A primeira vez que vi Linda Martini foi no Teatro Aveirense, em 2015. Foi uma das primeiras bandas portuguesas que comecei a ouvir com mais atenção e que me fez apaixonar pela música do meu país e da minha língua.
Lembro-me como se fosse ontem da ansiedade de ouvir as energéticas músicas sentado, ceder ao impulso e levantar-me. Após dezenas de pessoas fazerem o mesmo, corremos para a frente do palco e começámos um moche, durante a “Ratos”, muito para o desagrado dos funcionários deste espaço que, no final da canção, suplicaram a todos para voltarem para os seus lugares.
Depois do concerto, havia que tomar um refresco, então, acompanhado pelos meus amigos, fomos ao (saudoso) bar Da Vinci, onde era sempre possível ouvir um pouco de rock alternativo e colocar a conversa em dia, acompanhado por uma cerveja.
Mas havia mais sítios onde parar, por isso, ainda houve a paragem obrigatória pela Casa Pina, o bar onde é possível ouvir qualquer estilo de Heavy Metal, até mesmo quando estamos fora das suas portas, e utilizar a sempre fiel mesa de matraquilhos.
Antes de voltar para casa, para encerrar a noite com chave de ouro, após atravessar a apinhada Praça do Peixe, era obrigatório beber um último copo no Mercado Negro: um dos espaços mais vibrantes da cidade, onde, além do bar, existiam diversas salas com os mais variados desígnios, desde salões de tatuagens a livrarias alternativas. Quando entrávamos no Mercado Negro, não estávamos apenas a consumir álcool — estávamos a consumir cultura.
Saímos sempre com algo mais deste espaço. Seja uma história caricata, de alguém que já tomou uns copos a mais e decidiu tentar colocar, insistentemente, moedas numa máquina de dardos desligada, ou com a recomendação de um novo álbum de eletrónica experimental recomendada por um novo amigo, que começou a noite como um estranho.
Para alguém que vivia numa cidade pequena, Estarreja, apenas a 20km de distância de Aveiro (20 minutos de carro, 10 minutos de comboio), era impressionante o ecossistema que encontrávamos na capital do distrito. Uma cidade a fervilhar de pessoas e com eventos interessantes a acontecer. No fim de semana, este era o sítio onde eu queria estar.
Agora, quase uma década depois, Aveiro é uma cidade bem diferente. Muitos destes sítios, como o Mercado Negro ou o Da Vinci, deixaram de existir, deixando um buraco no espaço de convívio da cidade.
Agora, quase uma década depois, existem outras referências, como o Gretua (Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro), que diversificou a sua oferta e tem sido um dos principais espaços a oferecer uma cultura alternativa à cidade, seja com teatro, concertos, dança ou cinema.
Agora, quase uma década depois, depois de não ter sido escolhida como a Capital Europeia da Cultura 2027 (uma escolha que recaiu sobre Évora), Aveiro é a Capital Portuguesa da Cultura.
Esta distinção, anunciada pelo então ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, será depois herdada por Braga (em 2025) e Ponte Delgada (2026), conduziu a cidade a preparar uma eclética programação, mas também vários apoios às mais diversas instituições.
Mas o que é afinal isto da Capital Portuguesa da Cultura? O que representa este título para as salas de espetáculos da cidade, para os seus artistas e para os seus habitantes? Que cultura é que afinal existe em Aveiro e qual é a que ficou pelo caminho deixando um vácuo por preencher nesta cidade?
Estas são algumas das perguntas que a Comunidade Cultura e Arte irá tentar responder ao longo deste texto, via entrevistas a responsáveis por estes espaços, músicos e aveirenses que estão habituados a consumir cultura nesta região.
Posto isto, não há melhor sítio por onde começar do que aquela considerada como uma das mais conceituadas instituições do distrito: o Teatro Aveirense.
Inaugurado em 1881, o Teatro Aveirense tem se afirmado como uma das principais salas de espetáculos do distrito, onde, todas as semanas, recebe espetáculos de teatro, concertos, exibições de filmes e muito mais.
Pelos seus palcos já passaram artistas de referência nacional, como os Capitão Fausto, Carminho, Ornatos Violeta ou The Gift, mas também internacionais, nomeadamente, Mark Kozelek, fundador de Red House Painters e Sun Kill Moon. Ainda este ano, os Tindersticks vão atuar neste espaço, a 10 de novembro.
