Quem nunca planejou uma agradável viagem em família e acabou se deparando com problemas inesperados que transformaram o passeio em uma aventura digna de uma comédia americana? Para evitar contratempos, muita gente planeja com antecedência o melhor caminho, escolhe as paradas estratégicas para abastecer o tanque e esvaziar as bexigas. Ainda assim são surpreendidos pelas incertezas do acaso que destrói qualquer planejamento. Agora, imagine só como os nossos cientistas planejam o roteiro de uma viagem espacial. Uma viagem de milhões de quilômetros pelo vazio do espaço, levando combustível limitado, sem posto de reabastecimento.
Viajar pelo espaço, alcançar outros planetas e desbravar o Universo é um sonho antigo da humanidade. Apenas na segunda metade do Século XX nós conseguimos começar a realizar esse sonho, mas isso só foi possível graças às mentes brilhantes de Johannes Kepler e Isaac Newton. Do longínquo século XVII, eles nos deram os mapas e as ferramentas para planejar e realizar nossas viagens espaciais. Kepler descreveu a dança cósmica dos planetas ao redor do Sol, com suas leis fundamentais da mecânica celeste. Newton, com a gravitação universal, revelou a força invisível que rege essa dança.
Newton, inclusive, propôs um experimento imaginário onde mostrava que seria possível colocar um objeto em órbita da Terra. Ele imaginou um canhão lançando projéteis do alto de uma montanha. Se a velocidade do projétil for baixa, ele cairá de volta na Terra. Mas se lançarmos com velocidade suficiente, ele poderia entrar em órbita, caindo eternamente sem jamais tocar o chão. Dois séculos depois, essa ideia se tornou realidade com o lançamento do Sputnik, o primeiro satélite artificial a orbitar nosso planeta.
Só que, para isso, os soviéticos não usaram um canhão. E sim um foguete, impulsionado pela terceira lei de Newton: a lei da ação e reação. Os foguetes, ao expelir gases em alta velocidade, geram uma força contrária que os impulsiona para cima, vencendo a gravidade.
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Só que, colocar um objeto em órbita da Terra é apenas o primeiro passo e, certamente, o mais complicado. Para vencer essa etapa da viagem, o foguete consome centenas de toneladas de combustível. E deixa lá em cima, nossa nave, com uma quantidade mínima de propelente para seguir sua viagem. E é por isso que, daí pra frente, grande parte do trajeto até seu destino final, ela vai percorrer “na banguela”.
No alto de uma ladeira, um carro possui uma energia potencial devido à gravidade da Terra. Essa energia potencial pode ser convertida em cinética se ele descer a ladeira na bangela. E para viajar pelo espaço, nossas naves aproveitam justamente a energia potencial, mas não da gravidade da Terra e sim do Sol. Então, a partir do momento em que ela se livra da influência gravitacional da Terra, é como se ela estivesse no alto de uma ladeira de 150 milhões de quilômetros de altura. Mas para que essa ladeira nos leve até o destino planejado, nós precisamos de uma órbita de transferência.
Kepler, em seu primeiro postulado, descreveu as órbitas planetárias como elipses que tem o sol em um de seus focos. Imagine que iremos enviar uma nave para Marte. A órbita de transferência entre os dois mundos seria uma elipse que tangencia as órbitas da Terra e de Marte e tem o Sol em um dos focos. A partir da terceira lei de Kepler, podemos calcular o tempo em que a espaçonave levaria para chegar à órbita de destino. Para Marte, esse tempo é de 8 meses e meio. Agora, é só planejar o lançamento de nossa nave para que ocorra 8 meses e meio antes de Marte passar pelo lado oposto da órbita de transferência.
Este momento ideal para lançamento é chamado de “janela de oportunidade”. No caso de Marte, essa janela tem duração de cerca de duas semanas e ocorre a cada 26 meses. E para alcançar a órbita de transferência, a espaçonave deve acionar seus motores no momento exato, para se livrar da gravidade terrestre e acelerar até alcançar a velocidade certa que a levará até seu destino final. Daí pra frente, é na bangela. Nosso viajante cósmico estará entregue às leis que regem o movimento planetário e só precisará acionar seus motores novamente no final do trajeto, para sair da órbita de transferência e entrar na órbita do objeto de destino.
Essa estratégia, chamada de “Órbita de Transferência de Hohmann”, foi proposta por Walter Hohmann em 1925, e é a forma mais econômica de viajar entre dois mundos. Existem também algumas variações como a transferência bi-elíptica, usada para alcançar órbitas muito excêntricas ou para minimizar o consumo de combustível em missões espaciais mais complexas.
Já a transferência orbital de baixo-empuxo, como o próprio nome sugere, utiliza propulsores de baixa potência, mas que operam por longos períodos de tempo. Essa estratégia geralmente resulta em viagens mais demoradas, mas com boa economia de combustível. Agora, para alcançar mundos mais distantes, existe uma manobra que nos fornece uma forma de reabastecimento onde nossas naves podem conseguir uma energia adicional para ir além. É a chamada “Assistência Gravitacional”.
Durante uma assistência gravitacional, a espaçonave “surfa” no campo gravitacional de um planeta. Dependendo da forma como se aproxima do planeta, isso pode garantir uma velocidade extra para alcançar objetos mais distantes e até mesmo sair do Sistema Solar. Pode até parecer mágica uma violação da lei da conservação de energia, mas a física por trás dessa manobra é bastante elegante. A espaçonave, na verdade, “rouba” um pouco da energia cinética do planeta, que, por ser muito mais massivo, nem vai sentir falta.
A manobra da assistência gravitacional foi proposta no início do Século XX por Yuri Kondratyuk, um engenheiro e matemático russo visionário que, antes de enviarmos qualquer objeto para o espaço, concebeu as estratégias de navegação que são base para as viagens interplanetárias. Entre outras coisas, Kondratyuk estabeleceu os fundamentos da manobra de encontro orbital, que possibilitou levar o homem à Lua. Além, é claro, das assistências gravitacionais, principal fonte de energia adicional das nossas mais importantes missões espaciais.
Então, da próxima vez que acompanharem uma nave espacial em sua jornada pelo Cosmos, lembre-se de que por trás de cada manobra, cada ajuste de trajetória, existe um time de cientistas e engenheiros brilhantes utilizando as leis da Física para guiar essas espaçonaves em sua exploração do universo. As mesmas leis que Kepler e Newton desvendaram há séculos, hoje nos permitem navegar por esse imenso oceano cósmico.
O post Como nossas espaçonaves usam a física para navegar pelo universo apareceu primeiro em Olhar Digital.
Fonte: https://olhardigital.com.br/2024/08/12/colunistas/como-nossas-espaconaves-usam-a-fisica-para-navegar-pelo-universo/