O advogado Erik Moraes, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA e militante do MNU (Movimento Negro Unificado), conversou conosco na Rádio do Imparcial (que pode ser vista no canal do Youtube do jornal), e abordamos dia da Consciência Negra, racismo, preconceito, movimento negro como um todo. Ao afirmar que “o Brasil é racista, o Maranhão é racista”, Moraes chama atenção para a persistência do racismo estrutural no país e, em particular, no estado. Um relatório do IMESC (Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos) aponta que a população “negra” (pretos + pardos) no Maranhão chega a 79%.
Reconhecer o racismo presente no Brasil é reconhecer também a sua natureza estrutural: ele não se limita a ofensas individuais ou comportamentos isolados. Segundo o advogado, o racismo no Brasil ultrapassa episódios isolados de discriminação e se manifesta de forma sistemática em áreas como educação, saúde, segurança pública e acesso à justiça. Especialistas em relações raciais apontam que indicadores sociais reforçam essa percepção: a população negra continua sendo a mais afetada pela violência, pela pobreza e pela falta de oportunidades.
No Maranhão, realidade marcada por profundas desigualdades sociais, essa estrutura se manifesta de maneira ainda mais aguda. O estado, de forte presença afrodescendente, carrega cicatrizes históricas da escravidão e da marginalização, refletidas na distribuição de renda, na ocupação de cargos de liderança e na representação política. A afirmação de que “o Maranhão é racista” chama atenção justamente para o contraste entre a identidade cultural fortemente negra e indígena e a permanência de práticas sociais que continuam a excluir, desvalorizar e subalternizar esses mesmos grupos.
Consciência Negra
“Num contexto é a forma como a gente conseguiu enfrentar todo um período escravocrata, enfrentar depois políticas de morte, estar presente hoje na sociedade para explicar que a consciência racial precisa atingir negros que ainda não entenderam que os nossos antepassados vieram da África sequestrados, e também as pessoas brancas que por vezes estão aqui ainda se valendo dos seus privilégios, valorando ainda questões que já deviam ter sido encerradas numa sociedade”.
“Como a violência racial do cotidiano do negro. As pessoas costumam me perguntar: ‘Você já sofreu racismo?’. Sofro todo dia. Porque muita coisa o campo jurídico não consegue abraçar. O direito não abraça tudo. Então, esse racismo que às vezes vem disfarçado de impaciência pela falta de amizades, pela falta de amores, pela falta de afeto, pela falta de carinho, aquele racismo no Brasil, que é muito silencioso que se disfarça, às vezes de humor, de piada, de sentimento. Tudo isso ainda é muito presente no nosso cotidiano. Lógico, que não tem como comparar a criança negra que viveu na década de 1960, 70, 80… a gente já avançou muitas etapas. Mas o racismo é uma ferramenta tecnológica de poder, ele se moderniza de uma maneira muito dinâmica, então a gente tem. Tem que estar sempre consciente de que a abolição não foi inacabada. Então, a gente não tem dono de universidade negro; a gente não tem dono de TV negro; a gente não tem milionário negro no Brasil… A gente precisa ainda alcançar muitos postos de protagonismo que até agora ainda estão lacrados para a população negra.”
Num contexto é a forma como a gente conseguiu enfrentar todo um período escravocrata, enfrentar depois políticas de morte, estar presente hoje na sociedade para explicar que a consciência racial precisa atingir negros que ainda não entenderam que os nossos antepassados vieram da África sequestrados
Tokenização
“Temos, no momento, uma onda muito forte de tokenização (prática superficial de inclusão que usa uma ou poucas pessoas negras como “símbolos” de diversidade para dar a aparência de igualdade, sem promover mudanças estruturais reais). É aquilo que Luther King falava lá na década de 1960, que e as pessoas iriam colocar negros em postos para dizer que não existia racismo, ou até mesmo para ter ideias contrárias aos princípios do movimento negro, ou mesmo para se julgar – um termo que eu tenho o pânico – o negro de exceção. ‘Eu venci pela meritocracia, todo mundo pode, se eu consegui todos os outros negros também podem conseguir…Então, é preciso que a gente fique atento, pois a questão do racismo é diária. É uma construção que deve ser coletiva, e isso a gente não consegue fazer hoje em dia, principalmente, aqui no estado do Maranhão, porque pra você ter ideia, a gente está num estado que tem mais de 80% de negros e a secretaria de Igualdade Racial é extraordinária. Ou seja, ela não tem orçamento próprio desde a sua inauguração. Como os governantes não conseguem entender que essa situação não é uma situação extraordinária? Ela não é só para o mês de novembro. Ela também não é uma coisa pontual, que acontecesse de uma hora para outra. É esse o sentido de extraordinário. Não, não é isso. A situação do negro é de quase 400 anos de escravização.”

