25 de novembro de 2024
Igreja Presbiteriana consegue mudar lei, constrói megatemplo em Alto de
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No aniversário de 117 anos da Igreja Presbiteriana de Pinheiros, em julho de 2023, o reverendo Arival Dias Casimiro apresentou um projeto de expansão, com megatemplo, colégio, capela 24 horas e praça de alimentação. “Nunca uma igreja cristã, evangélica, esteve na marginal. A marginal tem tudo, mas não uma igreja pregando a Bíblia, ensinando a palavra de Deus. E vai ter”, disse.

Um empreendimento desse porte era até então proibido na região, em Alto de Pinheirosbairro nobre da zona oeste de São Paulo, em grande parte restrito a construções baixas, de até 10 metros de altura. Hoje não mais: o megatemplo passou a ser viável após mudanças na Lei de Zoneamento pleiteadas pela Igreja, com aprovação pela Câmara em dezembro e sanção pela Prefeitura em janeiro.

Ao Estadão, a gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que a mudança “buscou compatibilizar urbanisticamente o lote ao seu entorno, que apresenta características de zonas de centralidade”. Já o Legislativo afirmou não haver “impedimento técnico e legal” para a alteração. Acrescentou ter feito debate “amplo e transparente” para a revisar as normas.

A principal associação de moradores do bairro buscou o Ministério Público para tentar reverter a mudança. Ao Estadão, a Igreja disse que “só se manifestará após decisão da Justiça”. Depois de ser procurada pela reportagem, tirou do ar grande parte dos cultos transmitidos no último ano, antes disponíveis no YouTube e Facebook.

Para especialistas, a mudança pode ser considerada ilegal, pois contraria princípios gerais do zoneamento, que prevê áreas de transição entre zonas só residenciais e aquelas com prédios. Além disso, ocorreu pontualmente e endereços de características similares em diferentes regiões seguem com classificação restritiva.

Declarações em cultos sobre a necessidade de mudanças no zoneamento se repetiram especialmente ao longo de 2023. Em outubro passado, por exemplo, o pastor Arival convocou os fiéis a orarem por mudanças na lei, uma das mais importantes leis da cidade. “Se nós conseguirmos, poderemos construir aquele projeto de 13 andares aqui. São 14 mil m(²) de área construída, vamos ter um auditório para 2,7 mil pessoas. Amém”, concluiu.

Em 28 de janeiro de 2024, nove dias após a sanção, o prefeito, três então secretários municipais (Marcos Gadelho, de Urbanismo e Licenciamento; Edson Aparecido, de Governo; e Carlos Bezerra Júnior, de Assistência Social) e mais autoridades participaram de um culto na sede da igreja.

A visita estava na agenda oficial do prefeito, divulgada diariamente. Todos subiram ao púlpito e foram recebidos com hinos de gratidão. Procurada, a Prefeitura não comentou a presença de Nunes e dos secretários no culto.

Estava também um representante do vereador Isac Félix (PL), da bancada evangélica, autor da emenda que permitiu a revisão da lei para esse local. Procurado, Félix não se manifestou. O vereador havia justificado na emenda que aquela área teria características de uso, ocupação, sistema viário e relevo que possibilitaram a nova classificação, de Zona de Centralidade (ZC), um “centrinho de bairro”.

“Estamos aqui em uma jornada de gratidão. Agradecendo a Deus pelas bênçãos. Agradecendo a benção também do final do ano, da transformação do zoneamento daqui, desse local. E nós estamos com muita honra, muita alegria, recebendo autoridades aqui, inclusive nosso querido prefeito Nunes”, disse o pastor Arival. “Tudo foi feito tecnicamente, tudo foi feito corretamente, tudo foi feito conforme as leis e as argumentações técnicas”, continuou.

No culto, o prefeito também discursou. “Tem um time na Prefeitura de São Paulo que não é perfeito. Perfeito é só o Senhor, nosso Deus, mas que, com muita fé, com os princípios cristãos, está tocando essa cidade”, disse.

