprimentos, incluindo agricultura para o Amazon Fresh e confecções para suas marcas de moda. Essa categoria representaria cerca de 90% da pegada hídrica total da companhia.
“Você não precisa obscurecer”, disse Wangusi, que afirmou ter sido perseguido após criticar a abordagem da empresa. “Isso não te torna mais lucrativo. Te torna menos confiável.”

O que diz a Amazon
O Olhar Digital entrou em contato com a Amazon e aguarda um posicionamento oficial sobre o tema.
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Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/10/26/pro/amazon-documento-diz-que-big-tech-nao-revela-real-gasto-de-agua/
