RONALD FERREIRA DOS SANTOS
Farmacêutico M.Sc.
Ex-Presidente do Conselho Nacional de Saúde
Ex-Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos
O ano de 2026 se apresenta não como uma simples disputa eleitoral, mas como uma encruzilhada decisiva para o Brasil. No centro deste debate, para amplos setores progressistas, está o Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é compreendido muito além de uma rede de hospitais e postos; é o pilar fundamental de um novo projeto de desenvolvimento nacional, onde a garantia do direito à vida é indissociável da defesa da democracia e da soberania.
Os desafios estratégicos são profundos. O primeiro e mais crucial é derrotar a lógica que trata a saúde como mercadoria, uma visão ultraliberal que demonstrou, em crises recentes, seu potencial destrutivo. Combater a desregulamentação é imperativo, pois a flexibilização de normas, como visto em tragédias relacionadas a produtos adulterados, expõe a população aos riscos de um mercado desenfreado. A plena implementação de uma política nacional de vigilância em saúde robusta é, assim, uma questão de soberania sanitária.
Outro obstáculo é a fragmentação federativa. A experiência de outras áreas públicas mostra que, sem um sistema nacional forte e coordenado, onde União, estados e municípios atuem de forma integrada, as políticas se tornam frágeis e ineficazes. É preciso construir uma arquitetura institucional que fortaleça a gestão coletiva e coesa do SUS.
Igualmente crítica é a resistência à governança puramente tecnocrática. Substituir a participação social por decisões tomadas apenas por especialistas, sem o controle democrático da sociedade, esvazia o princípio constitucional que fundou o SUS. Não há SUS real sem democracia participativa e controle social efetivo.
Para enfrentar tais desafios, é necessário um programa de transformações estruturais. A contribuição para esse debate se organiza em torno de eixos centrais. O primeiro é a construção de um Complexo Econômico-Industrial da Saúde estratégico. A ideia é que o Brasil deixe de ser mero consumidor passivo de tecnologias e insumos estrangeiros e passe a dominar a produção de medicamentos, vacinas e equipamentos. Esta é uma frente de soberania nacional que reduz vulnerabilidades externas, gera empregos qualificados e transforma o investimento em saúde em um motor de inovação e desenvolvimento.
O segundo eixo é o financiamento. A defesa é por um compromisso firme de ampliação dos recursos públicos, com a meta de se atingir patamares internacionais adequados às necessidades da população, frequentemente simbolizados pela bandeira de 6% do PIB em recursos exclusivos para o SUS. Este financiamento robusto é a condição para garantir acesso universal, reduzir filas históricas, valorizar os profissionais e fortalecer a atenção primária, alicerce de um sistema preventivo e resolutivo.
O terceiro pilar trata da ciência como patrimônio comum. Propõe-se integrar o conhecimento científico moderno aos saberes tradicionais, orientando a pesquisa e a inovação para atender às necessidades reais do povo. É fundamental impedir que o progresso tecnológico seja sequestrado por interesses privados que, através de patentes abusivas, limitem o acesso a medicamentos e tratamentos essenciais. A ciência deve servir à vida, não apenas ao lucro.
Este projeto de saúde dialoga, ainda, com a urgência planetária. Com a crescente importância da agenda climática, é vital inserir o SUS neste debate. A concepção de um plano setorial de adaptação às mudanças do clima para a saúde prepara o sistema para enfrentar novas pandemias e desastres ambientais, unindo a vigilância em saúde ambiental à proteção dos trabalhadores e da população mais vulnerável.
Portanto, 2026 exige mais do que uma vitória eleitoral; exige a construção de uma maioria social ampla e consciente que coloque o bem-estar coletivo no centro da política. A saúde é o terreno onde se materializa concretamente o conceito de direito universal. Defender e transformar o SUS é defender a vida, o trabalho digno e a capacidade soberana da nação de determinar seu próprio destino. O horizonte é claro: vencer para transformar, garantindo que o sistema de saúde seja, de fato, um espaço de emancipação e justiça social para todos os brasileiros. A vitória nesta batalha é decisiva para que o Brasil supere seus impasses históricos e inaugure um ciclo de desenvolvimento verdadeiramente democrático e soberano.
Fonte: https://horadopovo.com.br/saude-democracia-e-soberania-o-horizonte-de-2026/