A sala serve também para receber eventos de alguns dos principais certames da cidade, por exemplo, o Festival dos Canais — um evento multidisciplinar que transforma os canais urbanos, o espaço público, o património e a arquitetura de Aveiro em palcos artísticos — ou o Prisma / Art Light Tech – festival realizado na interseção entre arte, ciência, tecnologia e património, que reúne criadores de todo o mundo.
“O Teatro Aveirense, desde a sua existência e sobretudo nos últimos anos, é um ator muito marcante na dinâmica cultural e social da cidade, do município e da região”, diz à CCA o diretor do Teatro Aveirense, José Pina.
“Isto acontece porque é uma estrutura que tem uma dimensão de projeto, trabalho e técnica que lhe permite criar uma relação central com Aveiro”, começa por explicar. “Os principais projetos são aqui apresentados com as melhores condições. Somos o único teatro do município capaz de albergar projetos com essa dimensão técnica porque conseguimos responder de um ponto de vista do espaço, técnico e da equipa que temos disponível”, diz-nos.
Pina está neste cargo desde 2016, após ter abandonado o mesmo cargo no Centro Cultural de Ílhavo (CCI), é um dos diretores do Festival dos Canais e esteve envolvido na gestão da candidatura de Aveiro a Capital Europeia da Cultura 2027.
Argumenta que o Teatro tem assumido um novo papel relevante naquilo que é o “planeamento e a estratégia cultural” não por oferecer casa a eventos marcantes, mas também por ajudar a monitorizar projetos estratégicos para o desenvolvimento cultural do município, nomeadamente o Plano Acesso Cultura, em vigor entre 2019 e 2030, ou a candidatura de Aveiro a Capital Europeia da Cultura.
“O Teatro Aveirense, desde a sua existência e sobretudo nos últimos anos, é um ator muito marcante na dinâmica cultural e social da cidade, do município e da região.”
José Pina, diretor do Teatro Aveirense
Apesar de não terem conseguido esta distinção, existe agora a responsabilidade de ser a Capital Portuguesa da Cultura, o que coloca alguma pressão no trabalho da equipa do Teatro Aveirense.
“O facto de sermos a Capital Portuguesa da Cultura, e uma vez que o Teatro Aveirense tem um papel central no projeto de programação e coordenação de definição dos eixos estratégicos do planeamento e da gestão do processo, isto traz uma responsabilidade acrescida”, confessa.
“Há uma exigência ainda maior daquela que tem sido de planeamento de articulação não só interna, mas sobretudo com os outros serviços, setores da autarquia, porque é a Câmara que organiza este evento, mas também com outras estruturas da cidade e da região”, descreve.
Apesar da programação não se ter desviado muito daquilo que tem sido oferecido pelo Teatro Aveirense, Pina admite que existe “outro grau de exigência técnico” e do público, uma vez que está mais focado naquilo que são as criações, as coproduções e as estreias que obrigam a uma presença da equipa técnica e do próprio.
No entanto, o diretor garante que é importante manter os pés no chão e não esquecer qual é a identidade do Teatro. “Apesar de algumas alterações no calendário, vamos continuar com o nosso trajeto e a nossa programação para o ano 2024. Existe um futuro depois destas celebrações. Não vamos hipotecar o futuro e pôr em causa o trabalho feito”, frisou.
Entre os espetáculos que vão chegar a esta sala de espetáculos, como parte da programação da Capital Portuguesa da Cultura, estão o concerto de Inês Marques Lucas, a 6 de junho; uma homenagem a Zeca Afonso, intitulada “Zeca Afonso, Cantor e Poeta – Viagem Literária”, a 29 de junho; e o espetáculo de Companhia Nacional de Bailado, “Shechter/ Wellenkamp/ Naharin”, a 21 de junho.
Num ano normal, muitos destes espetáculos não seriam exibidos aqui, mas o diretor do Teatro refere que existe “um conjunto de recursos” que permite uma maior “audácia” na seleção de alguns projetos.
“Existem apoios que se refletem num reforço na dotação orçamental por parte da Câmara Municipal, para a programação global e do teatro que nos permite ter um conjunto de recursos diferentes daqueles que têm sido disponibilizados nos anos anteriores”, esclarece.
Esta distinção coincide também com uma fase da cidade em que diversos espaços culturais, como o Mercado Negro ou o café-concerto Avenida tem encerrado, deixando Aveiro órfã de espaços de convívio, trocas de ideias e locais onde possam acontecer espetáculos culturais.
Quando questionámos José se uma cidade poderia ser, efetivamente, uma Capital Portuguesa da Cultura quando tantos espaços culturais foram encerrados, este afastou qualquer ligação entre estes dois fatores.
