O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), junto a Defensoria Pública questionaram a decisão dos deputados estaduais de Santa Catarina, que aprovaram um projeto de lei que extingue as cotas raciais na universidade estadual e instituições de ensino que recebem dinheiro do governo.
Desde antes da apreciação na Assembleia Legislativa, na quarta-feira (10), a proposta foi alvo de questionamento sobre a constitucionalidade da medida, que ainda precisa da sanção do governador Jorginho Mello (PL). Entidades como o MPSC e a Defensoria Pública questionam a validade da medida, assim como a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), principal afetada caso a legislação seja validada.
A última sessão do ano na Assembleia Legislativa também foi marcada pela aprovação de um pacote com mais de 60 projetos, incluindo aumento de gratificação para parte dos parlamentares, criação de novos cargos e autorização para instalação de câmeras dentro das salas de aula.
As universidades que descumprirem a lei poderão pagar multa de R$ 100 mil por edital e perder verbas públicas. O texto proíbe a reserva de vagas com base em critérios raciais. Continuam permitidas cotas para pessoas com deficiência, estudantes de escolas públicas e critérios econômicos.
O fim das cotas raciais deve atingir estudantes da Udesc, instituições do sistema da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe) e faculdades privadas que recebem bolsas do programa Universidade Gratuita e do Fundo de Apoio à Educação Superior (Fumdesc). A medida não afeta universidades federais, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), nem institutos federais.
Em nota, a gestão da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) se pronunciou manifestando “profunda preocupação e discordância”.
A Udesc ainda diz que “está avaliando o texto aprovado e verificando os impactos nos processos em andamento na universidade, caso seja sancionado pelo governador” e que “se coloca à disposição para compartilhar dados, experiências e evidências que sustentam a importância das ações afirmativas como mecanismos legítimos de combate às desigualdades e promoção da inclusão”.
“Há relevantes fundamentos que podem indicar a inconstitucionalidade da proposta aprovada na Alesc diante da legislação federal vigente, como a Lei nº 12.711/2012 que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu expressamente a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa com critérios étnico-raciais”, diz a nota.
Entidades de ensino federais manifestaram repúdio ao Projeto de Lei nº 753/2025. Em nota compartilhada nas redes sociais, elas informaram que a medida é considerada um retrocesso por especialistas e movimentos sociais, pois pode ampliar desigualdades e limitar o acesso de grupos historicamente excluídos à universidade.
“Sua sanção significaria institucionalizar um retrocesso histórico, reafirmando desigualdades inaceitáveis e negando a milhares de jovens o direito a uma educação superior inclusiva e plural. Reafirmamos nosso compromisso com a luta contra o preconceito e a discriminação e seguiremos defendendo políticas de inclusão e equidade racial, pilares indispensáveis para o futuro democrático do país. Não aceitaremos retrocessos”, disse a nota.
O deputado Fabiano da Luz (PT) criticou a aprovação do projeto e afirmou que a proposta “envergonha Santa Catarina”. Ele informou que o projeto será alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) por violar princípios constitucionais, invadir competência da União e representar retrocesso social.
Para o parlamentar, a universidade pública deve refletir diversidade e justiça social, o que considera um dever do Estado. Ele também criticou a meritocracia.
“Cotas não são privilégios, são instrumentos para corrigir desigualdades históricas. Não começamos do mesmo lugar e não temos as mesmas oportunidades. Não existe mérito onde não existem condições iguais de partida”, afirmou.
A deputada Paulinha (Podemos) criticou duramente o projeto, afirmando que a medida representa um retrocesso e ignora a realidade da população negra. Ela pediu que os colegas deixem de lado disputas ideológicas e pensem nas pessoas: “Parem um pouquinho de pensar em esquerda e direita e pensem nas pessoas.”
Para a parlamentar, o sistema de cotas, criado em 2012, é fruto de uma luta histórica contra a invisibilidade e ainda se faz necessário. Ela destacou que homens e mulheres negras não têm as mesmas oportunidades e que negar isso é desonroso.
“Olhem à volta de vocês. Quantos homens e mulheres pretas estão nesse plenário? Se ignorarmos o acesso à universidade, eles nunca estarão aqui. Pretos só estão chegando às universidades porque a lei de cotas existe”, concluiu.
A professora e vice-reitora da UFSC, Joana Célia dos Passos, explica que as cotas são uma política pública voltada não só para reparar desigualdades sociais, sejam elas raciais, relacionadas a deficiência ou gênero, mas também para tornar as instituições tão diversas quanto a sociedade brasileira.
Segundo Joana, essas medidas são fundamentais não apenas para reparar desigualdades, mas também para tornar as instituições tão diversas quanto a sociedade brasileira.
“Você chega em uma assembleia legislativa e você vê onde estão as pessoas negras, certamente servindo café, trabalhando nos serviços gerais da assembleia e na UFSC não é diferente. O que altera isso na universidade é que estes mesmos que servem podem estar nas vagas estudando em uma universidade pública de qualidade”, concluiu.
Fonte: https://horadopovo.com.br/ministerio-publico-repudia-decisao-de-deputados-de-acabar-com-cotas-raciais-em-santa-catarina/
