A startup suíça de biotecnologia, AC Immune, está desenvolvendo nova forma de combater o Alzheimer. Ela já está em testes e o Brasil pode participar das pesquisas.
Trata-se da ACI-24.060, imunoterapia ativa que combate a proteína beta-amiloide, que fica acumulada no cérebro e acaba sendo um dos principais fatores que desencadeiam a doença. Pacientes com Síndrome de Down também estão sendo tratados com a terapia.
Segundo o UOL, o vice-presidente sênior de relações com investidores e comunicações da AC Immune, Gary Waanders, disse que a ACI-24.060 “ensina” o sistema imunológico a reconhecer e eliminar do corpo as partes tóxicas da beta-amiloide. Esse comportamento se assemelha ao das vacinas, que ensinam o sistema imunológico a reconhecer e expulsar patógenos infecciosos do corpo.
Waanders também explica que, da mesma forma que os imunizantes, as imunoterapias ativas são projetadas para serem seguras, com administração não invasiva e com fabricação, transporte e administração garantida pelos sistemas de saúde globais.
Já a psiquiatra e diretora de enfermarias do Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq HC-FMUSP), Tânia Ferraz Alves, pontua que a novidade é um avanço no tratamento contra o Alzheimer.
No Brasil, as medicações [para o Alzheimer] são dadas quando se faz o diagnóstico, para não haver progressão da doença. Assim, essa imunoterapia é um avanço, pois visa estimular um anticorpo da própria pessoa para combater o acúmulo de beta-amiloide.
Tânia Ferraz Alves, psiquiatra e diretora de enfermarias do Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq HC-FMUSP), em entrevista ao UOL
Fases do estudo da nova imunoterapia contra o Alzheimer
No estudo em andamento — fase 1a/2 ABATE —, com previsão de conclusão até junho de 2026, estamos recrutando participantes com doença de Alzheimer no estágio prodromal, com pequenas mudanças nas habilidades ou no comportamento e adultos com síndrome de Down.
Gary Waanders, vice-presidente sênior de relações com investidores e comunicações da AC Immune
- No ensaio químico atual, a solução é injetada, diversas vezes, por via intramuscular, durante 12 meses;
- Contudo, os futuros testes da fase três não foram determinados, informou Waanders.
- “É possível recrutar pacientes em estágios iniciais semelhantes, mas isso ainda não foi determinado”, disse;
- Andrea Pfeifer, cofundadora e presidente da AC Immune, aponta que até o momento, a solução tem sido aplicada “sem efeitos colaterais significativos”, “qualquer inflamação, edema ou hemorragias”.
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Brasil na fase 3?
A terceira fase do experimento será conduzido pela biofarmacêutica Takeda, que tem acordo com a startup no valor de US$ 2,2 bilhões (R$ 12,07 bilhões, na conversão atual).
O Brasil poderá participar dela, que contará também participantes de Estados Unidos e países de Europa, Ásia e América Latina. “Um programa global de desenvolvimento da fase 3, geralmente, envolve muitos participantes internacionais e, devido à grande população, o Brasil seria considerado”, afirma o porta-voz da AC Immune.
À Folha de S.Paulo, Andrea Pfeifer, cofundadora e presidente da AC Immune, detalha que a fase 3 pode acontecer em 2026, ou antes, até.
É a fase quando a pesquisa se torna, definitivamente, um ensaio clínico global e deve acontecer em 2026, ou até mesmo antes disso, dependendo dos resultados deste ano. Por ser um ensaio mundial, serão centenas de países. Tenho certeza que o Brasil será considerado.
Andrea Pfeifer, cofundadora e presidente da AC Immune, em entrevista à Folha de S.Paulo
Pfeifer disse ainda que os resultados dos seis primeiros meses de testes devem ser divulgados em agosto, contudo, resultados significativos só devem aparecer após um ano.
Acreditamos que os dados do fim deste ano até início do ano que vem serão cruciais para avaliar o impacto da vacina, já que é necessário um tempo para que a resposta de anticorpos se desenvolva completamente. Se as coisas correrem bem, poderemos acelerar o ensaio clínico.
