21 de setembro de 2024
Compartilhe:

A redução dos gastos públicos tornou-se o foco do debate político e econômico nos últimos dias. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou a necessidade de cortes nas despesas obrigatórias para cumprir a Lei do Arcabouço Fiscal, mas não especificou quais áreas serão afetadas.

Segundo o ministro, as medidas de contingenciamento e bloqueio serão anunciadas no dia 22 de julho, junto com a publicação do Relatório Bimestral de Receitas e Despesas pela Receita Federal. Até lá, a discussão sobre as áreas sujeitas a cortes deve se intensificar.

A Previdência Social frequentemente é um dos alvos principais. No entanto, a ideia de desvincular o piso previdenciário do salário mínimo é criticada pelo advogado e contador Álvaro Sólon de França, ex-secretário executivo do Ministério da Previdência e ex-presidente do Conselho Executivo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

Para França, o governo deveria reverter a desoneração de impostos em vez de reduzir o valor dos benefícios. “A desvinculação do salário mínimo dos benefícios previdenciários e assistenciais é um ajuste fiscal sobre a classe mais pobre. Vamos aumentar a pobreza e a desigualdade social no Brasil.”

França, que está escrevendo seu terceiro livro sobre a Previdência Social, disse à Agência Brasil que os benefícios previdenciários e assistenciais não são destinados à poupança ou ao mercado financeiro. “Eles vão diretamente para o consumo, melhorando a qualidade de vida.”

O especialista destaca que, em média, cada beneficiário recebe R$ 1.744 e que oito em cada dez benefícios pagos pela Previdência Social têm o valor de um salário mínimo. Assim, a desvinculação do mínimo teria um efeito recessivo e poderia reduzir a arrecadação de tributos sobre o consumo desses beneficiários, gerando um desequilíbrio fiscal.

Outro impacto seria nas finanças de 4.101 municípios – 73% das 5.568 cidades brasileiras – onde os recursos da Previdência Social superam os repasses do Tesouro Nacional ao Fundo de Participação dos Municípios.

Um artigo de economistas da Universidade Federal de Minas Gerais, publicado em março na revista Pesquisa e Planejamento Econômico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também alerta para os possíveis efeitos sociais do corte de benefícios.

O texto analisa a versão original da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, que estabelecia o pagamento do benefício de prestação continuada (BPC) a partir dos 60 anos, mas com valor de R$ 400. O valor de um salário mínimo (então R$ 998) só seria pago aos 70 anos, como ainda está em vigor.

Os autores – Débora Cardoso, Edson Paulo Domingues, Luís Eduardo Afonso e Guilherme Cardoso – concluem que o corte nos pagamentos do BPC proposto seria altamente regressivo, impactando fortemente as famílias de menor renda.

Quanto a pensões e aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social, eventuais cortes podem ser “positivos, ou menos negativos”, dependendo do destino do dinheiro poupado, se, por exemplo, for adotada uma suposição de resposta mais forte do investimento. O artigo defende, no entanto, que cortes em benefícios de servidores ativos e aposentados inscritos em regimes próprios de previdência social teriam “caráter progressivo” e diminuiriam a desigualdade.

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, em tramitação no Congresso Nacional, prevê que o Regime Geral de Previdência Social terá arrecadação de R$ 709,1 bilhões, enquanto o pagamento de benefícios previdenciários será de R$ 980,9 bilhões, resultando em um déficit de R$ 271,8 bilhões, impactando o resultado primário das contas públicas.

De acordo com a estimativa do PLDO, o salário mínimo passará dos atuais R$ 1.412 para R$ 1.502. A diferença de R$ 90 impactará em R$ 51,2 bilhões, cerca de um quinto do déficit previdenciário, conforme nota técnica das consultorias de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

O pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) Bráulio Borges, também economista sênior da área de macroeconomia da LCA Consultores, avalia que a Previdência Social é “a principal rubrica que deve ser ‘atacada’ para restaurar o equilíbrio fiscal brasileiro.”

Em artigo recente, Borges afirma que “um elemento crucial” para conter a expansão do déficit previdenciário seria desvincular o piso previdenciário, o BPC e outros benefícios assistenciais do salário mínimo nacional.

“O salário mínimo deve ser reajustado ao longo do tempo em termos reais, refletindo ganhos de produtividade da mão de obra, mas deve regular o mercado de trabalho, ou seja, a vida de quem está participando ativamente da produção econômica. As aposentadorias e pensões deveriam ser reajustadas apenas pela inflação, mantendo o poder de compra ao longo do tempo”, afirma Borges.

No texto, o especialista ainda defende o aumento da arrecadação com a futura cobrança do Imposto Seletivo sobre produtos que impactam a saúde e o meio ambiente, e sugere que “alguns subsídios explícitos para o setor agropecuário (como equalização de juros do Plano Safra, dentre outros) poderiam ser reduzidos, uma vez que o setor já é altamente competitivo com ‘as próprias pernas’.”

Com informações da Agência Brasil.

Fonte: https://www.ocafezinho.com/2024/07/07/possiveis-cortes-na-previdencia-preocupam-especialistas/