Uma das maiores estruturas rotativas já vistas no Universo foi identificada por uma equipe internacional de astrônomos, liderada pela Universidade de Oxford. Trata-se de um filamento cósmico gigantesco, giratório e com “fio” de galáxias.
A estrutura fica a 140 milhões de anos-luz da Terra. E o achado, publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society nesta semana, amplia o mapa das formas extremas que a matéria pode assumir em grande escala.
A descoberta bate de frente com modelos clássicos de evolução galáctica. Para começar, o filamento funciona como uma espécie de rodovia cósmica, guiando o fluxo de matéria e de momentum. E o estudo sugere que estruturas desse porte influenciam a rotação das galáxias de maneira bem mais intensa (ou duradoura) do que se imaginava.
O trabalho também vira peça-chave para futuros estudos de alinhamentos intrínsecos. Esse ruído que pode contaminar medições em projetos como Euclid, da Agência Espacial Europeia (ESA), e locais como o Observatório Vera C. Rubin, no Chile.
Astrônomos revelam tamanho, estrutura interna e rotação do filamento
Filamentos cósmicos são as maiores estruturas que o Universo consegue montar. Tratam-se de fios imensos de galáxias e matéria escura que funcionam como o andaime da chamada teia cósmica.
O objeto descoberto e descrito no estudo em questão entra nessa categoria, mas com números que impressionam até quem estuda esse tipo de formação.
- O filamento tem cerca de 50 milhões de anos-luz de extensão e abriga algo próximo de 300 galáxias;
- No centro, uma subestrutura se destaca – uma fileira de 14 galáxias ricas em hidrogênio (H I), alinhadas numa faixa alongada de 5,5 milhões de anos-luz por 117 mil anos-luz.
É essa espinha dorsal que entrega a dinâmica da estrutura. As galáxias dos dois lados da fileira se movem em direções opostas, padrão claro de rotação em massa. E muitas delas giram na mesma direção que o próprio filamento.
A equipe estimou que esse “carrossel cósmico” roda a 110 km/s, com uma região central densa de raio próximo de 50 kiloparsecs (cerca de 163 mil anos-luz).
“O que torna esta estrutura excepcional não é apenas seu tamanho, mas a combinação de alinhamento de spin e movimento rotacional”, diz a pesquisadora Lyla Jung, em comunicado publicado pela Universidade de Oxford.
Se os dois termos parecem a mesma coisa, vale a distinção rápida: o alinhamento de spin fala de como o eixo das galáxias se orienta em relação ao filamento (é pura geometria). Já o movimento rotacional descreve a rotação do próprio filamento, um giro coletivo em larga escala.
A analogia usada por Lyla pode te ajudar a visualizar essa dupla dinâmica: Você pode compará-la [combinação de alinhamento de spin e movimento rotacional] ao carrossel de xícaras num parque de diversões. Cada galáxia é como uma xícara de chá giratória, mas toda a plataforma – o filamento cósmico – também está girando. Este movimento duplo nos dá uma percepção rara sobre como as galáxias ganham seu spin a partir das estruturas maiores em que vivem”.
Para chegar a essa leitura fina, o grupo recorreu a uma combinação de levantamentos profundos. Os dados principais vieram do MeerKAT, o radiotelescópio sul-africano de 64 antenas, dentro da pesquisa MIGHTEE, liderada pelo astrofísico Matt Jarvis (Oxford).
As informações foram cruzadas com observações ópticas do DESI e do SDSS, o que permitiu mapear o alinhamento e confirmar a rotação. O estudo foi coliderado pela própria Lyla Jung (Oxford) e por Madalina Tudorache (Cambridge e Oxford).
Rotação desafia teorias e reabre debate sobre surgimento e evolução de galáxias
O comportamento das galáxias dentro do filamento derruba a expectativa mais básica dos modelos atuais: o spin não deveria ser tão organizado.

Em vez da bagunça prevista pelos modelos, o que aparece ali é um alinhamento excepcionalmente forte. O eixo de rotação das galáxias aponta na mesma direção do filamento e essa coerência é bem maior do que qualquer simulação consegue reproduzir hoje.
Essa ordem inesperada traz uma pista: o filamento parece jovem e dinamicamente frio. Em astronomia, isso significa uma estrutura pouco perturbada, com baixa movimentação interna e muitas galáxias ricas em hidrogênio, a matéria-prima da formação estelar.
Quando uma galáxia guarda bastante hidrogênio, é sinal de que reúne ou retém combustível para formar estrelas. É uma janela aberta para fases iniciais da evolução.
Nas palavras de Madalina Tudorache: “Este filamento é um registro fóssil de fluxos cósmicos. Nos ajuda a montar como as galáxias adquirem seu spin e crescem ao longo do tempo.”
Nesse ambiente ainda “cru”, a rotação do filamento dita o ritmo: transfere momento angular, canaliza gás pelo filamento de matéria escura e, ao fazer isso, coage o spin das galáxias.
É um cenário que bate com a Teoria do Torque de Maré (TTT). Segundo ela, proto-filamentos ganham rotação a partir de assimetrias no campo gravitacional, o que forma estruturas alongadas que giram como corpos únicos.
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Para a cosmologia observacional, o achado da pesquisa tem impacto direto. Alinhamentos tão fortes podem virar um problema para estudos de lente fraca, por exemplo.
Por que? Bem, para começar, eles dependem de detectar pequenas distorções na forma das galáxias causadas pela gravidade da matéria escura ao longo do caminho da luz.
Então, se galáxias já nascem alinhadas com estruturas de primeiro plano, esse padrão pode criar correlações artificiais e contaminar as medições.
Por isso, entender esse processo é crucial para missões como Euclid, da ESA, e locais como o Observatório Vera C. Rubin (LSST). Em última instância, esse filamento pode revelar que o Universo gira em padrões que só agora começamos a enxergar.
O post O ‘carrossel cósmico’ que desafia o que entendemos sobre o Universo apareceu primeiro em Olhar Digital.
Fonte: https://olhardigital.com.br/2025/12/05/ciencia-e-espaco/o-carrossel-cosmico-que-desafia-o-que-entendemos-sobre-o-universo/
