Pode parecer mentira, mas quando a Terra se formou, há 4,5 bilhões de anos, as temperaturas por aqui eram bem mais altas que no Piauí. Tão altas que toda a água teria evaporado e se perdido no espaço. Então, se a Terra não conseguia retê-la, de onde será que veio toda essa água que hoje cobre dois terços do nosso planeta? Esta é apenas uma das intrigantes questões que a Missão Rosetta buscava responder quando foi enviada para estudar de perto um cometa. Mas essa missão acabou se tornando uma verdadeira odisseia espacial que nos presenteou com imagens espetaculares, além de revelar segredos surpreendentes sobre esses viajantes cósmicos e as origens do Sistema Solar.
A ideia de estudar um cometa de perto começou a tomar forma na década de 80, com a Missão Giotto. Essa missão pioneira da ESA fez um voo rasante no Cometa Halley em 1986, atravessando a cauda do cometa e enviando as primeiras imagens de perto de um núcleo cometário. O sucesso da Giotto abriu caminho para missões ainda mais ambiciosas, e em 1993, a ESA formou uma equipe com cientistas e engenheiros de todo o mundo para o desenvolvimento da Missão Rosetta. Batizada em homenagem à Pedra Rosetta, que permitiu interpretar os hieróglifos egípcios, a sonda Rosetta teria a missão de decifrar o que os cometas têm a nos dizer sobre a formação do Sistema Solar e as origens da água aqui na Terra.
A Rosetta foi lançada em março de 2004, a bordo de um foguete Ariane 5, partindo do Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa. Seu destino: o Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, um viajante gelado que orbita o Sol a cada seis anos e meio entre as órbitas de Júpiter e da Terra.
O 67P/Churyumov-Gerasimenko, ou “Cometa Patinho de Borracha” para os íntimos, não é um cometa qualquer. Com um formato peculiar que lhe rendeu este apelido, o 67P é um objeto celeste relativamente pequeno, com um pouco mais de 4 km de diâmetro, mas que guarda em si segredos valiosos sobre a composição e as condições do Sistema Solar primitivo.
Acredita-se que os cometas sejam “sobras” da formação do Sistema Solar, pedaços congelados de poeira e gelo que se preservaram praticamente intactos desde a época em que o Sol e os planetas se formaram. Ao estudar a composição química e a estrutura interna do 67P, a missão Rosetta poderia fornecer pistas importantes sobre a formação dos planetas e as origens da água na Terra.
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Mas a jornada da Rosetta até o cometa 67P não foi exatamente como um passeio no parque. Foi uma verdadeira odisseia espacial, uma jornada de dez anos que a levou por bilhões de quilômetros, atravessando o cinturão de asteroides e realizando complexas manobras de assistência gravitacional, com a Terra e com Marte para impulsionar a sonda em direção ao seu destino.
Durante sua passagem pelo Planeta Vermelho em 2005, a Rosetta fez sua manobra mais arriscada: um sobrevoo a apenas 250 km da superfície marciana passando pelo lado noturno do planeta. Durante essa manobra, a sonda precisou ser colocada em modo de hibernação, já que seus paineis solares não receberiam energia e com isso, a Rosetta ficou sem comunicação com a Terra por 15 minutos. Uma manobra tão arriscada que ficou conhecida como “A Aposta de Um Bilhão de Euros”.
Mais tarde em 2007, durante sua penúltima assistência gravitacional com a Terra, a sonda mais uma vez gerou preocupação nos astrônomos. Desta vez, não por uma manobra perigosa, mas porque a Rosetta foi erroneamente identificada como um asteroide de cerca de 20 metros que poderia atingir nosso planeta em 13 de novembro daquele ano (“asteroide” 2007 VN84). Felizmente a confusão foi desfeita antes que a “galerinha do apocalipse” pudesse gravar um vídeo anunciando mais um fim do mundo. E assim a Rosetta passou pela Terra, recebendo um valioso impulso gravitacional que a levaria até o Cometa 67P.
