
Uma pesquisa realizada em dez capitais brasileiras revelou que 56% da população precisou recorrer a trabalhos extras para complementar a renda nos últimos 12 meses. A pesquisa “Viver nas Cidades: Desigualdades”, lançada nesta quinta-feira (28), foi conduzida pelo Instituto Cidades Sustentáveis em parceria com a Ipsos-Ipec e a Fundação Volkswagen, e mapeou a realidade de diversas faixas da população brasileira em relação à renda e ao trabalho. A reportagem é da Folha de S. Paulo.
As atividades mais mencionadas para complementar a renda incluem bicos de serviços gerais, como faxina, manutenção, reformas e jardinagem, que somaram 17% das respostas. Vender roupas e outros artigos usados (12%) e produzir alimentos em casa para venda (9%) também foram citadas por um número significativo de entrevistados. Além disso, outras atividades, como revender cosméticos e produtos de beleza (8%), atuar como motorista ou realizar entregas por aplicativo (7%) também aparecem entre as alternativas para aumentar o orçamento doméstico.
Desigualdade e necessidade de trabalhos extras
O levantamento foi realizado online com pessoas de 16 anos ou mais, residentes há pelo menos dois anos nas capitais investigadas e pertencentes às classes A, B, C, D e E. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para o total de entrevistados, podendo variar de 4 a 6 pontos percentuais para as análises por cidade.
Embora 37% dos entrevistados afirmem que não precisaram de trabalhos extras nos últimos 12 meses, 56% da população teve de recorrer a essas atividades. Os dados mostram que a necessidade de trabalhos informais é mais expressiva entre os grupos de pessoas com rendimento mensal de até dois salários mínimos (68%), entre aqueles que convivem com pessoas com deficiência (68%), e entre as classes D e E (65%).
Além disso, a pesquisa destaca que pretos e pardos (63%), evangélicos e protestantes (63%) e pessoas com ensino médio (62%) também estão entre os grupos que mais recorrem a esses trabalhos extras.
As capitais que apresentaram os maiores índices de pessoas buscando atividades informais foram Belém (70%), Manaus (69%) e Fortaleza (65%). Em contraste, Porto Alegre teve o menor percentual, com 47% dos entrevistados dizendo que recorrem a bicos. São Paulo ficou com 53%.
Renda estável, mas desafios persistem
Apesar da alta procura por trabalhos extras, a pesquisa apontou que 40% dos entrevistados disseram que sua renda pessoal permaneceu estável nos últimos 12 meses, enquanto 17% afirmaram que sua renda aumentou. Juntas, essas duas fatias representam 57% da população. No entanto, 34% indicaram que sua renda diminuiu durante esse período, evidenciando as dificuldades financeiras vividas por uma parcela significativa da população.
Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, comentou sobre os resultados: “A notícia de que a renda aumentou ou ficou estável para 6 em cada 10 pessoas é positiva, porque mostra uma certa estabilização. Agora, temos um problema no país, que é a renda não ser suficiente para boa parte das pessoas conseguirem manter um padrão de vida digno”, afirmou, ressaltando a contradição entre a melhora aparente da renda e a dificuldade de muitos brasileiros em atingir um nível satisfatório de bem-estar.
Impactos da inflação e ajustes de consumo
Com o aumento dos custos de alimentos no início de 2025, a pesquisa também perguntou sobre os ajustes que os brasileiros fizeram no consumo. Em resposta, 41% dos entrevistados indicaram que diminuíram o consumo de carnes nos últimos 12 meses, enquanto 29% aumentaram a compra de ovos. A pesquisa indicou que a inflação alimentar, alimentada por problemas climáticos e pela alta do dólar, ainda pressiona o orçamento das famílias, embora no segundo semestre de 2025 os preços tenham começado a diminuir devido a uma melhor safra e à trégua no câmbio.
Fome e pobreza: uma percepção crescente
Outro dado importante revelado pela pesquisa diz respeito à percepção da população sobre o aumento da fome e da pobreza em suas cidades. Dois terços dos entrevistados (66%) afirmaram que a situação piorou nos últimos 12 meses, com 39% dizendo que o problema aumentou muito e 27% que aumentou um pouco. Essa percepção, no entanto, está em contraste com os dados da ONU, que indicam que o Brasil deixou de fazer parte do Mapa da Fome.
Abrahão explicou que, embora o Brasil tenha avançado nesse sentido, a situação nas grandes capitais ainda é preocupante. “Se você andar pelo centro dessas cidades, vai ter um contato muito forte com a pobreza e a fome, com moradores em situação de rua. Portanto, a percepção é de aumento [do problema], mesmo que o país esteja em outra direção”, avaliou.
Mobilidade social: avanços em educação e renda
A pesquisa também abordou a questão da mobilidade social. Cerca de 72% dos entrevistados afirmaram ter alcançado um grau de escolaridade maior do que o de seus pais. Quase metade (47%) declarou ter conquistado uma condição de moradia melhor do que a dos pais na mesma faixa etária. Além disso, 45% indicaram que sua renda atual é superior à de seus pais na mesma idade.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/56-da-populacao-brasileira-recorre-a-trabalhos-extras-para-complementar-a-renda-aponta-pesquisa/