19 de novembro de 2025
esquerda vai brigar por votos de Boulos
Compartilhe:

Aliados históricos no cenário nacional e em diversas regiões do país, os dois principais partidos da esquerda brasileira estão na iminência de entrar em rota de colisão em meio à preparação para as eleições 2026 em São Paulo, estado que é o principal colégio eleitoral do país. Com a ida do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) para o governo do presidente Lula — onde assumiu como ministro da Secretaria-Geral da Presidência, posto próximo ao presidente no Palácio do Planalto — PT e PSOL devem se digladiar pelo espólio eleitoral do parlamentar pelas vagas em disputa na Câmara dos Deputados.

Boulos foi o deputado federal eleito mais votado por São Paulo nas eleições de 2022, quando teve pouco mais de um milhão de votos, conforme resultado final do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apesar de ainda não ser oficial, de acordo com integrantes da direção do PSOL em São Paulo ouvidas pela Gazeta do Povo, o deputado já teria comunicado que não pretende disputar a reeleição no ano que vem. 

A ideia de Boulos é ficar no governo federal até o final do atual mandato, no ano que vem, e engajar-se na campanha de reeleição de Lula. Caso a aposta se confirme, ele teria mais quatro de ministério pela frente antes de pensar em disputar novas eleições. 

Pelo lado do PSOL, a concorrente mais forte até agora é a deputada federal Erika Hilton, que ganhou visibilidade ao longo do mandato na Câmara dos Deputados com a campanha pela redução e fim da jornada de trabalho com escala 6×1. A expectativa da sigla de esquerda é que ela aumente sua votação nas eleições 2026 pelo estado de São Paulo. Em 2022, Erika Hilton conquistou 256.903 votos.

Outro nome apontado dentro do partido como tendo boas chances de reeleição e de herdar parte do espólio eleitoral de Boulos em São Paulo é a deputada federal Sâmia Bomfim, apesar de ter feito um mandato mais apagado.

Dirigentes da sigla no estado apontam que ela ainda passa por um momento muito difícil desde o assassinato do irmão dela no Rio de Janeiro. O médico Diego Ralf Bomfim, de 35 anos, foi morto a tiros em um quiosque na Barra da Tijuca em outubro de 2023 junto com dois colegas, após um deles ter sido confundido por milicianos com a liderança de um bando rival. 

VEJA TAMBÉM:

  • “Campeão de leilões”, Ratinho Junior vende perfil desenvolvimentista mirando 2026

PT aposta em José Dirceu para herdar votos de Boulos após STF anular condenações

No PT, a aposta é em nomes tradicionais da sigla e bastante conhecidos dos eleitores, com menos espaço para “novidades”. O deputado federal Rui Falcão (PT), petista mais votado nas eleições para a Câmara em 2022, com 193.990 votos, é nome certo para disputar a reeleição. 

Outro petista histórico que deve tentar voltar à Câmara dos Deputados após 20 anos de ter o mandato cassado na mesma casa legislativa — em 2005 em meio ao escândalo do Mensalão — é o ex-ministro e ex-deputado federal José Dirceu (PT). Em 2013, ele foi condenado a sete anos e 11 meses de prisão no Mensalão, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu a pena em 2016. 

No mesmo ano, José Dirceu foi condenado pelo então juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR) a 23 anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Na sentença, Moro apontou o ex-chefe da Casa Civil durante o início do primeiro governo Lula como beneficiário de R$ 15 milhões em propinas pagas pela empreiteira Engevix, em troca de cinco contratos de obras da Petrobras.

Em maio de 2017, Moro condenou Dirceu pela segunda vez pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. No final do ano passado, no entanto, o ministro Gilmar Mendes, do STF, anulou todas as penas decorrentes da operação Lava Jato contra o petista. Com isso, José Dirceu deixou de ser ficha suja e está desimpedido para concorrer em uma eleição pela primeira vez em mais de uma década.