Mas não antes de atravessar o Cinturão Principal de Asteroides, onde visitou dois habitantes daquelas bandas, o asteroide Steins, em 2008, e Lutetia, em 2010, enviando imagens espetaculares e dados valiosos sobre esses corpos celestes primitivos. Mas o grande desafio ainda estava por vir.
Em agosto de 2014, após uma longa jornada, a Rosetta finalmente chegou ao seu destino: o cometa 67P. Desde a aproximação, as imagens enviadas pela sonda causaram surpresa e empolgaram os cientistas. O cometa 67P parecia um mundo muito mais complexo que o nome dos seus descobridores (Klim Ivanovych Churyumov e Svetlana Ivanovna Gerasimenko). Além da sua já citada forma de patinho de borracha, os cientistas descobriram no cometa, penhascos íngremes, crateras profundas, planícies poeirentas e jatos de gás e poeira que eram expelidos de sua superfície à medida que o cometa se aproximava do Sol. Este terreno surpreendentemente acidentado tornaria ainda mais desafiador a próxima fase da missão.
É que a Missão Rosetta trazia consigo um ás na manga: a sonda Philae, um módulo de pouso que seria ejetada da Rosetta e tentaria pousar na superfície do cometa 67P, um feito inédito na história da exploração espacial.
Em 12 de novembro de 2014, o mundo inteiro prendeu a respiração enquanto a Philae se separava da Rosetta e iniciava sua lenta descida em direção à superfície do cometa. O pouso, transmitido ao vivo pela ESA, foi um momento de grande emoção e também de apreensão.
Devido à baixa gravidade e à superfície um pouco mais dura e muito mais irregular do que se imaginava, a Philae acabou “quicando” no cometa algumas vezes antes de se fixar em uma área com pouca iluminação solar. Apesar dos contratempos, a Philae conseguiu realizar a maioria de seus experimentos científicos, enviando dados valiosos sobre a composição do solo do 67P antes de entrar em hibernação por falta de energia.
Ao longo de dois anos, a Rosetta orbitou o cometa 67P, acompanhando sua atividade à medida que se aproximava do Sol e, depois, se afastava novamente. A sonda coletou dados sem precedentes sobre a composição química do cometa, revelando a presença de água, dióxido de carbono, monóxido de carbono, metano, amônia e outras moléculas orgânicas complexas. Isso reforçou a ideia de que cometas são como freezers espaciais, que conservam os ingredientes que sobraram da preparação do Sistema Solar.
Já as análises da água presente no cometa Churyumov-Gerasimenko mostraram que sua composição isotópica é diferente da água encontrada nos oceanos da Terra, contrariando a teoria de que a água do nosso planeta teve origem em cometas.
Com o 67P se afastando do Sol e a energia solar diminuindo, a ESA decidiu encerrar a missão de forma espetacular. Em 30 de setembro de 2016, a sonda Rosetta realizou um pouso controlado na superfície do cometa 67P, enviando imagens de alta resolução e dados científicos até o último momento.
A Missão Rosetta marcou uma nova era na exploração espacial, demonstrando a capacidade da humanidade de alcançar e estudar objetos celestes complexos e desafiadores como os cometas. Os dados coletados pela Rosetta e pela Philae continuam a ser analisados por cientistas do mundo todo, e nos ajudam a compreender melhor as origens do Sistema Solar, da água e até mesmo da vida na Terra.
A odisseia da Rosetta, assim como a Pedra Rosetta. que lhe inspirou o nome, nos ajudou a decifrar parte da história do nosso passado e a compreender melhor o lugar que ocupamos neste vasto oceano cósmico. A missão, que uniu cientistas e engenheiros de todo o mundo, provou que a cooperação internacional e a busca pelo conhecimento são essenciais para o avanço da humanidade. Que a saga da Rosetta continue a inspirar futuras gerações a explorar o cosmos e desvendar os segredos do universo!
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