Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estão discutindo reservadamente um ajuste no projeto de lei que impede a homologação de delação premiada de réu preso, informa a colunista Malu Gaspar, do jornal O GLOBO.
A ideia é adicionar ao texto uma cláusula dizendo que as novas regras não retroagem, ou seja, não têm efeito sobre investigações em curso.
O ajuste seria feito sob medida para não interferir nem no destino da delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, peça-chave no caso Marielle Franco, e nem na do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que deu informações implicando o ex-presidente Jair Bolsonaro no caso das joias sauditas e na fraude da carteira de vacinação, por exemplo.
De acordo com interlocutores de Lira ouvidos pela equipe da coluna, o presidente da Câmara acha que essa mexida no texto pode “desfulanizar” a discussão em torno do texto para tentar reduzir as críticas.
No último dia 16, o plenário da Casa aprovou a tramitação do projeto em regime de urgência, permitindo que ele seja votado sem passar por comissões. O autor do requerimento de urgência foi o líder do PV na Câmara, Luciano Amaral (AL), aliado de Arthur Lira.
O movimento teve repercussão negativa não só na opinião pública, mas também no Ministério Público e no próprio Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Alexandre de Moraes aproveitou a sessão que analisou a denúncia contra os acusados de mandar matar Marielle Franco para dar um recado:
– Estamos num momento de ataque ao instituto de colaboração premiada. Estamos num momento em que alguns defendem a extinção da colaboração premiada. A delação premiada é um instituto importantíssimo no combate ao crime organizado. Podemos gostar ou não do método, mas é um instituto que tem muito sucesso, e a legislação brasileira tem mecanismos para evitar abusos.
O texto de Amaral não apenas proíbe a delação no caso de um investigado preso, mas também permite que quem for alvo de acusações por uma delação feita nessas circunstâncias tenha o direito de impugnar o acordo e a sua homologação. Ou seja: dá ao delatado instrumentos para tentar derrubar na Justiça o acordo do delator, independentemente do conteúdo.
O projeto foi originalmente apresentado em 2016 pelo então deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), atual secretário nacional do consumidor. Era o auge da Operação Lava-Jato e o partido de Lula buscava meios de conter o que considerava “excessos” da operação e enquadrar os procuradores de Curitiba.
À época, Damous alegou que a colaboração premiada “pressupõe para sua validade ausência de coação, impondo uma clara liberdade do colaborador para querer contribuir com a justiça”.
Oito anos depois, o projeto enfrenta resistência entre parlamentares da base de Lula, justamente por acharem que pode beneficiar Jair Bolsonaro.
O presidente da Câmara, porém, já demonstrou que está disposto a aprovar o texto e, apesar das manifestações públicas contrárias do PT, contou com o aval do partido durante a votação simbólica que aprovou a tramitação em regime de urgência. Só o Novo foi contra a proposta. Depois que a votação já havia sido encerrada e a urgência, aprovada, parlamentares do PSOL, PCdoB, PT e PSB foram ao microfone dizer que eram contra.
“Isso (o ajuste para a lei não retroagir) é uma redução de danos, mas é equivocada a essência do projeto, que desconsidera qualquer delação premiada se a pessoa indiciada ou ré estiver presa”, critica o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), que tomou conhecimento das conversas sobre a nova cláusula.
“Ninguém deve ser preso para ser obrigado a confessar, mas ninguém deve ser proibido de confessar se estiver preso.”
A avaliação dos aliados de Arthur Lira e defensores do projeto é de que a proposta antidelação tem bem mais chances de passar do que, por exemplo, o projeto de lei que equipara o aborto após 22 semanas de gestação a homicídio, mesmo nos caso de estupro da vítima.
No caso do aborto, a reação da sociedade fez Lira recuar. Já no projeto da delação, não se espera grande reação. A estratégia é fazer mudanças no texto para evitar a acusação de que se esteja tentando beneficiar Bolsonaro e tocá-lo adiante para aprovar o mais rápido possível, de preferência antes das eleições.
A lógica por trás desse movimento é bastante pragmática e nada sutil: “A delação é um tema técnico, que não é de domínio público e não desperta paixões nas ruas”, resume uma influente liderança do Congresso. Ou seja: como o povão não entende mesmo do que se trata, fica mais fácil passar o trator.
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