Casas vizinhas ao templo foram demolidas

Após a mudança no zoneamento, algumas casas vizinhas ao templo foram demolidas pela Igreja em junho deste ano. Em outro culto, o pastor Arival disse que a Igreja comprou ao menos 12 imóveis no entorno, a fim de expandir as instalações, que não mais contemplam os planos futuros e a demanda de frequentadores. A estimativa é de que o megatemplo possa custar cerca de R$ 80 milhões.

Enquanto o megatemplo deve levar ao menos dois anos de projeto e cerca de quatro de obra, segundo dito em culto, o colégio privado de uma associação ligada aos presbiterianos será aberto em 2025. A escola ficará temporariamente sediada em imóveis da Igreja naquele mesmo entorno.

Em cultos, os pastores têm destacado que será uma instituição de valores cristãos e “sem ideologia de gênero”. Na mesma quadra, o braço missionário da Igreja abriu um polo de ensino superior a distância há dois anos.

Com a mudança no zoneamento no entorno da igreja, cerca de 10 quadras de Alto de Pinheiros perdem a restrição de construção exclusivamente de imóveis baixos. A maioria da Zona Exclusivamente Residencial (ZER) do distrito segue, contudo, em vigor.

No geral, o novo tipo de zoneamento abrange trechos da Avenida Doutora Ruth Cardoso, da Avenida Professor Manuel Chaves e de adjacências. Onde antes poderiam ser construídos imóveis de até cerca de 10 metros, a mudança passou a liberar até 48 metros de altura.

A alteração também permite novos tipos de atividades não residenciais. Além disso, facilita a junção de lotes para a formação de um maior terreno, possibilitando empreendimentos de maior porte.

A Igreja Presbiteriana de Pinheiros (IPP) tem mais de 1,1 milhão de seguidores no YouTube. É a mais rica entre as integrantes da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), segundo balanço de 2023.

No último ano, essa igreja ganhou atenção no noticiário após falas do ministro do Supremo Tribunal Federal (e reverendo presbiteriano) André Mendonça em cultos. Também chamou a atenção por outro episódio, em que o pastor Arival orou contra governantes “instruídos por Satanás” para destruir os valores cristãos da nação.

Igreja tenta mudar zoneamento do entorno há anos; entenda

A Igreja Presbiteriana de Pinheiros pleiteia mudanças na sua vizinhança ao menos desde 2021, quando a Prefeitura revisava o Plano Diretor — lei que determina as diretrizes da Lei de Zoneamento. Essas são as mais importantes leis urbanísticas da cidade, responsáveis por classificar todas as vizinhanças, determinando o limite de altura de novas construções, o máximo de barulho permitido, os locais que receberão incentivos para a verticalização, as áreas de proteção ambiental etc.

Ao longo da revisão, a Igreja chegou a propor um eixo de verticalização (tipo de zoneamento que dá incentivo à construção de prédios altos) entre a Praça Panamericana e a Avenida Doutora Ruth Cardoso. Também pleiteou alterar parte do trecho da lei que impede esses eixos de verticalização onde há zona exclusivamente residencial.

Com a revisão do zoneamento na Câmara, no ano passado, Isac Félix apresentou a emenda que altera o entorno do templo. Como toda emenda, necessitou da assinatura de apoiamento de outros vereadores (oito ao todo, tanto governistas quanto de oposição).

O documento traz dois arquivos anexos, ambos com “Igreja Presbiteriana” no título, embora o conteúdo não faça menção direta ao templo religioso. A alteração foi incorporada à versão final do projeto de revisão, veiculado dois dias antes da votação (e aprovação) final. Portanto, foi votada junto com as outras mudanças no zoneamento, as quais tiveram 46 votos favoráveis, dos 55 vereadores.

Procurado pelo Estadão, o relator da revisão do zoneamento, Rodrigo Goulart (PSD), respondeu que a proposta foi incorporada ao projeto após ser apresentada por Félix e passar por avaliação técnica. Também destacou não ter relação ou contato com a Igreja Presbiteriana.