“Esta é uma distinção merecida da cidade, não tenho qualquer tipo de dúvida, tal como não tenho nenhum tipo de dúvida que esses exemplos não estão relacionados”, diz-nos.
“O que está em causa é um título que surge por iniciativa do Governo da Nação após o processo da candidatura da Capital Portuguesa da Cultura, onde foi reconhecido o trabalho desenvolvido pelas cidades, sobretudo as que chegaram à lista final e não ficaram com o título”, referindo-se também às outras finalistas, Braga e Ponta Delgada.
“É reconhecida a aposta de Aveiro e da Câmara Municipal, nomeadamente, pelo planeamento, a dimensão que se quer ter com a cultura e a estratégia de desenvolvimento do território”, identifica. “A cultura está no centro dos problemas de planeamento e isso é refletido naquilo que são os objetivos, as estratégias e os investimentos que têm sido feitos e os que estão planeados”, acrescenta.
“Este título reconhece todo o trabalho que tem sido feito em Aveiro em prol da cultura e aquilo que está a ser feito. Não é posto em causa algumas dinâmicas que não conseguimos controlar”, uma referência aos espaços culturais, controlados por iniciativas privadas, como o Mercado Negro ou o Avenida, que tem sido encerrados na cidade.
“Temos pena que estes espaços privados tenham sido encerrados, mas são processos que não estão, obviamente, minimamente ligados à capital ou à gestão municipal”, conclui.
Descrito como o “segredo mais mal guardado” da cidade pelo seu diretor artístico, Hugo Branco, a VIC – Aveiro Arts House é um dos espaços mais fascinantes da região.
Situado nas costas do Museu de Aveiro, junto ao Parque de Santa Joana, o edifício número 14 da Rua Príncipe Perfeito pertencia ao avô de Hugo, o pintor, ceramista e escritor Vasco Branco, que faleceu em 2014.
Ele vivia no México quando a família disse que esta casa, onde ele viveu com os avós durante a infância, ia ser vendida. O valor emocional era demasiado alto para este espaço ser assim despachado, por isso, regressou a Portugal com a missão de dar uma nova vida à casa.
Após apresentar um projeto à família, o edifício passou a cumprir diversas funções nos seus diferentes andares. Em parte, é uma casa-museu dedicada à vida de Vasco Branco com uma grande parte do seu espólio — de cerâmicas a quadros e a livros — exposto para todos poderem recordar a sua vida.
Mas é, também, uma sala de espetáculos, com um palco instalado na cave, onde era a sala de cinema do avô. Um espaço imponente — recheado dos vários troféus que este ganhou com o seu trabalho para a sétima arte, incluindo um troféu do Festival de Cinema de Cannes — onde, durante a ditadura, eram partilhados filmes censurados e notícias contra o regime. Agora, esta divisão serve para receber concertos de música experimental, de artistas nacionais e internacionais, workshops, DJ sets, palestras e exposições.
A VIC é ainda um centro de criação artística, servindo também como residência artística para as mais variadas mentes criativas, desde músicos, pintores, escultores, a ilustradores. É uma roda-viva de partilha de ideias que muda, constantemente, com a entrada e saída de pessoas. É também aqui que ficam muitas vezes a dormir artistas que vêm de fora da cidade para atuar em locais como o Gretua ou o Teatro Aveirense.
Dada a elevada proliferação de arte, também foi criada uma editora que produz discos, de artistas como os Troll’s Toy ou compilações de música exploratória, caso RAJADA – Windy Sounds from Aveiro, que junta diversos artistas da cidade em colaborações inéditas, e também livros, com vários trabalhos de Vasco Branco a serem editados aqui, mas também da mãe de Hugo, Rosa Alice Branco, e muito mais
Além da componente artística da VIC, um dos seus andares também serve como uma guest house onde turistas podem dormir num ambiente rodeado de arte. Esta vertente é a principal fonte de rendimento do espaço cultural e permite um funcionamento independente.
“A VIC tem vários papéis na cidade de Aveiro”, começa por dizer Hugo, que também tem uma prolífica carreira enquanto DJ, produtor e criador de bandas sonoras para filmes. “Gosto de descrever o espaço como um ‘sistema criativo’, cuja principal função é de ponto de encontro. Temos voluntários, artistas, hóspedes e a equipa central a viver toda junta. Isto confere uma riqueza brutal através da confluência de ideias”, ilustra.
