A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro denunciou, nesta quinta-feira (30), que foi impedida de entrar no Instituto Médico-Legal (IML) para acompanhar as perícias dos corpos das vítimas da chacina realizada nos complexos do Alemão e da Penha. A ação, deflagrada na terça-feira (28), deixou ao menos 121 pessoas mortas e 81 presas, segundo o balanço oficial.
O órgão afirma que o acompanhamento das necropsias faz parte das atribuições determinadas pela ADPF das Favelas, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabelece parâmetros para monitorar a letalidade policial no Rio de Janeiro.
Durante coletiva em frente ao IML, a defensora pública Rafaela Garcez informou que a instituição vai enviar um ofício ao STF pedindo autorização formal para que seus representantes possam participar das perícias. Segundo ela, “já estamos providenciando esse acesso. A gente está correndo contra o tempo porque esses corpos não vão ficar à disposição da Defensoria. Eles vão ser provavelmente encaminhados para o sepultamento; por isso, nós estamos aqui desde cedo buscando participar da produção dessa prova, mas nos foi impedido”.
A Defensoria tem reforçado que a presença de seus representantes durante os exames é fundamental para assegurar transparência e fiscalização independente dos procedimentos, principalmente diante das denúncias de execuções e desaparecimentos que circulam desde o início da operação.
A ação, batizada de Operação Contenção, foi apresentada pelo governo do estado como uma ofensiva contra o Comando Vermelho (CV). O objetivo, segundo a Polícia Civil, seria desarticular a estrutura da facção e apreender fuzis usados pelo grupo. Entre os mortos, há quatro policiais — dois civis e dois militares. O governador Cláudio Castro classificou o dia como “histórico” para as forças de segurança, ao afirmar que os agentes foram mortos por “narcoterroristas durante a Operação Contenção”.
Em resposta às denúncias, a Polícia Civil divulgou nota afirmando que “o acesso ao Instituto Médico-Legal (IML) está limitado a policiais civis e membros do Ministério Público” e que “a Polícia Civil está cumprindo todas as regras estabelecidas pela ADPF 635. O trabalho é desenvolvido por peritos oficiais da Polícia Civil, e acompanhada por peritos independentes do Ministério Público. Esta é uma rotina técnica e o ambiente é controlado. Todas as informações constarão nos autos do processo e ficarão disponíveis para todas as partes envolvidas”.
A defensora Rafaela Garcez contestou a justificativa, afirmando que “o controle que a Defensoria quer é para que melhoremos a qualidade dessa perícia, com o olhar de outros peritos que podem trazer uma melhor análise das circunstâncias, já que parte do local não foi preservado”. Ela também questionou: “A quem vale impedir o acesso da Defensoria a esses corpos? Já pedimos também as câmeras corporais dos policiais, para que haja controle dessa atuação.”
Enquanto aguarda autorização para acompanhar os exames, a Defensoria mantém uma força-tarefa de atendimento instalada no IML, que já orientou 106 famílias das vítimas. O trabalho inclui assistência jurídica, acolhimento psicológico e apoio na identificação dos corpos.
Diante da falta de resposta do governo estadual, a Defensoria Pública da União (DPU) também acionou o STF. O pedido, encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, solicita autorização para que o órgão federal possa acompanhar as perícias. O requerimento foi apresentado no âmbito da própria ADPF das Favelas, caso no qual a Corte já determinou uma série de medidas para conter a violência policial no estado.
Na manifestação enviada ao Supremo, a DPU argumentou que “a adequada produção probatória pericial, com acompanhamento técnico independente, mostra-se essencial para a correta distribuição do ônus probatório e para a efetiva responsabilização estatal, quando cabível”.
Governo envia 20 peritos da PF para reforçar perícia no Rio
O governo federal anunciou o envio de 20 peritos criminais da Polícia Federal para reforçar os trabalhos de perícia e segurança pública no Rio de Janeiro. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, comunicou a medida ao governador Cláudio Castro nesta quinta-feira (30), destacando que o envio é o primeiro resultado do escritório emergencial de combate ao crime organizado, criado um dia antes no Palácio Guanabara.
A iniciativa ocorre em resposta à Operação Contenção, que deixou ao menos 121 mortos. Segundo o governo, os peritos atuarão em análises de locais de crime, balística, genética forense para identificação de DNA, medicina legal, necropsia e reconhecimento de corpos. Além desse grupo, o Ministério da Justiça informou que mobilizará de 10 a 20 peritos da Força Nacional de Segurança Pública para auxiliar os trabalhos.
Lewandowski afirmou que o número de profissionais poderá ser ampliado conforme a necessidade. “Nós tivemos a ideia de criar esse escritório extraordinário de enfrentamento ao crime organizado para agilizar a comunicação entre as forças federais e estaduais de segurança”, disse o ministro. Ele explicou ainda que o novo escritório funcionará como um fórum de integração entre instituições federais e estaduais, destinado a facilitar a tomada de decisões “até que a crise seja superada”.
De acordo com o ministro, “este é o embrião daquilo que nós queremos criar com a PEC da Segurança Pública que está sendo discutida no Congresso Nacional”.
Ministério Público realiza perícia independente
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) também enviou técnicos periciais ao IML para a realização de uma perícia independente, em conformidade com suas atribuições legais. Em nota, o órgão informou que acompanha os desdobramentos da Operação Contenção “para assegurar o cumprimento das diretrizes fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635”, que regula as operações policiais em comunidades do estado.
A ADPF é um instrumento de controle de constitucionalidade utilizado para impedir que ações do poder público violem princípios fundamentais da Constituição Federal, servindo como salvaguarda de direitos essenciais quando não há outro recurso judicial aplicável.
Segundo o comunicado, o procurador-geral de Justiça, Antonio José Campos Moreira, mantém contato direto com as equipes periciais e monitora de forma contínua a situação desde o início dos trabalhos.
A escalada da violência e a dimensão da tragédia levaram o governo federal a reagir também pela via dos direitos humanos. A ministra Macaé Evaristo determinou o envio de equipes para prestar atendimento psicossocial e proteção a testemunhas, com foco especial em crianças e familiares das vítimas. Ela também anunciou que o governo vai encomendar uma perícia independente para analisar os corpos das pessoas mortas na operação.
Em entrevista coletiva após visitar as comunidades, Macaé classificou a ação policial como “um fracasso, uma tragédia, um horror inominável”. A ministra criticou ainda a falta de políticas públicas básicas nas favelas: “Tem uma questão da segurança pública, mas segurança é direito de toda a população. Não adianta segurança se não tiver associada a políticas públicas de saúde e educação”.
A comitiva do governo federal incluiu os deputados Benedita da Silva (PT-RJ), Reimont (PT-RJ) — presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara —, Glauber Braga (Psol-RJ) e Otoni de Paula (MDB-RJ).
Na quarta-feira (29), o Ministério Público Federal (MPF) também havia solicitado acesso aos protocolos do IML, pedindo a descrição detalhada das lesões externas e internas, os registros radiográficos, croquis das trajetórias dos projéteis e fotografias das lesões e características individualizantes das vítimas.
A expectativa das instituições é que a apuração sobre a operação — a mais letal da história do Rio de Janeiro — seja conduzida com controle externo e perícia independente, para garantir a integridade das provas e a responsabilização dos agentes envolvidos.
Fonte: https://horadopovo.com.br/impedida-de-acompanhar-necropsias-da-chacina-de-castro-defensoria-quer-apuracao-independente/
