25 de novembro de 2024
Superpopulação: o que o experimento dos ratos revela sobre nosso
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Entre as décadas de 1950 e 1970, o mundo se assustava com a possibilidade da superpopulação. Com esse risco em mente, o cientista estadunidense John B. Calhoun (1917-1995), behaviorista e etologista do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) de Maryland (EUA), resolveu fazer algo a respeito.

Ele pensou o seguinte: “o que acontece quando uma população tem tudo o que precisa?” A partir de testes realizados com ratos e camundongos, ele constatou uma espécie de espiral de decadência social e colapso demográfico, a qual ele chamou de “ralo comportamental” (behavioral sink): um espelho da decadência humana e uma imagem do que poderia estar por vir.

Experimento de Calhoun sobre os efeitos da superlotação

  • Para seus testes, o cientista criou “universos de camundongos”;
  • O mais famoso deles é conhecido como Universo 25 e foi criado em 9 de julho de 1968;
  • Em espaço de 2,7 m x 2,7 m, ele criou o mundo ideal (mas utópico), com comida e água ilimitadas, centenas de ninhos, temperatura ideal e sem nenhum predador;
  • Em artigo publicado em 1973, Calhoun descreveu que, no começo, eram quatro casais de roedores cuidadosamente selecionados;
  • Tudo parecia ir bem, com eles se acasalando, crescendo e prosperando. A cada dois meses, a população de camundongos dobrava de tamanho;
  • Mas quando o Universo 25 chegou a 620 animais, problemas surgiram: com pouco espaço e incapazes de se encontrar na hierarquia, os mais jovens se desajustavam e as fêmeas solteiras iam para ninhos isolados nos níveis superiores, passando a viver como ermitãs;
  • Na outra ponta, os machos alfa tinha agressividade extrema, a ponto de praticarem canibalismo;
  • Já os demais machos eram apáticos, só comiam, bebiam e se cuidavam, sem interagir com mais nenhum;
  • Para piorar, as mães, oprimidas por conta do estresse da aglomeração, se descuidavam de suas crias, as abandonavam e, até as atacavam;
  • A mortalidade infantil, em algumas áreas, chegou a 96%.
Experimento trouxe questionamentos (Imagem: Yoichi R Okamoto/CC)

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Mesmo havendo espaço para 3,84 mil camundongos, a população nunca superou os 2,2 mil. O último nascimento aconteceu no dia 600 da experiência.

Daí em diante, essa sociedade de roedores entrou no ralo comportamental, pois os animais se esqueceram de como se cuidar, cuidar de suas crias e até como interagir normalmente. É uma dinâmica social tem paralelismos preocupantes com as cidades humanas com alto teor populacional.

O crescimento e colapso do Universo 25 era parte do corpo de pesquisa, que incluiu vários experimentos envolvendo ratos e camundongos em condições controladas. Eles eram balizados pelo trabalho do economista inglês Thomas Malthus (1766-1834), “Um Ensaio sobre o princípio da População”.

Pode-se dizer que Calhoun não queria apenas entender as dinâmicas demográficas dos roedores, como, também, advertir a humanidade sobre seu possível futuro, pois concluiu que a aglomeração poderia provocar “morte do espírito”, mesmo com todas as necessidades físicas estando satisfeitas.

Como relembra a DW, tais ideias reverberaram com força na sociedade da época, que já se preocupava com o crescimento urbano descontrolado e a explosão demográfica, sendo rememorado até hoje nas culturas acadêmica e popular.

A experiência foi tema de diversos romances ficcionais, enquanto o termo “ralo comportamental” passou a ser usado pelo escritor Tom Wolfe para descrever os males das cidades modernas.

camundongo
Mundo utópico dos roedores colapsou (Imagem: JacobStudio)

Definição questionada

Com o passar do tempo, essa interpretação passou a ser questionada, com alguns pesquisadores argumentando que o problema não era a densidade da população efetivamente, mas a concepção da experiência.

Isso porque ela permitia aos membros mais agressivos que monopolizassem os melhores espaços, criando uma desigualdade artificial. Outros também decretaram que humanos não são camundongos.

Estudos posteriores apontaram que nós conseguimos nos adaptar à superlotação de maneiras que os roedores não conseguem. Em contrapartida, há muitas cidades atualmente, inclusive nos Estados Unidos, que sofrem por densidade insuficiente, não excessiva, colaborando com o isolamento social e a falta de moradia financiável.

Apesar dos pesares, a “utopia dos camundongos” segue como grande metáfora sobre a complexidade de nossas sociedades, nos fazendo pensar sobre as noções corriqueiras de progresso e bem-estar.

Além disso, devemos ter em mente que, por si só, a abundância material não garante sociedade saudável. Isso é óbvio, mas parece que estamos esquecendo disso.

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Fonte: https://olhardigital.com.br/2024/08/27/ciencia-e-espaco/superpopulacao-o-que-o-experimento-dos-ratos-revela-sobre-nosso-futuro/