
Em um retrato revelador das mudanças no perfil do trabalhador brasileiro, uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada pela Folha de S.Paulo, mostra que 59% da população preferiria atuar por conta própria a ter um emprego com carteira assinada. Apenas 39% ainda veem o trabalho formal como a melhor alternativa.
O levantamento, feito nos dias 10 e 11 de junho com 2.004 pessoas em 136 municípios, evidencia uma transformação no valor atribuído à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em meio a um mercado cada vez mais influenciado por plataformas digitais, trabalho remoto e novos arranjos laborais.
Esse movimento se intensificou nos últimos anos. Em 2022, 77% dos entrevistados afirmavam que preferiam a estabilidade da CLT mesmo com menor salário. Hoje, esse percentual caiu para 67%. Ao mesmo tempo, aumentou de 21% para 31% a fatia dos que priorizam ganhar mais, mesmo que isso implique trabalhar sem vínculo formal. O dado mostra uma reconfiguração nas prioridades da população, que agora enxerga a flexibilidade e a possibilidade de maiores rendimentos como vantagens mais importantes que a proteção legal oferecida pela carteira assinada.
A preferência pelo trabalho autônomo é mais expressiva entre os jovens de 16 a 24 anos: 68% defendem essa modalidade, enquanto apenas 29% optariam por um emprego tradicional. O percentual cai entre os mais velhos, mas segue relevante — metade dos entrevistados com mais de 60 anos também preferem ser autônomos. O economista Daniel Duque, do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que o fenômeno tem raízes culturais e econômicas. “O mercado de trabalho aquecido e os altos encargos trabalhistas tornam a CLT menos atrativa, especialmente para quem busca liberdade e maior rendimento”, analisa.
A popularização do trabalho por aplicativos, como transporte e entregas, e a disseminação do home office após a pandemia são apontados por Duque como catalisadores dessa mudança. “Cada vez mais os trabalhadores querem uma ocupação em que podem trabalhar somente o que estão dispostos naquele momento”, diz o pesquisador.
A pesquisa também identificou diferenças marcantes segundo afinidade política. Entre os simpatizantes do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, 66% preferem trabalhar por conta própria, enquanto entre os eleitores do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essa preferência é de 55%. No sentido oposto, 73% dos petistas valorizam mais o vínculo formal, contra 54% dos bolsonaristas.
O levantamento ainda mostrou que a valorização da carteira de trabalho é maior entre mulheres (71%, contra 62% dos homens), entre os mais velhos (79% dos entrevistados com mais de 60 anos) e entre aqueles com renda mais baixa. Dos que ganham até dois salários mínimos, 72% dizem preferir a proteção da CLT, em contraste com 56% daqueles que recebem mais de dez salários. A escolaridade também influencia a percepção: 75% dos que têm apenas o ensino fundamental veem a carteira assinada como essencial, número que cai para 59% entre os que têm ensino superior.
Religião e ocupação também interferem nas respostas. Católicos (71%) e evangélicos (64%) demonstram apoio majoritário ao modelo formal, enquanto aposentados (80%) e funcionários públicos (72%) são os que mais valorizam o vínculo com direitos garantidos.
Para Daniel Duque, a tendência é de aprofundamento dessa mudança cultural. “Acredito que vai crescer a pressão política para a redução dos encargos trabalhistas, já que a CLT atualmente está pouco atrativa para os trabalhadores um pouco mais qualificados que a média”, afirma. Segundo ele, a entrada dos jovens no mercado — com maior demanda por flexibilidade — também deve acelerar essa transformação.
Por fim, a pesquisa mostrou que o sentimento em relação ao país também influencia a percepção sobre o modelo de trabalho ideal. Entre os que se dizem otimistas com o futuro do Brasil, 72% ainda valorizam a CLT. O número cai para 70% entre os hesitantes e para 62% entre os pessimistas. Essa interseção entre expectativas sociais, condições econômicas e preferências políticas ajuda a compor um novo mapa do trabalho no Brasil — menos ligado ao modelo tradicional e mais voltado para a autonomia e o rendimento imediato.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/maioria-dos-brasileiros-prefere-trabalhar-por-conta-propria-aponta-datafolha/