O texto a seguir tem o objetivo de contribuir para a discussão, pós XVI Congresso do PCdoB, sobre a importância crucial que a luta contra a dependência do capital estrangeiro tem historicamente para a revolução brasileira. Em síntese, a importância que a questão nacional tem para a vida econômica, política e cultural do nosso povo.
O texto procura reunir extratos dos mais significativos estudos sobre a atual fase de desenvolvimento do capitalismo nacional.
I Sobre os cartéis
Lenin, em seu livro O imperialismo, etapa superior do capitalismo previu o esgotamento da livre concorrência e a monopolização da economia.Para o líder da revolução russa, “os cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento etc. Repartem os mercados de vendas. Fixam a quantidade de produtos a fabricar. Estabelecem os preços, distribuem os lucros entre as diferentes empresas etc”.
“As relações de dominação e a violência ligada a essa dominação, eis o que é típico da fase mais recente do desenvolvimento do capitalismo, eis o que inevitavelmente tinha de derivar, e derivou, da constituição de monopólios econômicos e todo-poderosos”.
“O monopólio abre caminho em toda parte, valendo-se de todos os meios, desde pagamento de uma modéstia indenização até o recurso americano do emprego da dinamite contra o concorrente”.
II Sobre o capital financeiro
Capitalista coletivo e a subordinação dos monopólios aos bancos
Para Lenin “os capitalistas dispersos acabam por constituir um capitalista coletivo. Ao movimentar contas correntes de vários capitalistas, o banco realiza, aparentemente, uma operação puramente técnica, unicamente auxiliar. Mas quando esta operação cresce até atingir proporções gigantescas, resulta que um punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e industriais de toda a sociedade capitalista, colocando-se em condições – por meio de suas relações bancárias, das contas correntes e de outras operações financeiras -, primeiro de conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas, após controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a ampliação ou a restrição do crédito, facilitando ou dificultando e, finalmente, decidir inteiramente sobre o seu destino, determinar sua rentabilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e em grandes proporções etc”.
A exportação de capitais e controle do mercado
Segundo o revolucionário soviético, nos países atrasados “o lucro é, em geral, elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e o salário relativamente baixos, e as matérias-primas baratas. A possibilidade da exportação de capitais é determinada pelo fato de uma série de países atrasados já terem sido incorporados na circulação do capitalismo mundial”.
III Estado Colonial
O golpe de 1964 retrocedeu o estado brasileiro para um estado colonial. O Brasil passa a seguir as cartilhas do imperialismo…
Em depoimento chocante, Kurt Rudolf, industrial que sofreu na própria pele as manobras de um cartel internacional, não se limita ao testemunho pessoal. Investiga, em profundidade, os problemas que as grandes corporações estrangeiras geraram na economia brasileira em seu livro A ditadura dos Cartéis, quando o Estado brasileiro regrediu para um estado colonial.
1 – Consul: “Quando Wittich Freitag, da Consul, aos 66 anos, decidiu equivocadamente, fabricar compressores de frio para geladeiras, item de apreciável peso na pauta de importações brasileiras, o BNDE (na época não tinha o “S”) pediu-lhe, para eventual concessão de recursos necessários à execução do projeto de interesse nacional, vastas garantias pessoais, incluindo o habitual aval dos familiares. O Conselho Interministerial de Preços, por sua vez, no afã de controlar a inflação, resolveu limitar os preços e os lucros da empresa Consul, cobiçada pelo cartel internacional da indústria eletroeletrônica.
Assim, acuado diante da opção habitual, ou seja, entre a falência ou alienação, o velho empresário, cansado, decidiu entregar sua empresa à Philips, garantindo o emprego de seus 2.300 funcionários. O governo brasileiro, então, vetou a venda do controle do empreendimento a empresa estrangeira.
2 – Denunciou a elite colonizada: “Mas não só os americanos criaram dificuldades para a instalação de Volta Redonda. Mesmo eminente brasileiro, como doutor Eugênio Gudin considerava um absurdo que o Brasil construísse uma usina para produzir 100 mil toneladas de aço, quando não havia mercado interno para tanto”.
