O Brasil reduziu o número de domicílios em insegurança alimentar, mas a fome segue desigual. Enquanto a Região Sul apresenta os melhores índices de segurança alimentar, Norte e Nordeste seguem concentrando as maiores taxas de privação de alimentos.
Segundo o módulo Segurança Alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o número de pessoas que vivem em lares com insegurança alimentar grave — ou seja, que enfrentam a fome diariamente — caiu 23,5% em 2024, em relação a 2023.
Em termos absolutos, 2 milhões de brasileiros deixaram a fome no período de um ano, passando de 8,47 milhões para 6,48 milhões de pessoas. De acordo com o IBGE, o país alcançou o menor nível de insegurança alimentar moderada ou grave desde 2004, ano em que o levantamento começou.
Ainda assim, o problema atinge 2,5 milhões de famílias em diferentes graus. A proporção de domicílios em alguma situação de insegurança caiu de 27,6% para 24,2%. O número de lares em segurança alimentar aumentou de 72,4% para 75,8%.
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Os dados mostram que o Sul do Brasil mantém os melhores indicadores nacionais, com 13,5% dos domicílios em insegurança alimentar. Santa Catarina lidera o ranking, com apenas 9,4% dos lares enfrentando restrição de acesso à comida, seguida por Rio Grande do Sul (14,8%) e Paraná (15,3%).
De acordo com o IBGE, essa vantagem regional se explica por fatores como maior renda média, estrutura produtiva diversificada e menor vulnerabilidade social. A região também apresenta índices mais baixos de insegurança alimentar grave, com apenas 1,7% dos domicílios em situação de fome — o menor do país.
Em números absolutos, o Sul reúne 1,6 milhão de lares em insegurança alimentar. Apesar de representar uma fatia pequena, o dado mostra que a fome ainda existe mesmo em regiões de maior desenvolvimento econômico.
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Na outra ponta, o Norte do país continua sendo a região mais afetada. Mais de um terço dos lares (37,7%) enfrenta algum grau de insegurança alimentar — o índice mais alto entre todas as regiões brasileiras. No Nordeste, a proporção é semelhante, alcançando 34,8% dos domicílios.
A diferença entre as regiões é ainda mais marcante quando se considera a fome extrema. No Norte, 6,3% dos domicílios estão em insegurança alimentar grave — quase quatro vezes mais que no Sul, onde o índice é de 1,7%. Já o Centro-Oeste e o Sudeste registraram taxas menores, de 20,5% e 19,6%, respectivamente.
Em números absolutos, o Nordeste é a região com maior número de famílias afetadas: 7,2 milhões de domicílios. Em seguida aparecem o Sudeste (6,6 milhões), o Norte (2,2 milhões), o Sul (1,6 milhão) e o Centro-Oeste (1,3 milhão).
Agricultura familiar e políticas integradas contribuem para que Santa Catarina tenha o melhor índice de segurança alimentar do país. (Foto: Helena Marquardt/Governo de Santa Catarina)Santa Catarina fortalece políticas integradas e agricultura familiar
O estado de Santa Catarina ocupa a liderança nacional em segurança alimentar. Segundo a coordenadora de Segurança Alimentar e Nutricional do estado, Juliana Rocha Pires, o bom desempenho é fruto da articulação de políticas nas áreas da educação, saúde, assistência social e agricultura, aliada à menor taxa de desemprego do país. Esses fatores, de acordo com ela, propiciam renda estável e alimentação de qualidade para as famílias.
A coordenadora observa que o estado se destaca pela produção agrícola diversificada e pelo incentivo à agricultura familiar e orgânica, com programas voltados à distribuição de sementes, à redução do uso de pesticidas e ao fortalecimento da economia rural. Essa base produtiva abastece tanto o mercado interno quanto programas públicos de assistência alimentar, reforçando a sustentabilidade do sistema.
Entre as principais iniciativas está o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra produtos de pequenos produtores para abastecer escolas, Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e entidades socioassistenciais. Em 2024, o programa movimentou R$ 10 milhões e envolveu 1.470 produtores familiares. Neste ano, passou a priorizar populações indígenas em situação de vulnerabilidade, com R$ 3 milhões em execução.
