Na última semana, a inteligência artificial (IA) do Google DeepMind roubou a cena ao resolver quatro problemas matemáticos da Olimpíada Internacional de Matemática de 2024 (IMO, na sigla em inglês) de um total de seis.
O evento é considerado a principal competição de matemática para os “matemáticos mais brilhantes” do mundo. O rendimento da IA, obtido a partir de dois modelos, fez com que ela conquistasse 28 pontos, desempenho digno de medalha de prata – é a primeira vez que a IA conquista tamanho desempenho.
Alex Davies, líder da iniciativa matemática do Google DeepMind, descreveu a façanha como “grande avanço” no raciocínio matemático por um sistema de IA. Já Pushmeet Kohli, vice-presidente de pesquisa da empresa, disse, ao The New York Times, que o sistema “não é perfeito, não resolvemos tudo. Queremos ser perfeitos”.
IA do Google é boa em matemática
- A empresa da gigante das buscas pediu que dois especialistas independentes julgassem o desempenho de seu sistema;
- O matemático Timothy Gowers e o desenvolvedor de software Joseph Myers. Ambos ganharam medalhas em IMOs passadas;
- Myers disse que “me esforcei para avaliar as tentativas da IA consistentemente com a forma como as tentativas humanas foram julgadas este ano”;
- Já Gowers afirmou ter ficado “definitivamente impressionado” e “minhas expectativas eram bem altas”, pois o laboratório já tinha intenção de colocar a IA para competir;
- Ele disse ainda que “o programa as atingiu e, em uma ou duas instâncias, as superou significativamente”;
- O sistema do Google resolveu dois problemas de álgebra, um de geometria e um de teoria dos números, mas não conseguiu resolver dois de combinatória;
- Enquanto os alunos tinham 4,5h por problema, o sistema poderia demorar quanto quisesse, e chegou a levar até três dias em um deles.
A equipe por trás da IA acredita que a velocidade de resolução é o de menos ante o sucesso geral, pois “é realmente apenas uma questão de quanto poder de computação você está preparado para colocar nessas coisas”, apontou Dr. Silver.
O fato de termos atingido esse limite, onde é possível até mesmo lidar com esses problemas, é o que representa uma mudança radical na história da matemática. E espero que não seja apenas uma mudança radical na IMO, mas, também, represente o ponto em que passamos de computadores sendo capazes de provar apenas coisas muito, muito simples, para computadores sendo capazes de provar coisas que os humanos não conseguem.
David Silver, cientista pesquisador, em entrevista ao The New York Times
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Aplicação matemática no sistema do Google
Há anos, a DeepMind almeja colocar IA na matemática, em colaboração com matemáticos pesquisadores de classe mundial. Davies apontou que “a matemática requer essa combinação interessante de raciocínio abstrato, preciso e criativo”.
Ele entende, em parte, que o repertório de habilidades citado é importante para atingir a inteligência artificial geral (IAG), com capacidade de ir além das capacidades humanas. Empresas, como OpenAI, Meta AI e xAI buscam este objetivo.
Demonstração de força
Em janeiro, outro sistema do Google DeepMind, chamado AlphaGeometry, conseguiu resolver amostra de problemas de geometria das Olimpíadas no nível de medalhista de ouro.
“O AlphaGeometry 2, agora, ultrapassou os medalhistas de ouro na resolução de problemas da IMO”, disse Thang Luong, principal pesquisador, em e-mail ao Times.
Vale destaque para a resolução do quarto problema proposto: o sistema o resolveu em apenas 19 segundos.
O Google DeepMind dividiu seus esforços em duas equipes, sendo uma liderada por Thomas Hubert, engenheiro de pesquisa em Londres, e outra liderada pelo Dr. Luong e Quoc Le em Mountain View, cada uma com cerca de 20 pesquisadores.
A do Dr. Hubert criou modelo comparável, mas mais generalizado, chamado de AlphaProof. O sistema foi projetado para abarcar enorme gama de temas matemáticos. Tanto o AlphaGeometry (mais antigo) como o AlphaProof utilizaram diversas tecnologias de IA.
Uma das abordagens utilizadas foi um sistema de raciocínio informal, expresso em linguagem natural. Tal sistema alavancou o Gemini, principal IA do Google. Ele usou o corpus inglês de problemas e provas publicados e similares como dados de treinamento.
Já o sistema informal identifica padrões e sugerir o que depois; é criativo e fala sobre ideias de forma compreensível. Vale lembrar que grandes modelos de linguagem podem inventar coisas, algo incorreto para matemática. Porém, neste caso, este modelo de linguagem grande (LLM, na sigla em inglês) foi mais contido. Não era imune à alucinação, mas sua frequência era menor.
Outra abordagem utilizada foi um sistema de raciocínio formal, baseado em lógica e expresso em código. Foi utilizado um provador de teoremas e um software de assistente de prova chamado Lean.
Ele garante que, se o sistema diz que uma prova está correta, então, ela está, de fato, correta. “Podemos verificar exatamente se a prova está correta ou não. Cada passo é garantido como logicamente sólido”, afirmou o Dr. Hubert.
Outro componente essencial foi um algoritmo de aprendizado por reforço na linhagem de AlphaGo e AlphaZero. Esse tipo de IA aprende sozinha e escala indefinidamente, apontou o Dr. Silver.
Como o algoritmo não precisa de um humano para ensiná-lo, ele pode “aprender e continuar aprendendo e continuar aprendendo até que finalmente possa resolver os problemas mais difíceis que os humanos podem resolver. E, então, talvez, até um dia, vá além deles”, explicou.
O sistema pode redescobrir o conhecimento por si, disse o doutor. Foi o que aconteceu com o AlphaZero (que joga xadrez), que começou sem nenhum conhecimento “e, apenas jogando e vendo quem ganha e quem perde, ele pode redescobrir todo o conhecimento do xadrez. Levamos menos de um dia para redescobrir todo o conhecimento do xadrez e cerca de uma semana para redescobrir todo o conhecimento do Go. Então, pensamos: vamos aplicar isso à matemática”.
Já Dr. Gowers não se preocupa tanto com as consequências de longo prazo. “É possível imaginar um estado de coisas em que os matemáticos são basicamente deixados sem nada para fazer. Esse seria o caso se os computadores se tornassem melhores, e muito mais rápidos, em tudo o que os matemáticos fazem atualmente.”
Parece que ainda há longo caminho a percorrer antes que os computadores sejam capazes de fazer matemática ao nível de pesquisa. É uma aposta bastante segura que se o Google DeepMind pode resolver pelo menos alguns problemas difíceis na IMO, então uma ferramenta de pesquisa útil não pode estar tão longe.
Timothy Gowers, matemático, em entrevista ao The New York Times
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