A derrubada, pelo Congresso Nacional, de 52 vetos do presidente Lula à nova lei de licenciamento ambiental acendeu um alerta no governo federal e, especialmente, no Ministério do Meio Ambiente. Em entrevista ao Jornal da CBN nesta segunda-feira, Marina Silva afirmou que a mudança representa “um grande risco” de retrocesso nas negociações do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, cuja assinatura está prevista para o próximo dia 20.
Segundo a ministra, toda a construção diplomática que sustentou o acordo foi feita com base na legislação anterior e nos avanços recentes da política ambiental brasileira. Para ela, a decisão dos parlamentares coloca o país em um “caos jurídico”, capaz de fragilizar compromissos assumidos internacionalmente.
“Com a derrubada desses vetos é possível que aconteçam questionamentos, porque o Parlamento Europeu ao fazer a ratificação do acordo considerava a legislação anterior e os resultados que vinham sendo alcançando na política ambiental brasileira”, disse Marina. Ela destacou que a redução do desmatamento, o processo de desintrusão de terras indígenas e o combate a queimadas e incêndios tinham sido considerados como evidências de avanço pelo bloco europeu.
Risco de retrocesso e perda de capacidade de fiscalização
A ministra argumenta que a revisão da lei retira a base legal que permitia ao Estado agir de forma eficaz contra danos ambientais. “Com o caos jurídico que nós estamos agora metidos, nós não temos, digamos, base para continuar alcançando os mesmos resultados”, afirmou.
Marina lembrou que as instituições públicas dependem de respaldo legal para atuar e que, se a nova legislação reduz salvaguardas, o impacto pode ser severo. “Se a lei tira o chão para a ação de proteção do meio ambiente, para a redução dos impactos ambientais, como desmatamento, queimada, processos de erosão, uma série de problemas, é muito difícil conseguir os mesmos resultados.”
A ministra foi categórica ao reconhecer a preocupação de que o cenário afete diretamente o acordo comercial. “Há sim uma preocupação de que isso venha a acontecer”, disse.
Vetos foram selecionados após análise técnica, diz Marina
Marina Silva ressaltou que o governo havia conduzido um processo detalhado e criterioso ao analisar mais de 300 dispositivos da lei. Apenas 63 foram vetados, considerados essenciais para preservar a integridade do licenciamento ambiental. Segundo ela, a derrubada de grande parte deles desprotege não só comunidades afetadas, mas os próprios empreendedores.
Os vetos, afirmou, garantiam “segurança jurídica, direitos de comunidades locais e também protegiam toda a parte de empreendimentos que não podem ser feitos de qualquer forma”.
A ministra disse que o governo avalia a possibilidade de judicializar a questão, mas que a decisão será tomada com base em análises técnicas e também considerando ações já protocoladas pela sociedade civil. “O governo tem respeito pela autonomia do Congresso, mas obviamente que não podemos deixar a população totalmente vulnerável.”
Eventos climáticos extremos aumentam urgência da proteção ambiental
Marina Silva destacou que a decisão do Congresso ocorre em um contexto de agravamento da crise climática, o que torna as salvaguardas ainda mais necessárias. Ela mencionou episódios recentes, como enchentes no Rio Grande do Sul, ondas de calor e até tornados registrados no Paraná.
“No momento em que a população mais precisa de proteção estão tirando todas as salvaguardas que podem proteger suas vidas e seus empreendimentos”, afirmou. Para Marina, a discussão deve ultrapassar tensões políticas entre Executivo e Legislativo.
“Temos que olhar para o problema não nessa polarização legislativa, executiva, governo, presidências das Casas. Nós temos que olhar para a população”, disse a ministra, citando tragédias como as de São Sebastião, Brumadinho e Mariana. Ela alertou para os riscos de reduzir o licenciamento a um ato unilateral. “Imagine o empreendedor, ele mesmo, para uma obra de médio impacto, vai lá e diz: ‘Está dada minha licença’. Não é assim que as coisas devem acontecer.”
Pressão internacional e impacto político interno
A derrubada dos vetos ocorre no momento em que o governo tenta consolidar a imagem do Brasil como liderança ambiental global, elemento central das negociações diplomáticas em curso. O endurecimento do Parlamento pode dificultar a construção de consensos internos e desorganizar a estratégia do país na COP30 e em futuras tratativas internacionais.
Marina reforçou que a disputa não deve ser tratada como um embate político doméstico, mas como uma decisão que afeta diretamente a vida de milhões de pessoas e pode prejudicar a inserção global do Brasil.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/marina-silva-alerta-para-risco-de-retrocesso-no-acordo-mercosul-ue-apos-derrubada-de-vetos-ambientais/