Segundo Pires, o estado acompanha o risco de insegurança alimentar por meio do Indicador de Risco de Insegurança Alimentar Grave (CadInsan), que utiliza dados do Cadastro Único para identificar territórios vulneráveis e aprimorar políticas públicas. O foco é preservar os avanços e ampliar o alcance das ações, consolidando o direito das famílias a uma alimentação adequada e permanente.
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Vizinho a Santa Catarina, o Rio Grande do Sul alcançou o menor índice de insegurança alimentar de sua história no ano passado. Segundo o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Beto Fantinel, a criação da pasta e do Departamento de Segurança Alimentar e Combate à Fome (DSA) foram decisivos para estruturar e fortalecer as políticas públicas.
Desde 2023, mais de 149 mil cestas básicas foram distribuídas a famílias em vulnerabilidade. Parte delas é feita com produtos da agricultura familiar, dentro do “Movimento Rio Grande Contra a Fome”. Entre as ações consideradas de impacto está o “Devolve ICMS”, programa que devolve parte do imposto sobre o consumo às famílias de baixa renda.
No Paraná, programas como o “Mais Merenda” e o Banco de Alimentos Comida Boa ampliam o acesso à alimentação saudável e combatem o desperdício. (Foto: Thiago Kaue/Governo de Santa Catarina)“A cada R$ 1 de ICMS pago sobre alimentos, o governo devolve até R$ 15 para famílias com renda de até um salário mínimo, ampliando o poder de compra e o acesso à alimentação”, destaca Fantinel. O estado também reconheceu 338 Pontos Populares de Segurança Alimentar. As iniciativas comunitárias produzem refeições e desenvolvem agricultura urbana, atendendo cerca de 300 mil pessoas por mês.
Outra ação recente pelo governo estadual foi o programa “Prato Gaúcho”, com anúncio de R$ 20 milhões a serem destinados à implantação e custeio de cozinhas comunitárias em municípios afetados pelas chuvas. Apesar dos avanços, cerca de 1,7 milhão de gaúchos ainda vivem algum grau de insegurança alimentar. Para reduzir esse número, o governo trabalha em ações integradas e programas de inclusão socioprodutiva, como o “Família Gaúcha”, que promete acompanhar 10 mil famílias em situação de pobreza e extrema pobreza por dois anos.
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Reafirmando o protagonismo do Sul no combate à fome, o Paraná também avançou de 82,1% em 2023 para 84,7% em segurança alimentar, nos últimos dois anos. Para o estado, o resultado é reflexo do trabalho da Câmara Governamental Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan-PR).
Segundo o secretário da Agricultura e do Abastecimento (Seab), Márcio Nunes, a articulação entre secretarias tem sido essencial. O estado lidera em adesões ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), com 352 municípios integrados — 23% do total do país.
O Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (2024–2027), com 83 metas e 170 ações, reforça o combate à fome e na promoção de sistemas agroalimentares sustentáveis. Entre os desafios, Nunes cita o desperdício de alimentos, a baixa diversidade alimentar e os impactos das mudanças climáticas.
“Fortalecer a agricultura sustentável, diversificar culturas e reduzir o desperdício são caminhos”, elenca ele. Entre os destaques, o Banco de Alimentos Comida Boa distribui 5,8 milhões de quilos de alimentos por mês a 410 entidades, atendendo 108 mil pessoas.
De acordo com a chefe do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional da Seab, Márcia Cristina Stolarski, o programa “Mais Merenda” inclui três refeições diárias nas escolas estaduais e monitora o estado nutricional dos alunos.
Já o “Compra Direta Paraná”, que investe R$ 207,6 milhões em cinco anos, compra alimentos de 188 cooperativas da agricultura familiar e beneficia 400 mil pessoas em todos os municípios. Outros programas, como o “Cartão Comida Boa”, o “Leite das Crianças” e o “Coopera Paraná”, somam R$ 1,18 bilhão em investimentos estaduais e federais.
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Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/estados-onde-menos-se-passa-fome-estao-no-sul-norte-concentra-inseguranca-alimentar/