3 – A aristocracia operária: “Evidente a quem tem um gigantesco super lucro (visto ser obtido para além do lucro que os capitalistas extraem aos operários do seu próprio país) permite subornar a dirigentes operários e a camada superior da aristocracia operária. Os capitalistas dos países avançados subornam-nos efetivamente e fazem-no de mil e uma maneiras diretas e indiretas, abertas e ocultas. Essa camada de operários aburguesados ou de aristocracia operária, inteiramente pequenos burgueses pelo gênero de vida, pelo serviço dele por toda a sua concepção de mundo, constitui hoje em dia o principal apoio social não militar da burguesia” (dos países centrais).
4 – A sabotagem: “A Firestone, fábrica de pneus, condenada por abuso de poder econômico, investiu no Brasil 4,1 milhões de dólares e expatriou 50,2 milhões de dólares, que certamente poderiam ter sido economizados, houvesse apoio ao desenvolvimento da Fábrica de Pneus Brasil, falida há anos”.
5 – Equipamentos elétricos transformadores e equipamentos hospitalares: “Os exemplos de substituição de produtos brasileiros por equipamentos importados são muitos. Em 1975 uma revista especializada, a Electrical Week, anunciou nos Estados Unidos que a General Elétric resolvera fechar sua fábrica de grandes transformadores no Brasil, justamente numa época de elevada demanda do mercado interno e, após o aniquilamento das indústrias locais por meio de procedimentos predatórios, realizando verdadeira operação de dumping contra produtores médios brasileiros que, de fato, sucumbiram, deixando limpa a área à atuação da Philips e suas associadas. Siemens e a Philips fecharam em 1975 sua fábrica de equipamentos hospitalares e disjuntores elétricos”.
6 – Fertilizantes: A fim de habituar o lavrador brasileiro desde já ao uso de fertilizantes, foi fornecido ao Brasil, a partir de 1968, adubo a custos marginais.“Em 1973 os preços de fertilizantes de modo geral quadruplicaram. O produto da venda de 10 sacos de arroz, ou duas sacas de café, ou nove sacos de soja, ou 20 sacos de milho era o bastante para pagar uma tonelada fertilizante. Os nossos fazendeiros, em 1974, tiveram que dispor de 20 sacos de arroz, ou quatro sacos de café, ou 20 sacos de soja, ou 36 sacos de milho para que pudessem comprar a mesma quantidade de fertilizantes. O exagerado aumento dos preços dos fertilizantes não deixou de ter consequências, houve queda acentuada de consumo com reflexo inevitáveis sobre a produção agrícola futura e, a fim de compensar o preço elevado de fertilizantes, o governo brasileiro resolveu, em janeiro de 1975, conceder uma subvenção de 40% nos preços dos fertilizantes”.
7 – Navios: “Gerente e vendedores de corporações possuem normalmente participação nos lucros, existindo, pois, forte incentivo monetário a eliminação de concorrentes por meio de sabotagem industrial. Uma companhia de navegação pesqueira da Alemanha que ousou a desafiar o cartel do pescado, do qual, entre outras, participa a firma Unilever, sofreu acidentes bastante graves que culminaram no afundamento do navio de pesca Teutônia a bordo do qual desconhecidos tinham danificados válvulas de água de refrigeração”.
IV A resistência da burguesia nacional
Para Kurt Rudolf, “resistir ao controle das corporações multinacionais e dos cartéis se impõe, não só por razões do desenvolvimento econômico, da justiça social, mas também pelo bem da liberdade individual de cada homem”. Ressalta alguns exemplos:
1 – “A Siemens, adquirindo a empresa Schorch, resolveu parar a produção nacional enquanto o país importava vagões da Iugoslávia e da Romênia. A fábrica Nacional de Vagões operava com 30% de sua capacidade, passando a brindar clientes com chuveiros que mostravam sua linha principal de produção: autopeças”.
2 – “O presidente da federação e do centro de indústrias do Estado de São Paulo, Antônio Davisati, em discurso pronunciado em Sorocaba, em maio de 1956, dizia: criou-se uma verdadeira discriminação contra a indústria Nacional, pois, em virtude dos altos ágios, torna-se quase impossível a renovação de suas maquinarias, resulta na prática a impossibilidade, dentro do regime cambial da indústria Nacional promover a renovação de sua maquinaria”.
