O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) caminha para encerrar o atual mandato com a menor inflação acumulada em um período de quatro anos desde 1999, quando o país passou a adotar o regime de metas para preços, referência para a política monetária do Banco Central.
De acordo com cálculo do economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), feito a pedido da Folha de S.Paulo, a inflação acumulada até o fim do governo Lula 3 pode chegar a 19,11%. Se confirmada, será a menor marca em um mandato presidencial em mais de duas décadas e meia.
Desde a adoção do regime de metas, o recorde anterior também pertencia ao petista. No segundo mandato, entre 2006 e 2010, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou 22,21%.
Descompasso entre os números e o sentimento popular
Apesar do desempenho positivo, o alívio nos índices oficiais ainda não se reflete integralmente no bolso dos brasileiros. Pesquisas recentes mostram que o custo de vida continua sendo uma das principais preocupações da população.
Segundo André Braz, a diferença entre o índice geral e a percepção das famílias se explica pelo peso maior de alguns produtos na rotina doméstica. “Os salários dos trabalhadores são corrigidos pela inflação, então, se a picanha sobe igual ao IPCA, por exemplo, isso não é um problema, porque o seu salário vai acompanhar”, diz.
No entanto, o economista ressalta que nem sempre a correção acompanha a alta dos preços. “O que acontece é que às vezes a carne sobe 20% e o seu salário sobe 4%. Então, um item de primeira necessidade subir 20% significa que você vai comer menos carne, substituir por ovo, comer menos vezes na semana, comprar uma quantidade menor. Então você vai perder qualidade de vida”, complementa.
Uma pesquisa Datafolha de abril mostrou que 54% dos entrevistados atribuem ao governo Lula a responsabilidade pelo aumento dos preços dos alimentos. O dado acende um alerta entre integrantes da equipe de comunicação do Planalto, que veem na percepção popular um desafio para a campanha de 2026.
Governo aposta em medidas de renda
Para auxiliares de Lula, essa discrepância tende a ser suavizada por políticas de transferência de renda e de alívio tributário. Entre os exemplos, estão o Gás para Todos e a proposta de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000, ainda em tramitação no Congresso.
Esses assessores lembram que a desaceleração da inflação não significa necessariamente queda nos preços. “Os efeitos positivos dos indicadores econômicos demoram a chegar à ponta, e a população continua sentindo o peso dos gastos essenciais”, diz um interlocutor.
Promessa da picanha e o desafio do poder de compra
Durante a campanha de 2022, Lula afirmou que as famílias voltariam a “comer picanha e tomar uma cervejinha” nos fins de semana, símbolo de sua promessa de retomada do consumo popular. Em 2023, os preços das carnes caíram até agosto, mas voltaram a subir a partir de setembro.
Dados do IBGE mostram que, em dezembro de 2024, a “inflação da picanha” atingiu 8,74%, acima do IPCA cheio, de 4,83%. Em 2022, a situação era inversa: enquanto o índice geral fechou o ano em 5,79%, a alta da picanha foi de apenas 0,49%.
Haddad celebra desempenho e Lula bate o próprio recorde
A possibilidade de Lula terminar o mandato com o menor acumulado inflacionário da era das metas virou motivo de comemoração no governo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem destacando publicamente o resultado em eventos oficiais.
“O senhor [Lula] vai terminar o terceiro mandato com a menor inflação acumulada da história do Brasil. O mais importante é que o senhor está batendo esse próprio recorde. Porque antes desse mandato, o senhor já tinha batido esse recorde no segundo mandato”, afirmou Haddad durante o lançamento do programa Reforma Casa Brasil.
Regime de metas e estabilidade de preços
Criado em 1999, o sistema de metas para inflação define o alvo anual a ser perseguido pelo Banco Central por meio da taxa de juros. À época, o limite foi fixado em 8% ao ano. Desde então, a meta tem sido gradualmente reduzida, e atualmente o objetivo central é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Para a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Angelo, mesmo uma inflação baixa impacta o cotidiano das famílias. “É você chegar no mercado com R$ 100 e não conseguir comprar o que a sua cesta de consumo precisa”, explica.
Ela lembra que o índice oficial é uma média nacional e nem sempre reflete as variações regionais ou o peso de determinados produtos na renda familiar. “Os preços estão crescendo, mas crescendo em ritmo um pouco mais devagar”, diz.
A combinação entre inflação controlada e renda em expansão é vista pelo Planalto como o cenário ideal para o início da campanha eleitoral de 2026. No entanto, especialistas alertam que a melhora dos indicadores precisa se converter em percepção concreta de alívio para o consumidor.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/governo-lula-deve-encerrar-mandato-com-a-menor-inflacao-acumulada-desde-1999/
