
Após instalar-se nos arredores da Avenida Paulista, no complexo chamado de Cidade Matarazzo com o primeiro hotel de ultraluxo do país, a unidade pioneira do clube exclusivo para criativos Soho House, além de um centro voltado à arte com cinco mil metros quadrados, o francês Alexandre Allard, de 56 anos, quer estender suas relações com o país em um novo projeto no Rio, cidade em que já morou e para onde planeja voltar em breve. Trata-se do Mata Maravilha, um projeto urbanístico a ser desenvolvido em parceria com a prefeitura do Rio, em áreas revitalizadas pelo programa Porto Maravilha.
O projeto, que tem o prédio histórico do Moinho Fluminense como uma das âncoras, se estende por uma área de 223,4 mil metros quadrados. Com investimentos privados e parcerias com o poder público, prevê ainda uma marina na Baía de Guanabara e um lago artificial de água doce, além de duas torres de 70 andares e um hotel. A orla seria conectada com a Praça da Harmonia por um novo parque implantado pelas ruas do bairro. Para tirar esse caminho verde do papel, seriam plantadas 50 mil árvores de grande porte.
— Será possível aproveitar a cultura incrível da cidade mais linda do mundo, com equipamentos de ponta. Os melhores do mundo. É um pacote que fará do Rio a maior capital da inovação do Sul Global e a grande capital de inovação do mundo — afirma Allard.
Nômades digitais
Um dos grandes trunfos do espaço, diz o empresário e CEO do projeto, é criar no local um ambiente propício para a instalação de empresas de tecnologia — com especial interesse em atrair companhias que tenham vocação para proteger o meio ambiente, num tipo de “Vale do Silício” verde. Segundo ele, já há conversas com um parceiro para que um grande data center seja instalado no entorno, como forma de garantir a conectividade do espaço. A expectativa é atrair nômades digitais e engenheiros de empresas de inovação. Essas novidades, calcula Allard, devem levar dez milhões de pessoas para a região por ano, entre trabalhadores, consumidores e turistas.
— O Mata Maravilha será uma espécie de novo Porto Maravilha dentro do Porto Maravilha. A gente entende que a revitalização do trecho próximo à Praça Mauá já está consolidada. Mas precisávamos ter um plano de investimentos para a Gamboa, uma das referências das tradições da área, que integra a Pequena África — explicou o vice-prefeito Eduardo Cavaliere.
O projeto foi o escolhido entre três grupos que, em dezembro de 2024, responderam a uma convocação da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar), órgão da prefeitura, para apresentar propostas de desenvolvimento do prédio do Moinho Fluminense, fechado desde 2015, e de seu entorno. Na última década, dois planos foram anunciados para revitalizar a fábrica, mas não vingaram. Preocupada com a demora, a prefeitura chegou a decidir pela desapropriação do imóvel, o que acabou sendo revogado semana passada, para viabilizar a nova proposta.
Para tirar o projeto do papel são necessários, neste momento, R$ 4,8 bilhões. Parte do investimento — cerca de R$ 190 milhões — já foi gasta em pesquisas sobre a região. A ideia é que os recursos sejam obtidos por meio da captação de mais investidores privados e da criação de uma parceria com a prefeitura, proprietária de diversos prédios na área, onde também existem imóveis do estado e da União.
— O projeto selecionado está em fase conceitual e será detalhado a partir de agora, com a definição das áreas que farão parte dele. Para isso, vamos formar uma joint venture. Entraríamos nessa parceria por intermédio da CCPar. Haverá reuniões entre todos os possíveis parceiros interessados no negócio — explicou o secretário de Desenvolvimento Econômico, Osmar Lima.
Nessa empreitada, Allard se associou à Autonomy Capital, dona do prédio do Moinho — que dará lugar a um hotel, com quartos a R$ 1 mil a noite construídos dentro dos silos de grãos do prédio original. Há ainda o plano de construir duas torres de uso misto com 70 andares cada, sendo que uma delas ficaria em um terreno da própria empresa.
— Haverá alto padrão, mas não terá algo de ultraluxo como o Rosewood (o hotel na Cidade Matarazzo). Não tenho nada contra isso, mas acho que o projeto tem outro estilo. A ideia é que no Mata Maravilha os valores sejam mais acessíveis — contou Allard, que espera inaugurar as torres em 2029 e 2032, marcando a conclusão do projeto.
Testes na Providência
O projeto tem as primeiras datas de lançamento previstas para 2027, quando começariam a entrar em operação áreas voltadas aos ateliês artísticos, aos polos culturais e à gastronomia. Há ainda a previsão de construir centros de longevidade, um campus para universidades — Allard diz que tem em vista grandes nomes de instituições internacionais — e um shopping focado em moda e design regenerativo. Ou seja, um centro comercial com venda de produtos que não são fruto da agressão à natureza, mas que contribuem com a preservação do planeta.
— Será um lugar 100% autônomo. Os tetos dos galpões terão 67 mil metros quadrados de painéis solares — promete Allard, reforçando a vocação verde do empreendimento. — Nossa área de desenvolvimento de tecnologia verde testará todas as inovações junto à favela (o Morro da Providência). A comunidade aproveitará imediatamente essas inovações. Já o campus, com mais de uma universidade, terá 10% dos estudantes de favelas ao redor, sem pagar.
O trânsito entre os galpões e os prédios do complexo se dará em caminhos com um tipo de “espelho” de areia. Passarelas de pedestres e jardins suspensos completam o cenário. Já o lago artificial, junto à baía, terá entrada gratuita, mas com bares e outros serviços
Os novos planos para o Porto Maravilha surgem quase um ano após a prefeitura anunciar o Parque do Porto, com praças flutuantes em plena baía. Cavaliere diz que a proposta continua em desenvolvimento e não deu uma data para começar a ser implantada.
— O plano está mantido. E os conceitos do Mata Maravilha dialogam e complementam a proposta do município. Nós começaríamos pela região da Praça Mauá. E no futuro as duas frentes se encontrariam — explicou Cavaliere.
O exemplo paulista
Um dos grandes cartões de visitas de Allard no Brasil é a criação e a operação da Cidade Matarazzo, em São Paulo, construída ao custo de R$ 3 bilhões. O complexo de 30 mil metros quadrados revitalizou um terreno próximo à Avenida Paulista, onde havia uma maternidade desativada. Os quartos do hospital tornaram-se parte do hotel — que também se estende a um prédio vizinho, construído especialmente para a Matarazzo, com 25 andares. O espigão tem uso misto: residencial e suítes do hotel. No topo, com vista panorâmica da cidade, mora o empresário, que, no dia em que recebeu a visita do GLOBO, almoçou com a atriz Angelina Jolie no mesmo endereço.
— Aprendi muito com a Cidade Matarazzo. Aprendemos como construir parceria com a cidade, como tomar conta (do entorno), entender nossas responsabilidades e como isso funciona na prática, porque uma empresa privada tomando conta do cidadão não é uma coisa normal — afirma Allard, que fechou uma recente parceria para lançar uma torre de alto padrão na Rua Oscar Freire, com a construtora Gafisa.
O complexo paulista ainda conta com um centro empresarial para a economia verde — semelhante ao que será visto em escala bem maior no Rio. O Matarazzo também prevê uma área aberta para a cidade: a construção de um boulevard, com calçadão, que busca facilitar o acesso entre a Avenida Paulista e a região onde está o complexo de Allard.
Com informações de O Globo
Fonte: https://agendadopoder.com.br/empresario-quer-criar-vale-do-silicio-verde-no-porto-maravilha-que-inclui-predio-historico-do-moinho-fluminense/