3 – “O presidente da ABDIB (Associação Brasileira da Indústria de Base), engenheiro Cláudio Bardell, foi mais claro em conversa com repórteres. Indagado sobre o que significava aceitar as condições do Banco Mundial, ele respondeu: todas as concorrências serão abertas às empresas estrangeiras, que vão ficar com grande parte, e como os repórteres perguntassem por que o Brasil aceitou essas condições do Banco Mundial, respondeu: porque é um país pouco inteligente”.
4 – “Em 1966, a Mescli, vendo reconhecidos seus esforços de criação de tecnologia própria, recebeu da Petrobras um contrato para fabricação de 22 turbinas com capacidade de até 2.000 cavalos.
Instrução confidencial do governo federal, enviada a todas as corporações estatais, recomendando contratação de equipamentos somente com quem possuísse now how do exterior, fez a Petrobras, após ter recebido uma proposta para fabricação de turbinas estrangeira (Rateaul do Brasil), cancelar contrato com a Mescli, que, melancolicamente foi à falência”.
V Brasil verde e amarelo
De Getúlio, João Goulart, da Petrobrás, da CLT, da industrialização, do salário mínimo decente, dos sindicatos, da Carta Testamento, do pensamento nacional desenvolvimentista
O Brasil, a partir da revolução de 30, durante 50 anos, cresceu, em média, 7% ao ano. Foi o país que mais cresceu no mundo. O crescimento acelerado foi germinado nas crises do imperialismo.
Segundo o historiador Nelson Werneck Sodré “a pressão externa, que não cessa de avultar, sofre, porém, três pausas pouco intervaladas: a guerra mundial de 1914 a 1918, a crise de 1929 e a guerra mundial de 1939 a 1945. Essas três pausas permitem a estrutura Nacional de produção dar três saltos e, mais do que isso, altera fundamentalmente a fisionomia econômica do país, que permitiram a capitalização nacional e o transitório desafogo e que se fortaleceu para enfrentar as pressões inexoráveis que se sucederam a cada uma. Essa capitalização operou-se particularmente pela possibilidade de montar um parque industrial de substituição de importações com todos os reflexos que tal industrialização espontaneamente acarreta, pela possibilidade de transferir recursos de um campo para outro”.
VI A ideologia desenvolvimentista
Por Álvaro Vieira Pinto, em “Pensamento nacional-desenvolvimentista”: “A indústria estrangeira é sempre indústria estrangeira. Na verdade, essa industrialização não constitui sinal de nossa expansão, mas da expansão estrangeira sobre nós. Não caracteriza o nosso próprio desenvolvimento, mas o desenvolvimento dos outros em nossa terra”.
“O próprio da colônia é não possuir consciência autêntica, é ser objeto do pensamento de outrem. Sem ideologia do desenvolvimento não há desenvolvimento nacional. A ideologia do desenvolvimento tem necessariamente de ser fenômeno de massa”.
VII Romper com a dependência
Cláudio Campos, no Informe ao 3º Congresso do MR8, afirmou que “no Brasil de hoje, a questão nacional é exatamente o cerne e o centro da questão democrática”. Cláudio considerou que “o principal entrave ao desenvolvimento das forças produtivas do Brasil de hoje não é o caráter capitalista das nossas relações de produção, é o caráter dependente dessas relações: é essa dependência o que é preciso, centralmente, romper agora”, disse.
Segundo o então dirigente do MR8, “não há, em termos históricos gerais, outro caminho para o avanço em direção ao socialismo que não seja através do desenvolvimento do capitalismo. Por outro lado, o fato de estarmos diante de uma revolução que se coloca dentro dos marcos burgueses, não significa de forma alguma que a classe operária deva inibir-se à margem da luta”, concluiu.
CARLOS PEREIRA
Fonte: https://horadopovo.com.br/de-como-os-carteis-internacionais-destruiram-a-promissora-industria-brasileira/
