Enquanto os corpos das vítimas da chacina nos complexos da Penha e Alemão eram resgatados por moradores, governadores bolsonaristas se reuniram para solidarizar com a operação de Castro
Na manhã seguinte ao banho de sangue que deixou mais de 130 mortos no Rio, o governador Cláudio Castro (PL) participou de uma reunião remota com governadores que se postulam como herdeiros do bolsonarismo para celebrar o morticínio. Presentes na reunião Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ronaldo Caiado (União-GO), não se furtaram a defender a operação nos complexos da Penha e do Alemão.
Outros líderes de direita chegaram a preparar uma comitiva presencial para louvar a operação de Castro. O catarinense Jorginho Mello (PL) confirmou viagem ao Rio. O gaúcho Eduardo Leite (PSD) ligou para Castro e avaliava integrar a comitiva e paranaense Ratinho Jr. (PSD) estava em agenda externa e não participou, mas ofereceu o envio de tropas de seu estado caso houvesse necessidade.
O que aconteceu no Rio foi um massacre. A megaoperação contra o Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha espalhou pânico e paralisou serviços essenciais na capital fluminense. Foram encontrados 132 corpos nas duas regiões, segundo dados do Ministério Público. Escolas e unidades de saúde ficaram fechadas, e famílias inteiras se trancaram em casa.
Castro afirmou que o encontro com os governadores foi um “gesto de solidariedade e de apoio”. “O assunto foi 100% Rio de Janeiro e lideranças criminosas deles que estão no estado do RJ. Eles acreditam que a solução do problema passa pelo Rio de Janeiro”, disse.
Caiado chegou a oferecer reforço de tropas goianas para intensificar as ações contra as comunidades do Rio. A reunião acabou se tornando um movimento político que uniu opositores à gestão federal e reforçou o alinhamento de Tarcísio e Caiado, ambos cotados para disputar a Presidência em 2026.
Castro, que não pode disputar novo mandato, tenta recuperar visibilidade num cenário em que Eduardo Paes (PSD) aparece como favorito. Ele apostou numa ação de linha dura para atrair o eleitor bolsonarista e se recolocar como liderança conservadora no estado.
Enquanto isso, Castro tentou responsabilizar o governo Lula pela sua desastrosa ação que não terá qualquer efeito no combate às facções criminosas, a não ser a de lavar as comunidades com sangue de gente pobre e preta. Segundo o governador, Lula não teria liberado o uso de blindados das Forças Armadas nas comunidades, o que, só ampliaria a chacina.

O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, reafirmou na terça-feira (28) que não recebeu nenhum pedido de apoio para a operação. “Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro, enquanto ministro da Justiça e Segurança Pública, para esta operação. Nem ontem, nem hoje, absolutamente nada.”
Lewandowski declarou que nenhum pedido de Castro foi negado e classificou a ação como cruenta, devido ao alto número de mortes de agentes de segurança e civis inocentes. O ministro lembrou que, no início do ano, o governador solicitou a transferência de líderes de facções criminosas para presídios federais de segurança máxima e foi atendido. Segundo ele, “nenhum pedido foi negado”.
Em entrevista coletiva, Lewandowski lamentou as mortes. “Quero apresentar a minha solidariedade às famílias dos policiais mortos e minha solidariedade às famílias dos inocentes que também pereceram nesta operação. Ainda me colocar à disposição das autoridades do Rio para qualquer auxílio que for necessário”, disse.
Castro, por outro lado, segue repetindo que o estado atua sozinho nesta guerra. O governo federal apresentou dados que contradizem essa versão. A Força Nacional está no Rio desde 2023 e houve 11 solicitações de renovação de apoio atendidas. Além disso, a Polícia Federal realizou 24 operações conjuntas de combate ao tráfico de drogas e armas. Também há R$ 104 milhões do Fundo Penitenciário Nacional e R$ 174 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública parados nas contas do estado.
O Ministério da Defesa informou que o uso de blindados e tropas militares depende de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o que não foi solicitado pelo governo fluminense. O Ministério da Justiça reforçou que Castro deve assumir suas responsabilidades.
O Ministério Público Federal solicitou explicações a Castro sobre os objetivos da operação, os custos e “de que forma o direito à segurança pública foi promovido”. No Congresso, voltou a ganhar força a proposta da PEC da Segurança Pública, que pretende integrar ações dos estados e municípios com a União.
Durante as discussões, o ministro Lewandowski reforçou a necessidade de cooperação. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann afirmou: “Ficou mais uma vez evidente a necessidade de articulação entre forças de segurança no combate ao crime organizado.” Ela disse que Castro a procurou posteriormente e negou ter tido intenção de atacar o governo.
PÂNICO NO RIO DE JANEIRO
A operação revelou uma política de segurança desorganizada e sem coordenação. A pesquisadora Jacqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense, disse que o governo do estado mobilizou 2.500 policiais e deixou milhões de pessoas desprotegidas em outras regiões. Segundo ela, “você não viu integração com o Ministério Público Federal, com a Defensoria, com a Guarda Municipal para ajudar a população no desvio de rotas. Não teve nem uma central de crise.” A especialista também afirmou que o uso de efetivos sem experiência resultou na banalização das mortes de agentes.
O pesquisador Leandro Piquet, da USP, lembrou que a integração entre governos não depende de nova lei. Segundo ele, “a PEC da Segurança tem avanços importantíssimos, mas não precisa dela para que os governos sentem em uma sala e troquem informação. A integração depende de práticas institucionais.” A professora Jacqueline Muniz completou: “Esperar a aprovação de uma PEC é uma maneira de adiar uma política para segurança pública. O medo não se adia. O estupro acontece hoje. O roubo acontece hoje. O assassinato acontece hoje. Você vai pedir para as vítimas esperarem a aprovação de uma lei?”
O prefeito Eduardo Paes também criticou a falta de diálogo. Disse que só soube da operação pela imprensa e acionou a Guarda Municipal para reduzir o impacto sobre a população.
A tragédia escancarou o uso político da violência. Centenas de corpos, 2.500 policiais mobilizados, escolas e postos fechados e governadores de oposição reunidos em torno de uma narrativa eleitoral. O estado tem centenas de milhões de reais parados em fundos federais e apoio da Força Nacional desde 2023, mas o governador insiste em dizer que o Rio está só.
O que aconteceu no Rio foi uma carnificina. Agora Cláudio Castro tenta transformar essa tragédia na vitrine eleitoral do bolsonarismo sobre o sangue de quem vive e morre nas favelas.
MAÍRA CAMPOS
Fonte: https://horadopovo.com.br/claudio-castro-usa-banho-de-sangue-em-favelas-do-rio-para-promover-campanha-eleitoral/