“As pessoas pensam que vão para um concerto curtir, o que não tem nada de mal, mas queremos oferecer uma experiência diferente. Queremos transmitir emoções mais intensas e sons mais desafiantes. Queremos ser aquela cave onde podem acontecer cenas estranhíssimas.”
Hugo Branco
Foi desta vontade que nasceram projetos como “Transmissions from the Secret Cinema, Vol.1”, editado em 2021, que inclui criações de vários artistas que estiveram hospedados na VIC, onde está incluída a harpista espanhola, Angélica Salvi.
A nível de programação, a VIC oferece uma oferta de nicho, com muitos artistas de eletrónica avant-garde a apresentarem-se no auditório. Às vezes há espetáculos que estão cheios (e até têm de ser apresentados, por exemplo, no Gretua) e há outros onde estão apenas três pessoas.
Para Hugo, claro que nunca é bom ter uma sala vazia, mas o mais importante nesta experiência é oferecer a oportunidade para estes estilos – que, provavelmente, não teriam espaço noutro local da cidade – poderem ser exibidos a um público.
“Em fevereiro, tivemos um evento da editora Enfermo Distro, onde atuaram os Drenagem, Insolência e Durvena Cabina, de estilos como noisecore e doom metal. Pessoalmente, não é a minha linha de som, mas acho as ideias interessantes. Queremos ser um local que proporciona um espaço de acolhimento para projetos que, de outra forma, não teriam como se expressar em Aveiro”, diz.
O diretor criativo explica que a VIC não pretende oferecer concertos convencionais, mas sim um “desafio” aos espetadores. “Já me vieram perguntar, depois de um concerto, se achava que aquilo que tinha tocado era música”, recorda entre risos. “A música pode ser muita coisa”.
“As pessoas pensam que vão para um concerto curtir, o que não tem nada de mal, mas queremos oferecer uma experiência diferente. Queremos transmitir emoções mais intensas e sons mais desafiantes. Queremos ser aquela cave onde podem acontecer cenas estranhíssimas”, declara.
Tudo é uma oportunidade para experimentar na VIC. Numa ocasião, Valter Hugo Mãe marcou presença neste espaço para fazer a apresentação de um dos seus livros. Apesar deste evento estar repleto de espetadores que esperavam um evento mais convencional, gerou-se a oportunidade de criar um espetáculo único.
Auxiliado por um casal de músicos polacos que fazia aqui uma residência artística, o escritor sentou-se numa mesa com uma máquina de escrever, que estava posicionada em frente a um microfone, cujos sons eram alterados por Hugo Branco, mediante diversos efeitos. O resultado foi uma performance única e inesperada que deixou todos surpreendidos.
Mas não são só eventos fora da caixa que acontecem na VIC. Existem espetáculos e exposições encomendadas pela Câmara Municipal e, este ano, tem diversos eventos que vão estar incluídos na programação da Capital Portuguesa da Cultura. Nomeadamente, um workshop com um mestre na arte da field recordings, Jez Riley French, e a série audiovisual, Transmissions from Down Below, que dará a conhecer alguns dos projetos musicais mais relevantes da região de Aveiro, como MEMA., Troll’s Toy, Síria e Musgos.
Um dos espaços que mais tem contribuído para a cultura aveirense, nomeadamente com a sua oferta alternativa, é o Gretua. No entanto, para Bruno dos Reis, responsável pela direção artística deste espaço, desde 2018, não adora a expressão “alternativa”, e prefere utilizar “cultura não dominante”.
“Uma das nossas missões é preencher as lacunas que existem no tecido cultural da cidade”, explica o aveirense, referindo-se ao facto de oferecer palco a artistas emergentes, como foram os Máquina, a Ana Lua Caiano ou os Unsafe Space Garden, mas também bandas bem estabelecidas, mas que se encontram fora de um circuito mais comercial, como os Glockenwise, First Breath After Coma ou a Surma.
Bruno chegou ao Gretua pelo seu trabalho como dramaturgo e encenador, e dirigiu o espetáculo do grupo em 2015. No ano seguinte, passou a coordenar um novo modelo de formação em teatro, na tentativa de colmatar uma falha na instrução desta arte no território aveirense.
“Uma das nossas missões é preencher as lacunas que existem no tecido cultural da cidade.”
Bruno dos Reis
Após encenar outro espetáculo, acabou por ser convidado, em 2018, para o cargo atual, ficando ainda responsável pela programação performativa e musical.
Desde então, este espaço, localizado nas costas do Estabelecimento Prisional de Aveiro, tem sido uma das principais referências culturais da cidade, com formações teatrais, sessões de leitura, simpósios, debates e, como já referido, muitos concertos.