O nome do vereador não foi mencionado no culto em que os reverendos agradeceram às autoridades pela mudança. “Foi feita a avaliação técnica à época, de que não teria impeditivo, tanto que não teve veto”, afirmou.

Como seria o novo megatemplo? E por que Igreja quer construí-lo?

Segundo apresentado em culto de julho do ano passado, o megatemplo ocuparia um terreno de cerca de 5 mil m² — outra mudança recente na lei liberou empreendimentos religiosos ainda maiores na cidade. Mesmo assim, pelas grandes dimensões do projeto, há evangélicos críticos à proposta que a têm chamado de “Templo de Calvinão”, em referência ao teólogo reformista João Calvino e ao Templo de Salomão, da Igreja Universal, no Brás.

No material apresentado no culto mencionado, consta que o megatemplo terá cerca de 2,6 mil assentos na área de culto e 253 vagas de estacionamento, no subsolo. Por estar em área mapeada como de “solo mole” e pouco apta à urbanização pela carta geotécnica, a obra precisará atender a alguns pré-requisitos construtivos especiais, mas não há impeditivo de construção nesses locais.

Em um culto em 2022, o pastor Arival afirmou que a Igreja arrecadava de R$ 2 milhões a R$ 2,5 milhões por mês. “Estamos pensando estrategicamente. Compramos do outro lado, ali, e estamos comprando mais duas (casas). Estamos fechando um quarteirão, numa cabeça de ponte (Ponte da Cidade Universitária)”, disse na sequência.

Hoje, o espaço de culto não consegue comportar todos os frequentadores em alguns períodos da semana. Em 14 de julho, por exemplo, quando o Estadão visitou o espaço, parte dos fiéis assistia a um dos quatro cultos daquele dia em salas de transmissão instaladas no mesmo imóvel.

No local, há cartazes, banners e envelopes voltados a colher doações para o novo templo. Os planos da Igreja são de que, temporariamente, seja instalada uma tenda para 1,5 mil pessoas onde as casas foram recentemente demolidas.

Enquanto a obra não ocorre, o colégio presbiteriano será instalado temporariamente em imóveis da Igreja no entorno. Segundo dito em culto, a gestão será de uma associação de pais presbiterianos, sem vínculo direto com a instituição religiosa, embora tenha previsão de sediar a escola bíblica do templo nos fins de semana.

Por que mudança é considerada ilegal por parte dos especialistas?

Professora de Direito Urbanístico na FGV, Bianca Tavolari considera que o caso mostra “o uso deliberado da revisão (do zoneamento) para fins privados”. “Isso está muito claro. Ninguém está tentando esconder. Está lá o nome da Igreja Presbiteriana (no arquivo da emenda)”, diz.

Segundo ela, a apresentação de demandas por instituições e pela sociedade civil, em geral, faz parte do processo de discussão de mudanças na lei. A questão seria a forma como essa mudança ocorreu, pontualmente, em algumas quadras, e em desacordo com os critérios apontados na própria lei municipal.

“Teria de ter um plano para discutir as ZERs, todas da cidade, para pensar os parâmetros de uso. Mas ficar fazendo isso caso a caso, com algumas e não outras, não se chama política pública”, diz ela, também pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

“Sem que a gente tenha a correta dimensão do que isso tem de impacto com a cidade, sem que os vereadores tenham discutido ponto a ponto (as mudanças no mapa)”, acrescenta.

Para o consultor especializado em zoneamento e urbanista Daniel Todtmann Montandon, a mudança na vizinhança do templo vai em desacordo com a legislação municipal. Isso porque o Plano Diretor e a Lei de Zoneamento indicam alterações a partir de critérios técnicos e gerais. Isto é, não dão margem para mudanças pontuais que não envolvam outras vizinhanças com características semelhantes.