O racismo na infância
“Escolhi trabalhar com Direitos Humanos por uma questão pontual muito forte. Isso já vinha sendo construído. Eu sou filho de um homem negro, retinto, com uma mulher branca, que é minha mãe. E desde sempre eu via essa questão. Das famílias uma muito negra, outra muito branca. Aquelas piadas: ‘negro não suja na entrada, suja na saída. Então eu consegui identificar que também ia acontecer comigo. Pela falta de amizade, pela falta de companheirismo… E aí, eu fui percebendo esse recorte até que um determinado momento eu fui abordado por uma segurança no supermercado muito grande que existe no Rio de Janeiro. Meu pai é policial federal foi lotado no Rio de Janeiro, morávamos lá. E era uma época que no Rio de Janeiro as crianças ainda iam andando para colégio. A gente se reunia e atravessava por esse supermercado que interligava os bairros Vila Izabel e Tijuca, que era onde eu morava. Até que um dia, o segurança me abordou, pegou minha mochila, viu uma bala aberta, disse que eu tinha roubado aquela bala. Eu consegui ligar para o meu pai. E eu falo que lá foi o choro que eu tive mais forte da minha vida porque dentro do supermercado eu tive meus livros quase destruídos, chutados, eu tinha muito carinho com meus livros. Meus livros ali sendo todos amassados. Fui levado para uma sala, quase agredido violentado, eu tinha 11 anos de idade. Era 1992. Consegui ligar para o meu pai e falei o ocorrido. A Polícia Federal é o órgão responsável pelo setor de licença dessas empresas de segurança privadas e lá, meu pai identificou que essa empresa não estava nem legalizada. Então, meu pai chegou lá, fez primeiro a prisão do rapaz, que afirmou categoricamente que não me viu roubar, só viu a bala aberta, mas já associa minha cor ao fato de eu ser um ladrão. A gente sai o negro da escravização, de bom cidadão, da pessoa que cuidava do filho da pessoa, cuidava da casa, cuidava, da alimentação, do leite, do pão do café da manhã, para ser considerado um marginal, alguém que está ali incomodando. Que precisa ser expulso, exterminado de maneira muito, muito perene.”
Maranhão Racista
“O primeiro negro presidente da Comissão de Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados do Brasil em 89 anos de existência. O Maranhão é muito racista. O Brasil é muito racista. O Maranhão é extremamente racista. A gente consegue fazer o recorte pela questão da pobreza, né? Então, nós temos os índices mais baixos socioeconômicos, os índices sociais que colocam uma pequena burguesia praticamente dominante no estado. Então, essa sobreposição de você se achar melhor, se achar mais educado, se veste melhor, se impõe como uma forma de você impor essa superioridade na sociedade. Ao invés da gente ter um equilíbrio aqui, a gente tem uma burguesia no meio de muitos pobres, e essa burguesia não pode se misturar. Essa falsa democracia racial, que sempre foi cultuada aqui no Brasil, ela esbarra, ela dá choque nesses momentos onde o negro vai precisar de um apoio, vai precisar de um socorro, o cobertor do poder judiciário, de uma assistência do estado, e aí, tem a diferença, né? A gente percebe que a Polícia Militar está sempre fazendo uma patrulha muito ostensiva, hipervigilância no retorno da Cidade Operária, e ela não consegue repetir isso aqui no retorno da Península.”
O Maranhão é muito racista. O Brasil é muito racista. O Maranhão é extremamente racista

A identificação do racismo
“Isso é muito difícil, Patrícia. Às vezes eu estou tomando banho, e lembro: ‘meu Deus, sofri racismo, naquela determinada situação’. O que acontece é uma violência tão grave. Eu falo que o racismo, é o crime da alma, porque essa violência psicológica é muito recente que ela foi considerada. Ela dói aqui na alma. Só que esse impacto é tão forte, tão violento que, por exemplo: Eu tenho que estar concentrado para poder defender o meu cliente, para poder levar o leite para os meus filhos em casa, para poder manter minha família. Então, quando o delegado pede a minha carteira da OAB, e não pede do meu colega branco, as pessoas falam assim militante, não descansa. A gente tem que descansar, porque se a gente tiver aquela reação ali, a gente se desconcentra e nem consegue exercer nossa profissão e nem consegue depois ser referência para poder atuar na militância desse movimento social. Então, a questão do nosso cotidiano ser muito violento, ainda implica nessas micro violências, que por vezes vão adoecendo a gente”.

Às vezes eu estou tomando banho, e lembro: ‘meu Deus, sofri racismo, naquela determinada situação
Movimento Negro
O Movimento Negro Unificado nasce na década de 1970 em São Paulo, ele é o maior movimento negro unificado da América Latina. Aqui no Maranhão, junto com outros movimentos que a gente tem aqui como o CCN (Centro de Cultura Negra), o ACONERUQ (Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), MOQUIBOM (Movimento Quilombola do Maranhão)… o Maranhão, é muito importante que a gente paute, é referência nessa organização de movimento negro, com diversos outros nomes, principalmente ali, naquela região de Itapecuru.
É muito engraçado, que é a região onde o nosso maior símbolo, que é o negro Cosme, foi assassinado dali parece que brotou uma semente e que saiu referência para diversos outros lugares.
É muito importante que a gente paute, porque muita gente não sabe, mas a alcunha quilombo, quando chegou na constituição de 1988, é a construção do movimento negro do Maranhão. As pessoas no Brasil já tinham abolido esse termo. E daí, é através dos quilombolas do Maranhão, que há uma reinvindicação e que entra na constituição. Comunidades remanescentes de quilombo, uma construção do movimento negro do Maranhão, que é referência para todo o Brasil.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/11/dia-da-consciencia-negra-o-brasil-e-racista-o-maranhao-e-racista/
