25 de novembro de 2025
O tímido avanço do ensino da história afro-brasileira no Maranhão
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Mais de vinte anos depois da promulgação da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira nas escolas brasileiras, a presença efetiva desse conteúdo nas salas de aula do Maranhão ainda é desigual. Onde há trabalho consistente, ele surge quase sempre de iniciativas individuais e não de uma política de rede que garanta continuidade à educação racial no estado.

“Muitos professores ainda não conhecem, outros pensam que a aplicação é apenas nas disciplinas de História e Artes”, explica a professora Claudicéa Alves Durans, do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), doutora em Políticas Públicas, que pesquisou a lei em sua tese.

Para Claudicéa, a aplicação da norma “ainda é um processo lento” e costuma ficar restrita a momentos específicos do ano. “A maioria das escolas trabalha com a temática racial apenas no mês de novembro, especialmente no Dia da Consciência Negra.”

A docente identifica dois entraves recorrentes: falta de recursos e de formação docente. “As escolas precisam de livros, materiais complementares e, sobretudo, capacitar professores para atuar com a história da África e dos afro-brasileiros, um conteúdo que historicamente foi invisibilizado no currículo escolar”, afirma. Sem uma formação continuada, ela alerta, o tema tende a voltar ao lugar-comum — tratado de forma esporádica e estereotipada.

No IFMA, Claudicéa tenta levar a discussão além da teoria. “Ministro disciplinas de educação racial e políticas inclusivas, portanto, tenho o privilégio de tratar temas como a origem do racismo, a ocupação de territórios africanos, asiáticos e americanos para expropriar esses povos, escravizar e explorar pessoas, além de impor a cultura europeia como centro do mundo.”

Ela cita também ações práticas:

“Tenho atuado em um projeto de extensão no bairro Liberdade, propondo elevar a autoestima de crianças e jovens quilombolas e inserindo nesse projeto alunos bolsistas do IFMA.”

Entre os futuros professores, no entanto, a percepção é de que a ponte entre universidade e sala de aula ainda não se consolidou. Carlos Manoel Santos Castro, 22 anos, estudante do 7º período de licenciatura em História na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), reconhece os avanços legais, mas aponta limitações na formação prática. “Temos leis que amparam o ensino da história afro-brasileira, o que é um avanço gigantesco. O problema é que, na prática, esse conhecimento acaba encaixotado em uma ou duas disciplinas. Em vez de ser a espinha dorsal da nossa formação, vira um capítulo à parte. Saímos com a teoria, sabemos da importância, mas sem as ferramentas de como levar a complexidade da cultura africana para uma sala de aula com 30 adolescentes, por exemplo.”

Carlos observa que essa lacuna se reflete diretamente nas escolas:

“Quando o professor não tem preparo aprofundado, ele cai no lugar-comum. Essa generalização apaga a diversidade absurda que existe no Brasil e, pior, passa uma mensagem perigosa para os alunos: a de que essa cultura não é tão importante quanto as outras. Ela fica à margem. A escola, que deveria ser um espaço de desconstrução, acaba reforçando o preconceito.”

A visão de quem vive a rotina escolar confirma a falta de regularidade no tratamento do tema. Ravi Ruben, 13 anos, aluno do 8º ano, resume: “Algumas vezes, mas não detalham muito.” Questionado sobre o que aprendeu da diáspora africana, ele responde: “Sobre a história deles, todas as lutas e opressões que passaram, e mesmo assim conseguiram resistir, além de muitos outros desafios.” Para Ravi, estudar a história e a cultura negra é importante, mas o assunto aparece apenas em períodos específicos.

As aulas acontecem mais em algumas datas comemorativas mesmo, pois é assim que está no livro didático.

Entre as figuras que gostaria de conhecer melhor, ele cita Michelle Obama: “Além de ser a primeira mulher negra a ocupar o cargo de primeira-dama dos Estados Unidos, também foi uma advogada muito influente, lutando por várias causas sociais.”

As falas da professora, do futuro docente e do estudante da rede básica desenham um quadro nítido: a lei representa o reconhecimento institucional da importância do tema, mas, na prática, o ensino da cultura afro-brasileira sobrevive de esforços isolados. Faltam, nas palavras dos entrevistados, “recursos materiais”, “capacitação docente” e o compromisso coletivo de tornar a educação racial um pilar permanente do currículo escolar. Enquanto isso não ocorrer de maneira sistemática, a história e a cultura afro-brasileira continuarão aparecendo de forma caricata, restritas a feriados e datas simbólicas, em vez de integrar o cotidiano das escolas.

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/11/o-timido-avanco-do-ensino-da-historia-afro-brasileira-no-maranhao/