Artista deixa legado que vai de “Vapor Barato” à trilha do Cinema Novo
O músico e compositor Jards Macalé morreu nesta segunda-feira (17), aos 82 anos, no Rio de Janeiro. Internado para tratar um enfisema pulmonar em um hospital da Barra da Tijuca, ele sofreu uma parada cardíaca pela manhã e não resistiu. A notícia foi divulgada através de uma nota publicada nas redes sociais do artista.
“Jards Macalé nos deixou hoje. Chegou a acordar de uma cirurgia cantando ‘Meu Nome é Gal’, com toda a energia e bom humor que sempre teve. Cante, cante, cante. É assim que sempre lembraremos do nosso mestre, professor e farol de liberdade”, dizia o texto.
Nascido na Tijuca e criado entre o samba do Morro da Formiga e a música erudita, Macalé era a síntese da pluralidade carioca. Seu apelido, que se tornou nome artístico, nasceu na juventude, em uma brincadeira de amigos que o comparavam ao pior jogador do Botafogo na época – ele mesmo admitia sua falta de talento com a bola.
Sua carreira, no entanto, foi definida por um talento musical singular e irredutível. Estreando nos anos 1960, rapidamente se aproximou de figuras centrais da música brasileira, como Vinícius de Moraes e Maria Bethânia, da qual foi diretor musical.
Jards Macalé teve um papel fundamental no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, no início de sua carreira, atuando como violonista e arranjador nas produções do grupo em meados da década de 1960.
Embora não integrante oficial do grupo tropicalista, Macalé era um de seus pilares sonoros. Sua colaboração mais célebre foi como diretor musical e violonista do álbum “Transa” (1972), de Caetano Veloso, gravado no exílio em Londres. Sobre a experiência, lembrou: “É uma saudade da sua terra, da língua, do seu jeito de ser, do seu povo. Estar fora do país se sentindo obrigado [a isso], a saudade é muito diferente”.
Sua postura libertária e sua obra fora dos padrões comerciais lhe renderam o rótulo de “maldito”, uma pecha que ele carregou com orgulho. “Eu achava formidável. Porque eu me sentia do lado de Baudelaire, de Rimbaud, dos poetas malditos. Pô, maior valor. Maravilhoso”, disse.
Essa mesma postura o levou a organizar, em 1973, o emblemático show “O Banquete dos Mendigos” no MAM do Rio. O evento, que marcava os 25 anos da Declaração dos Direitos Humanos, reuniu nomes como Chico Buarque, Gal Costa e Raul Seixas sob cerco policial. “Eles não baixaram a porrada na gente porque era a ONU”, contou.
Sua obra é inclui samba, rock, música contemporânea e trilhas para o Cinema Novo, com trabalhos para Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade e Glauber Rocha. Autor de clássicos atemporais como “Vapor Barato”, “Movimento dos Barcos” e “Mal Secreto”, Macalé manteve-se produtivo e reverenciado até o fim, tendo lançado o aclamado “Besta Fera” em 2019.
Sobre seu temperamento, definiu-se com humor: “Dizem que eu sou rebelde. Que nada, eu sou um doce de coco. Eu só não posso ser contrariado. É só isso. E tem mais, eu só faço o que quero. Tocar meu violão sossegado, fazer minha música sossegada… Como diz o Tim Maia, o que eu quero é sossego”.
Em 2019, seu álbum Besta Fera foi indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de MPB e considerado um dos 25 melhores álbuns brasileiros do primeiro semestre de 2019 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
A APCA também escolheu seu álbum Coração Bifurcado como um dos 50 melhores álbuns brasileiros de 2023 e a colaboração Mascarada: Zé Kéti com o Sérgio Krakopwski, como um dos 50 melhores álbuns de 2024.
AMOR É UM GESTO POLÍTICO
O presidente Lula lamentou a partida do amigo Jards Macalé. Em publicação no seu perfil nas redes sociais, Lula destacou que “Jards Macalé dizia que o amor é um gesto político”.
A Funarte também divulgou nota lamentando a partida do artista e se solidarizou “com familiares, amigos, admiradores e todas as gerações admiradoras desse mestre”.
“Irreverente, corajoso e avesso às ordens da indústria da música, enfrentou com sua música a repressão política da ditadura civil-militar e seguiu ecoando a liberdade em sua existência. Filiou-se à estética tropicalista, criando uma marca na narrativa da MPB. Recebeu da crítica o rótulo de “maldito” ou “anjo torto”, que, segundo o próprio Macalé, revela a incompreensão de sua obra e a resistência do mercado à sua produção. A despeito disso, ressaem ao público o seu talento vibrante, a singularidade de suas interpretações, o seu violão rítmico e a sua coerência”, destacou.
Fonte: https://horadopovo.com.br/morre-no-rio-aos-82-anos-o-musico-e-compositor-jards-macale/
