
No ano em que Belém recebe a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), entre os dias 10 e 21 de novembro, a Amazônia volta ao centro das atenções globais. A discussão sobre como conciliar crescimento econômico com preservação ambiental ganha força diante do ritmo acelerado de desmatamento, que já impacta ciclos biofísicos da região e influencia até o regime de chuvas no centro-sul do Brasil.
Para responder a esse desafio, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) trabalha na elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio), que será apresentado durante a conferência, segundo reportagem do jornal O Globo. O objetivo é transformar a biodiversidade em motor de desenvolvimento sustentável, ampliando as iniciativas já praticadas por comunidades extrativistas, ribeirinhos e povos indígenas.
Entre as medidas está a formação de agentes de crédito comunitários, capazes de estruturar projetos para linhas de financiamento junto a bancos como o Banco da Amazônia e o Banco do Brasil. O governo também prevê assistência técnica a 300 empreendimentos de bioeconomia em 16 territórios amazônicos, além de incentivos à agricultura sustentável, como os sistemas agroflorestais.
— Desde a construção do Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Brasil (PPCD), o ministério busca ações que reduzam a destruição da natureza, com fiscalização, mas também façam parte de um plano de produção sustentável. Uma parte importante do Plano Nacional de Bioeconomia é a restauração do Arco do Desmatamento, que são áreas em que há prioridade da restauração por fins ambientais e produtivos — afirma a secretária nacional de Bioeconomia, Carina Pimenta.
A floresta como ativo econômico
Para especialistas, não há contradição entre prosperidade econômica e conservação. O pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Beto Veríssimo, ressalta que estudos comprovam a viabilidade desse caminho.
— O debate tem pontos fundamentais. Um deles é o que fazer com a floresta ainda conservada, uma vez que a vegetação em pé tem cada vez mais valor por prestar serviços sistêmicos e é estratégica como reserva de biodiversidade. Depende dela a umidade brasileira que irriga o agronegócio e gera energia elétrica — alerta Veríssimo.
Ele lembra ainda do chamado bônus demográfico: a Amazônia concentra mais jovens em idade economicamente ativa que outras regiões do Brasil. Sem oportunidades, porém, esse potencial pode se converter em migração ou aproximação de jovens com o crime organizado.
— É preciso lembrar que a floresta tem valor econômico e estratégico. Áreas desmatadas podem ser restauradas, e o Brasil pode se beneficiar com investimento, principalmente no mercado de carbono. Vale ressaltar que 76% da população da Amazônia vive em territórios urbanos, o que significa que o tipo de dinâmica de desenvolvimento deve passar muito pelas cidades — acrescenta o pesquisador.
O risco do ponto de não retorno
A relação entre desenvolvimento e devastação remonta à ditadura militar, quando estradas foram abertas e terras doadas ou vendidas a preços baixos, em nome da “proteção” da floresta contra interesses estrangeiros. Esse modelo consolidou a ideia de que progresso estava atrelado ao desmatamento.
O climatologista Carlos Nobre, professor da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, alerta para os riscos desse caminho.
— Se continuarmos desmatando, até 2050 o planeta passa de um ponto de não retorno e, em 30 anos, terá degradado entre 50% e 70% da floresta. Vamos perder a maior biodiversidade do mundo — afirma.
A visão dos povos originários
Para o escritor e ativista indígena Daniel Munduruku, natural de Belém, os povos originários estão dispostos a contribuir para modelos de desenvolvimento que valorizem a floresta viva.
— Aliar progresso e preservação ambiental é uma teia que precisa ser construída, fazendo com que governos e empresários se permitam pensar como indígenas. Só assim conseguiremos soluções conjuntas — defende.
Apesar disso, ele demonstra ceticismo sobre a disposição de setores produtivos em mudar a lógica predominante.
— Os produtores rurais e parlamentares estão na lógica ocidental e não admitem pensar de maneira diferente. Não porque não querem. Estão viciados na ideia do lucro e não dão nenhuma importância a outro ser que pense diferente deles.
Agricultura sustentável
Representantes do setor agropecuário também têm buscado participar do debate. Para Muni Lourenço, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), é possível unir produção e conservação.
— Não há contradição entre produção de alimentos e preservação ambiental, mas é importante a transferência e incorporação de tecnologias, aumentando a produtividade sem pressionar a floresta. Há esforços que precisam ser incentivados para a massificação de boas práticas agrícolas para cada vez mais agregar sustentabilidade à atividade rural — afirma.
Mini diz que há na Amazônia um “mundo rural” com cerca de um milhão de produtores — 90% em pequenas propriedades. Segundo ele, são pessoas fundamentais para a geração de renda das famílias e o abastecimento alimentar da região.
Com a COP30 marcada para Belém, a Amazônia se torna palco não apenas de negociações climáticas, mas também de um debate fundamental para o futuro do país: como transformar a riqueza da floresta em vetor de desenvolvimento sem repetir os erros do passado.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/governo-lula-prepara-plano-de-bioeconomia-que-sera-destaque-na-cop30/