Andrea Pfeifer, cofundadora e presidente da AC Immune, em entrevista à Folha de S.Paulo
Futuramente, os pesquisadores da AC Immune esperam poder incluir biomarcadores, que indicam predisposição à doença, para identificá-la e preveni-la em pessoas de alto risco ainda quando os sintomas não tiverem se desenvolvido.
Com os biomarcadores, esperamos identificar pacientes com risco maior de desenvolver Alzheimer e, dessa forma, prevenir o início da doença por completo. Isso teria benefício enorme para a sociedade e para o mundo, porque teríamos uma vacina de prevenção global da doença.
Andrea Pfeifer, cofundadora e presidente da AC Immune, em entrevista à Folha de S.Paulo
Para Maria Carolina Tostes Pintão, head médica de pesquisa e desenvolvimento do Grupo Fleury, “a inclusão do Brasil em estudos clínicos sobre o tema é relevante, pois, havendo pesquisas em nossa população, estaremos em posição de incorporar esses tratamentos de forma precoce”.
Nossa população tem algumas características interessantes, como diversidade genética, condição socioeconômica mais baixa, quando comparada aos Estados Unidos e Europa, o que impacta o envelhecimento de forma peculiar.
Há também os fatores de risco potencialmente modificáveis, como baixa escolaridade e índices de alcoolismo e tabagismo, que afetam o envelhecimento cerebral. Existem ainda particularidades populacionais distintas entre as regiões que podem representar resultados múltiplos para o estudo.
Tânia Ferraz Alves, psiquiatra e diretora de enfermarias do Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq HC-FMUSP), em entrevista ao UOL
Alves também aponta que o Brasil tem centros especializados em Alzheimer e em envelhecimento, que têm bastante experiência clínica nos estudos de fase 3 e de alta complexidade.
De certa forma, o Brasil tem, hoje, profissionais de vanguarda na neuropsicogeriatria que atuam com envelhecimento com Alzheimer. Assim, ter a participação nesses estudos colabora com a disseminação de conhecimento
Tânia Ferraz Alves, psiquiatra e diretora de enfermarias do Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq HC-FMUSP), em entrevista ao UOL
Tostes Pintão, por sua vez, aponta haver vários avanços atualmente no estudo do Alzheimer, incluindo no diagnóstico e novos tratamentos.
Os tratamentos em estudo podem mudar a história natural da doença, ou seja, de não produzir ou não levar à neurodegeneração, como imunoterapias e anticorpos monoclonais, que estão lado a lado dos biomarcadores, que se tornam mais sensíveis e específicos para identificar precocemente as pessoas que terão a doença.
Tânia Ferraz Alves, psiquiatra e diretora de enfermarias do Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq HC-FMUSP), em entrevista ao UOL
Alves também explica que, se o diagnóstico é realizado a partir de sintomas clínicos, é possível dizer que já há lesões e alteração cerebral.
“Assim, ao se identificar as pessoas de risco e oferecer tratamento que seja eficaz, seguro, com poucos efeitos colaterais e que modifique a história da doença, teremos um envelhecimento populacional saudável e com qualidade de vida, o que se entende por envelhecimento ideal”, resume.
Brasil e a doença
Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), existem cerca de 35,6 milhões de pessoas, no mundo todo, com Alzheimer. Desses, estima-se que 996.454 sejam brasileiros, sendo que boa parte não tem diagnóstico.
Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece apenas medicações que reduzem os sintomas do Alzheimer, mas elas não evoluem há 30 anos. Os medicamentos são os anticolinesterásicos (donepezil, galantamina e rivastigmina) e a memantina.
Nos EUA, a FDA aprovou dois medicamentos que vão em cima das placas de beta-amiloide, retardando a progressão da doença: lecanemabe e aducanumabe. Em 2 de julho, a agência aprovou o donanemabe.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou não ter recebido pedido para aprovação do lecanemabe e não respondeu, à Folha, sobre as outras medicações por estarem com seus pedidos de aprovação em andamento.
Como a Anvisa não aprovou nenhum desses medicamentos, fazemos a importação, com um custo de R$ 300 mil por ano. Eles estão em estágios iniciais, mas já apresentam resultados promissores.
Rodrigo Schultz, neurologista e ex-presidente da Abraz, em entrevista à Folha de S.Paulo
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