“O Gretua, de uma forma estranha, cumpre diversas missões”, começa por explicar. “É o espaço da Universidade onde existe um maior cruzamento na relação entre a cidade e os estudantes, ajudando a desenvolver uma relação que vai para além dos estudos, criando um maior laço entre as comunidades”, afirma, lamentando que, muitas vezes, Aveiro seja vista apenas como uma estação de serviço, tanto pelos alunos como pelos trabalhadores culturais que não deixam qualquer lastro após cumprirem o espetáculo.
Esta vontade de estabelecer ligações mais fiéis e duradouras levou à criação, em parceria com o Teatro Aveirense, do projeto “Heras” que consiste em residentes em Aveiro, que se inscrevem online, receberem um artista na sua casa. O anfitrião prepara o jantar enquanto o artista apresenta um pequeno “showcase”. Pelo meio há muito espaço para a conversa, o convívio e o debate. Entretanto, o projeto foi descontinuado pelo Teatro Aveirense, e reativado em parceria com a Universidade de Aveiro.
Além da arte do espetáculo, a missão de ensinar e formar artistas também continua viva. “Comparativamente aos outros equipamentos culturais, somos um lugar de formação permanente porque muitas pessoas que chegam aqui não estão capacitadas para desempenhar as funções que se designam a cumprir”, explica.
O diretor artístico argumenta que esta capacidade do Gretua ajuda igualmente a fixar pessoas em Aveiro.
“Existem pessoas que foram formadas aqui, mas mudaram-se para outros sítios à procura de melhores condições de vida. Depois, existem casos, muito raros e especiais, de pessoas envolvidas no projeto, que são de fora e chegam a vir, por exemplo, do Porto, mas que continuam no projeto porque criaram uma ligação emocional muito forte”, descreve.
Enquanto o Gretua continua a operar e a tentar levar as suas missões avante, decorrem as atividades da Capital da Cultura Portuguesa. Questionamos Bruno se isto traz alguma vantagem para o espaço. Após pensar um pouco, esclarece que “diretamente, não”. Continua, afirmando que “se a cidade for culturalmente mais dinâmica e rica e forem criados hábitos culturais nos seus cidadãos, indiretamente, isso vai acabar por se refletir na frequência do Gretua”, refere.
“Se a cidade for culturalmente mais dinâmica e rica e forem criados hábitos culturais nos seus cidadãos, indiretamente, isso vai acabar por se refletir na frequência do Gretua.”
Bruno dos Reis
Ainda que existam certos espetáculos desta iniciativa inseridos no espaço do Gretua — como o espetáculo final do curso de formação — a sala de espetáculos não está incluída na programação da Capital Portuguesa da Cultura.
Relativamente a apoios financeiros, não existe apoio para a programação regular do grupo, embora exista um apoio à criação do espetáculo anual do curso de formação, que o diretor diz ser importante.
No entanto, isto não significa que o Gretua e toda a sua equipa estejam alienados da restante programação.
“Os equipamentos culturais dos territórios não podem ser surdos ou cegos àquilo que os outros estão a fazer. Tentamos garantir que conseguimos responder ao que não existe no território enquanto mantemos a nossa identidade”, diz o programador, exemplificando com o facto de agora investirem mais na presença de artistas de música internacionais ou em espetáculos de teatro e dança de criadores que têm menos espaço nos vários equipamentos municipais da região.
O peso do título de Capital da Cultura Portuguesa parece passar ao lado do Gretua, mas nem todos olham para isto da mesma forma.
Como uma cidade pode receber esta distinção numa altura em que alguns dos seus espaços culturais, como o Mercado Negro ou o Avenida, são encerrados e não existe uma renovação de infraestruturas que possam garantir a mesma oferta que estes permitiam?
Bruno, assim como José Pina, alerta-nos que não devemos confundir conceitos. A Capital Portuguesa da Cultura é um título atribuído pelo trabalho da candidatura realizada à Capital Europeia da Cultura em 2027, e não pelo quão vibrante a cidade é, ou o quão fértil é à existência de projetos culturais de natureza mais privada. Essa história é outra.
Para percebermos essa história, decidimos falar com alguns dos responsáveis destes espaços, não só para perceber a importância que tiveram na cidade, mas também para entender a falta que fazem. (para ler na parte II deste artigo, a ser publicado nos próximos dias)
Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/reportagem-aveiro-a-capital-de-que-cultura-parte-i/