28 de dezembro de 2025
Em reação ao protecionismo de Trump, Canadá e Mercosul miram
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O Canadá e o Mercosul trabalham para concluir um acordo de livre comércio até o fim de 2026, em um cenário internacional marcado pelo recrudescimento do protecionismo dos Estados Unidos e pela busca de novos parceiros comerciais. Segundo informa a Folha de S. Paulo, as negociações foram retomadas em outubro, após anos de paralisação, e ganharam força diante de tarifas adotadas por Washington que atingiram tanto o Canadá quanto países do bloco sul-americano, especialmente o Brasil.

A movimentação ocorre em um contexto de incertezas no comércio global, no qual países tentam reduzir a dependência do mercado estadunidense e ampliar o intercâmbio com outras regiões. Segundo autoridades envolvidas nas conversas, a meta é chegar a um tratado viável em prazo relativamente curto, ainda que o acordo não seja totalmente abrangente.

Retomada de um diálogo iniciado em 2018

O processo de negociação entre Canadá e Mercosul começou em 2018, durante o primeiro mandato de Donald Trump, quando Ottawa enfrentou tensões comerciais semelhantes às atuais. As conversas avançaram por alguns anos, mas foram interrompidas em 2021 em meio aos impactos da pandemia de Covid-19 sobre a economia global e as agendas diplomáticas.

A retomada em 2025 reflete, segundo fontes diplomáticas, uma leitura compartilhada de que o ambiente internacional voltou a exigir maior coordenação entre parceiros fora do eixo Estados Unidos–Europa. O ministro de Comércio Internacional do Canadá, Maninder Sidhu, confirmou publicamente o objetivo de concluir o acordo no próximo ano.

“Junto com nossos parceiros, estamos trabalhando ativamente para concluir essas negociações no próximo ano”, disse Sidhu, durante visita a Brasília em agosto.

Outros dois funcionários de países envolvidos nas tratativas, ouvidos pelo Financial Times, reforçaram que há consenso político para acelerar o processo.

Peso econômico do Mercosul e relação com o Canadá

O Mercosul reúne Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com a Bolívia em processo de adesão como membro pleno. O bloco concentra grandes produtores de commodities agrícolas e minerais, com destaque para soja, petróleo bruto, minério de ferro e carne bovina, que figuram entre seus principais produtos de exportação.

Dentro do Mercosul, o Brasil é o principal parceiro comercial do Canadá. O comércio bilateral de mercadorias entre os dois países somou US$ 12,7 bilhões em 2024. Ainda assim, esse valor representa apenas uma fração dos mais de US$ 760 bilhões movimentados anualmente no comércio de bens entre Canadá e Estados Unidos, o que evidencia o grau de dependência histórica de Ottawa em relação ao mercado dos EUA.

Tarifas dos EUA e busca por diversificação

A política comercial “América primeiro”, adotada por Trump, é apontada por autoridades como um dos principais fatores por trás da revitalização das negociações entre Canadá e Mercosul. Ottawa foi alvo de tarifas rigorosas em setores transfronteiriços altamente integrados, como madeira serrada, aço, alumínio e indústria automobilística.

O Brasil também sentiu os efeitos da postura dos EUA. Em 2025, Washington impôs um imposto de importação de 50% sobre produtos brasileiros, medida que posteriormente foi revertida para diversos alimentos, mas que deixou marcas na relação comercial.

A ministra da Indústria do Canadá, Mélanie Joly, afirmou ao Financial Times que o país busca ativamente novos acordos comerciais como forma de reduzir a dependência dos Estados Unidos.

“Temos muitos desses acordos que são bons no papel, mas nossas empresas não estão necessariamente exportando para essas diferentes jurisdições, esses diferentes mercados, então precisamos fazer mais disso”, disse.

Ceticismo e desafios das negociações

Apesar do impulso político, analistas veem obstáculos no caminho de um acordo Canadá–Mercosul. Um dos principais entraves é a sobreposição das pautas de exportação, já que ambos competem em mercados globais com produtos primários semelhantes.

Barry Appleton, advogado especializado em comércio internacional sediado em Toronto, avalia que o Canadá tem sido lento em aproveitar oportunidades na América Latina. “Um dos problemas é que o Mercosul e o Canadá competem para comercializar muitos dos mesmos produtos primários nos mercados globais”, afirmou.

Além disso, negociações comerciais desse porte costumam se estender por anos, especialmente quando envolvem temas sensíveis como agricultura, subsídios e regras de defesa comercial.

Tarifa zero e negociações técnicas em andamento

Segundo uma pessoa diretamente envolvida nas discussões, o objetivo central é estabelecer tarifa zero para a maioria dos bens comercializados entre as partes. Desde uma reunião entre os principais negociadores em outubro, grupos de trabalho passaram a tratar de temas específicos, como tarifas, pequenas e médias empresas e mecanismos antidumping.

“Há uma videoconferência quase todos os dias”, disse o funcionário, sob condição de anonimato, acrescentando que encontros presenciais devem ocorrer no início de 2026. Outro negociador resumiu a estratégia: “A prioridade é conseguir algo viável rapidamente. Não precisa ser abrangente”.

Contexto internacional e acordo com a União Europeia

O esforço do Mercosul para avançar com o Canadá ocorre em paralelo a outras frentes. O acordo de livre comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia, aguardado há anos, deveria ter sido finalizado em dezembro, mas foi novamente adiado após protestos de agricultores europeus. Bruxelas informou que espera assinar o tratado em janeiro.

Se concretizado, o acordo com o Canadá ampliaria o alcance internacional do Mercosul e reforçaria a estratégia canadense de diversificação comercial em um mundo cada vez mais fragmentado por disputas tarifárias.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/em-reacao-ao-protecionismo-de-trump-canada-e-mercosul-miram-acordo-de-livre-comercio-ate-2026/