20 de setembro de 2024
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Fotografia via Facebook da banda

Da nublada e chuvosa cidade de Dublin, nasce em 2014 uma infusão de pós-punk e indie-rock. Fontaines D.C., os portadores do trevo que pretende devolver o Reino Unido a um cume outrora seu, oscilante desde os anos 70 e 80. Se não conheciam, decorem o nome, vieram para ficar.

Grian Chatten como vocalista, Carlos O’Connell, de raízes ibéricas, na guitarra, Conor Curley como segundo guitarrista, Conor Deegan III no contra-baixo e Tom Coll na bateria compõe a banda cujo nome se inspira na personagem Johnny Fontane, o artista estrelado com uma carreira difícil e uma péssima relação com equídeos, da obra-prima, que dispensa qualquer apresentação, “O Padrinho”. São os Fontaines que, honrando as origens, sufixam Dublin City (D.C.).

Miguel Esteves Cardoso, sapiente cronista, anunciou, recentemente, que as bandas ainda não morreram e ofereceu aos Fontaines D.C. o título de melhor banda deste século, mesmo antes do lançamento do último álbum de estúdio “Romance”. Ousado. Após a difusão do álbum no dia 23 de agosto, precedidos de alguns singles de advertência, resta admitir: foi absolutamente premonitório. Os ilhéus prometem colocar a indústria musical em polvorosa.

Atenção, nem só de romance reza a história. Desconsiderar voos anteriores, rasantes ao dito cume, não só é ignorância como é desperdício de três brilhantes coletâneas de grande música.

Tudo começa com “Dogrel”, uma homenagem à poesia da classe trabalhadora irlandesa. Um estilo mais cinzento e duro, típico do pós-punk, crítico da influência castradora do catolicismo em Dublin. “Boys in a Better Land”, “Big” e “Too Real” transpiram uma vontade de cruzar o mar, crescer e prosperar, sem pedir licença.

Segue-se “Hero’s Death”, mais elétrico e introspetivo, lançado durante a pandemia. “I Don’t Belong”, Televised Mind”, “A Hero’s Death” e “Oh Such a Spring” (qual epinício marítimo da Primavera que já não volta, que coloca o indie no rock turbulento, embora sinfónico), são afirmações.

O terceiro álbum surge em 2022, uma profanidade, que remonta ao tempo do grande alce irlandês, extinto. “Skinty Fia”, a condenação do veado, metaforicamente associada ao egoísmo humano. A poesia lupaciosa é trocada por referências retro, góticas e incursões no hip-hop. Dá-se a viragem e a evolução, motivadas pela animosidade e tricas territoriais com Londres. Produzem-se sons que permanecerão no tempo, “I Love You”, “Jackie Down the Line”, a preferida, “Big Shot” e “Roman Holiday”, que impulsionam a escalada montanhosa empreendida.

Mas falemos do que motivou esta descarga de termos sobre uma coisa que é incomparavelmente melhor ouvir do que ler. Aproveitem para colocar os auscultadores e reproduzir o álbum, já que chegaram aqui. “Romance”, o quarto álbum de estúdio. Um 10/10, vindo de alguém que não ficou surpreendido com o primeiro single “Starbuster”, entretanto abraçado, e ainda que o crítico Anthony Fantano não venha a concordar (quem se importa?).

É uma viagem, experimentalista e sofisticada, imbuída de shoegaze, instrumentalização acústica e laivos de batidas afroamericanas. Uma ode ao amor, composta por desejo, libertação e afeto, sobre todas as formas. O positivo e o negativo. A vida, os sentidos, a cidade e os espaços. Há a concertação sólida de tons e melodia, sem colocar em causa o passaporte sinfónico de cada uma das faixas. Todas distinguíveis e memoriáveis à primeira audição, compreendidas a partir das segunda e terceiras.

Ainda faltam uns meses, mas é o álbum do ano. Dura 37 minutos, não é curto, é mesmo perfeito. Por essa razão, é impossível destacar qualquer uma das 11 composições. Ouçam e escolham a vossa favorita, curiosamente a minha, que pode mesmo ser qualquer uma.

Regressaram a Portugal com um espetáculo, sem poupar na significância, no habitat natural da música, em Coura. O alinhamento com tudo a que tínhamos direito, aliado à mistura de álbuns e sonoridades, o público vibrante e conhecedor, de todas as idades, e a bandeira da Palestina içada, porque a música também trata de amor e paz, encerraram da melhor forma possível o grande palco do festival. Se não tiveram oportunidade de os presenciar, nada temam, dia 1 de novembro voltam ao Campo Pequeno, com o repertório do novo álbum afinado.

O que se seguirá? O que fica para além do cume onde já se sentam? O páramo?

Numa sociedade quebrada e de costas voltadas vieram-nos salvar, através da liberdade rebelde, aspiração visionária e amor imperfeito. “Will someone find out what the word is that makes the world go round? Cause I thought it was love”.

Somos apenas afortunadas testemunhas.

Longa vida aos Fontaines D.C.!

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/longa-vida-aos-fontaines-d-c/