VEJA TAMBÉM:

  • André Vargas PT Lava Jato

    Primeiro condenado da Lava Jato mira eleição em 2026 pelo PT

Esquerda busca puxadores de voto

Tanto PT quanto PSOL buscam nomes considerados como bons puxadores de votos, na tentativa de capturar o maior número de eleitores no vácuo de Boulos. Por causa do coeficiente eleitoral, quanto mais votos tiver um deputado, mais gente do próprio partido ou federação ele consegue “puxar” para o Congresso junto.

Boulos, por exemplo, conseguiu se eleger e “puxar” mais três colegas de legenda para o Congresso nas últimas eleições, com o total de 1.001.472 de votos que obteve. “A nomeação de Boulos para a Secretaria-Geral o coloca no coração do governo e o transforma no ‘ministro da mobilização social’ de Lula com agenda, microfone e rede de entregas federais na rua”, afirma o cientista político Samuel de Oliveira.

“Isso amplia sua projeção nacional, mas cria um vácuo competitivo em São Paulo para as eleições 2026, onde PT e PSOL sempre se sobrepuseram no eleitorado progressista urbano central e metropolitano”, acrescenta ele.

O PT, principalmente o paulista, nunca concedeu espaço político para outros aliados, sempre querendo impor preferência.

Samuel de Oliveira, cientista político

Na avaliação de Oliveira, ao “federalizar” Boulos, Lula fortalece um aliado, de um lado, enquanto de outro abre uma disputa pelo voto do psolista nas eleições 2026 em São Paulo com uma brecha para os petistas. “Para o PT, a leitura pragmática é simples: com Boulos ministro, o Planalto volta a falar diretamente com movimentos e periferias paulistas por dentro do Estado, ao mesmo tempo em que os diretórios petistas locais ganham ar para reorganizar palanques próprios”, diz o cientista político. 

O risco para Lula e o PT é o “crescimento por cooptação” sair do controle: o PT abre a porta para reocupar a capital e o estado de São Paulo, mas pode estar alimentando um concorrente direto no pós-2026. “E o PT, principalmente o paulista, nunca concedeu espaço político para outros aliados, sempre querendo impor preferência aos aliados. O resultado sempre foi ruim para eles nas eleições em São Paulo por conta, também, dessa atitude institucionalizada”, afirma Oliveira. 

Do ponto de vista do PSOL, por outro lado, alcançar uma cadeira de ministro é um salto de status e de recursos políticos. “Mas com um preço: sem Boulos na arena local, o partido corre o risco de ver parte das suas redes migrarem pragmaticamente para o PT em disputas proporcionais e para alianças com a federação petista em majoritárias. A única forma de o PSOL evitar canibalização é converter a vitrine federal em entregas tangíveis e, sobretudo, blindar núcleos militantes e comunitários que foram a base da sua ascensão em São Paulo, que sempre foi o nicho e foco do PSOL”, avalia o cientista político. 

Na análise dele, a ida de Boulos ao Planalto também é um “mecanismo de arbitragem“: Lula puxa o aliado para perto, organiza a esquerda sob o guarda-chuva do governo e controla, de cima, a disputa PT×PSOL no maior colégio eleitoral. “Se o PSOL crescer demais em São Paulo, o Planalto enquadra pela coordenação; se fraquejar, o PT reocupa terreno com a máquina”, diz o cientista político.

“Nesse arranjo, Boulos vira ativo duplo: projeta o governo entre movimentos sociais e serve de válvula para reduzir atritos públicos entre PT e PSOL, sem impedir a competição por bases. Em suma: o governo ganha; quem tiver melhor máquina e entrega concreta leva o espólio do psolismo paulista”, acrescenta ele. 

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/sao-paulo/boulos-sai-de-cena-pt-psol-disputa-votos-esquerda-paulista-jose-dirceu-camara-eleicoes-2026/