4 de maio de 2025
Arroz e feijão perdem espaço no campo, mas ainda sustentam
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O arroz com feijão, símbolo do prato brasileiro, continua sendo presença diária na mesa da população, mas perdeu espaço nos campos do país. Em 19 anos, as áreas plantadas com arroz recuaram 43%, enquanto a de feijão caiu 32%, segundo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No mesmo período, o cultivo de soja cresceu 108% e o de milho, 63%, transformando os dois em líderes de área plantada no Brasil.

A substituição de culturas não significa necessariamente menos comida para o brasileiro. Ainda que as lavouras tenham encolhido, a produtividade aumentou, permitindo que o volume colhido de arroz e feijão se mantivesse estável. Isso garante o abastecimento interno, já que a maior parte da produção desses alimentos permanece no país: apenas 12,5% do arroz da safra 2023/2024 foi exportado, e no caso do feijão, apenas 10%.

Segundo especialistas, o que explica a troca de cultura por parte dos agricultores é a rentabilidade. “Porque, se eu não tiver um preço razoável, a indústria não consegue pagar um preço equilibrado aos produtores e, consequentemente, toda a cadeia sai prejudicada pela falta de equilíbrio e acaba diminuindo a área”, afirma Alexandre Velho, presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).

Lucro baixo e custo alto afastam o produtor

O cultivo de arroz e feijão exige mais investimento por hectare do que soja ou milho. Segundo a Conab, o custo médio do arroz ultrapassa R$ 12 mil por hectare e o do feijão chega a R$ 13 mil. Em comparação, o milho custa cerca de R$ 7 mil e a soja, R$ 6 mil. Os altos custos estão ligados à necessidade de mais maquinário, mão de obra, fertilizantes e, no caso do arroz irrigado (77% da produção), grandes volumes de água.

Além disso, os insumos agrícolas são cotados em dólar, o que eleva ainda mais os gastos em períodos de desvalorização do real. Há também o chamado “custo Brasil”, que, segundo Andressa Silva, diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), encarece a logística, especialmente para o envio do produto ao Norte e Nordeste. “A logística é muito cara. O transporte rodoviário chega a ser até 30% mais caro do que o de cabotagem”, explica.

No caso do feijão, as dificuldades são semelhantes, somadas à sensibilidade da cultura a pragas e doenças, o que exige mais defensivos e aumenta o risco de perdas.

Mudanças recentes e recuperação

Apesar do histórico de queda, os últimos anos trouxeram sinais de recuperação. Entre as safras de 2022/2023 e 2023/2024, as áreas plantadas de arroz e feijão cresceram 6% e 16%, respectivamente. O faturamento com o arroz subiu de R$ 18 bilhões em 2006 para R$ 25 bilhões em 2023, impulsionado pela maior demanda e menor oferta, o que elevou os preços.

Silva, da Abiarroz, lembra que o cenário começou a mudar após a pandemia. “Antes, o produtor de arroz estava muito endividado, mas os preços subiram e isso deu um fôlego para o setor”, afirma.

Para Sílvio Porto, diretor executivo da Conab, a mudança positiva também reflete políticas públicas recentes, como a ampliação do crédito rural, a redução dos juros e o reforço na assistência técnica aos produtores de alimentos básicos.

Consumo em queda, mas produção ainda supre

A estabilidade na oferta, no entanto, também está relacionada à queda no consumo de arroz e feijão. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, entre 2008 e 2018, o consumo médio diário de feijão por pessoa caiu de 183 gramas para 163,2 gramas. O de arroz passou de 160,3 gramas para 131,4 gramas.

Essa mudança de hábitos é atribuída, em parte, ao aumento do poder aquisitivo nos anos 2000, que levou à diversificação da alimentação, além da praticidade dos alimentos processados e do fast food. Hoje, a insegurança alimentar volta a pesar: “Uma parte da população é tão carente que, quando o preço sobe R$ 0,50, ela precisa diminuir o consumo”, relata Marcelo Lüders, do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe).

Ele também destaca a existência de desertos alimentares em regiões afastadas do varejo tradicional, onde consumidores mais pobres pagam mais caro para acessar alimentos básicos, como o feijão.

Como reverter a tendência de queda

Para especialistas, o encolhimento das lavouras não é, por si só, um problema — desde que a produtividade continue crescendo e a demanda seja atendida. Mas há consenso de que a produção de arroz e feijão merece mais incentivo.

Porto, da Conab, defende o uso de estoques públicos para estabilizar os preços ao consumidor e garantir renda aos produtores. Ele também cobra políticas mais equilibradas em relação ao apoio dado a outras culturas, como a soja. “É totalmente desequilibrado. É por isso mesmo que a soja já tem hoje uma situação tão privilegiada comparado aos demais produtos”, afirma.

Outras medidas sugeridas incluem:

  • Redução dos juros e ampliação do crédito rural
  • Seguro agrícola mais eficiente e acessível
  • Assessoramento técnico para pequenos e médios produtores
  • Campanhas de incentivo ao consumo interno
  • Expansão do mercado externo para feijão e arroz
  • Investimento em pesquisa para desenvolvimento de variedades mais resistentes e produtivas

Para Alexandre Velho, da Federarroz, o preço mínimo necessário para compensar os custos da indústria seria de R$ 5 por quilo para o consumidor, e de R$ 90 por saca para o produtor. No caso do feijão, Hélio Dal Bello, da Associação Brasileira de Consultores de Feijão, estima que o quilo pago ao agricultor deveria ser de ao menos R$ 4.

A permanência do arroz com feijão como base da alimentação brasileira dependerá, portanto, não apenas da tradição cultural, mas também de decisões econômicas e políticas que garantam equilíbrio entre produção, renda no campo e acesso à mesa.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/arroz-e-feijao-perdem-espaco-no-campo-mas-ainda-sustentam-a-mesa-do-brasileiro/