“Quando faz uma demarcação dessa, rompe com essa lógica. E de forma extremamente perigosa, por beneficiar determinados imóveis”, acrescenta ele, ex-diretor do Departamento de Uso do Solo da Prefeitura. “A questão não é analisar pontualmente se cabe ali uma ZC (Zona de Centralidade) ou não. A questão é que começa a gerar a descaracterização do zoneamento da cidade”, completa.

O urbanista salienta que as Zonas Corredor (de comércios e serviços de baixa estatura) funcionam como transição entre as Zonas Exclusivamente Residenciais (ZER) e as quadras com zoneamentos que permitem prédios e usos mais variados. “Entre ZER e ZC (novo zoneamento do templo e de outras quadras vizinhas) precisa ter a ZCOR (o que não ocorre mais em alguns trechos)”, diz.

Projeto teve apoio expressivo, diz Câmara

Procurada pelo Estadão, a Presidência da Câmara respondeu que a revisão foi aprovada após “debate amplo e transparente com a sociedade, depois de 35 audiências públicas”. O projeto foi aprovado, prossegue a nota, “com o apoio expressivo de 46 vereadores, o que por si só demonstra o caráter democrático que a revisão teve”.

Também destacou que “cada vereador tem prerrogativa para apresentar emendas durante o processo legislativo”. “Não há nenhum impedimento técnico e legal para a alteração do zoneamento que foi feita, tanto é que o texto foi sancionado. Causa estranheza que esse tipo de questionamento se dê mais de seis meses após a aprovação do projeto”, concluiu.

‘Minirrevisão’ do zoneamento tem mais mudanças em zonas restritas a casas

Essa mudança ocorreu meses antes da aprovação de outras alterações em ZER, também feitas por emendas de autoria do mesmo vereador. Essas outras estão na recente “minirrevisão” do zoneamento.

Ainda com sanção pendente e sinalização de que poderão ser em parte vetadas por Nunes após repercussão negativa e mobilização de associações de bairro, essas alterações permitem prédios em áreas restritas a casas em parte da Cidade Jardim — nas imediações do Jockey Club — e em um trecho da Vila Nova Conceição, no distrito Moema, na zona sul.

Além disso, outra emenda de Félix aprovada na “minirrevisão” abre brecha para que seja possível transformar uma zona exclusivamente residencial em eixo de verticalização quando próxima de acesso de metrô, trem e corredor de ônibus, como revelou o Estadão.

Esses casos estão com a sanção ou o veto em avaliação pela gestão Nunes, com a sinalização de que possivelmente serão vetados. A decisão da Prefeitura é esperada até a sexta-feira, 26. Já a mudança da área da Igreja está em vigor desde janeiro.

Associação de Alto de Pinheiros quer barrar mudança na Justiça

Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP) tem se posicionado contrariamente à mudança no zoneamento das quadras no entorno do templo presbiteriano. Em abril, procurou o Ministério Público de São Paulo, a fim de pleitear a derrubada da nova classificação na Justiça, por meio de ação direta de inconstitucionalidade.

Presidente da entidade, Maria Helena Bueno aponta que as críticas não se devem à mudança na quadra da Igreja em específico, mas à alteração em cerca de dez quadras da Avenida Doutora Ruth Cardoso, entre a Avenida Arruda Botelho e a Avenida Frederico Hermann Júnior. Agora, apenas um pequeno trecho ao lado do Clube Alto de Pinheiros segue como Zona Corredor.

“É a marginal (dos Pinheiros) toda. Esse é o problema”, afirma. ”Imagina todos esses terrenos com prédio de quase 20 andares fazendo sombra sobre as casas e tirando a privacidade das pessoas”, critica ela. Procurado, o MP não se manifestou.

Com informações do jornal Estado de São Paulo, Estadão

Veja no link abaixo imagens do culto de agradecimento e o víeo do projeto do templo.

https://www.estadao.com.br/sao-paulo/igreja-presbiteriana-pinheiros-zoneamento-sao-paulo

Fonte: https://agendadopoder.com.br/igreja-presbiteriana-consegue-mudar-lei-constroi-megatemplo-em-alto-de-pinheiros-sp-e-agradece-a-nunes-em-culto/