No primeiro ano de funcionamento pleno do mercado regulado de apostas on-line no Brasil, o país passou a figurar entre os cinco maiores do mundo em faturamento, segundo reportagem do jornal O Globo. O desempenho colocou o mercado brasileiro atrás apenas de Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Rússia, segundo levantamento da consultoria internacional Regulus Partners. O novo ambiente regulatório trouxe impactos diretos para os cofres públicos, impulsionou patrocínios no futebol, gerou empregos formais e ampliou mecanismos de proteção ao apostador.
Ao mesmo tempo, o setor ainda enfrenta desafios relevantes. Plataformas ilegais seguem respondendo por uma parcela significativa das apostas, estimada em pelo menos 40% do mercado, e há preocupação crescente com a imagem pública da atividade e com o risco de vício em jogos. Esse cenário levou o governo a criar o Observatório Saúde Brasil de Apostas Eletrônicas, voltado ao monitoramento da ludopatia e ao encaminhamento de usuários para atendimento no SUS.
Da legalização à operação formal
Os jogos on-line foram legalizados no Brasil em 2018, mas, por anos, as empresas atuaram sem regras claras. A regulamentação só foi aprovada em 2023, estabelecendo critérios de funcionamento, fiscalização, tributação e ações de controle. Em 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas, ligada ao Ministério da Fazenda, estruturou o regramento que permitiu o início da operação formal do mercado em janeiro deste ano.
Quase 12 meses depois, 79 empresas estão autorizadas a operar 184 plataformas de apostas. Juntas, atenderam cerca de 27,5 milhões de brasileiros em 2025, o equivalente a mais de 10% da população, segundo dados oficiais da Fazenda.
Perfil do apostador e impacto econômico
O perfil dos apostadores mostra predominância masculina, com 67,8% dos usuários sendo homens. A faixa etária mais representativa é a de 31 a 40 anos, que responde por 28,6% do total.
O faturamento do setor somou R$ 32,2 bilhões em 2025, considerando a diferença entre os valores apostados e os prêmios pagos, a chamada receita bruta de jogos (GGR). Dados do próprio mercado indicam a criação de cerca de 10 mil empregos diretos e 5,5 mil indiretos.
Até outubro, a arrecadação federal com impostos ligados às apostas chegou a R$ 7,95 bilhões, incluindo R$ 3,3 bilhões referentes aos 12% de destinações legais sobre o GGR, sem contar outorgas e taxas de fiscalização. Estudo da LCA Consultoria Econômica em parceria com a Cruz Consulting, a pedido da Associação Nacional de Jogos e Loterias e do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável, estima que, somando tributos municipais, a arrecadação total alcance R$ 9 bilhões.
Debate sobre aumento da taxação
O potencial de arrecadação deve crescer nos próximos anos. Em dezembro, foi aprovada a lei que eleva gradualmente a taxação sobre o GGR, dos atuais 12% para 15% em 2028, com aumento de um ponto percentual ao ano. A medida foi defendida pelo governo como necessária para cobrir os custos sociais associados às apostas.
Desde o meio do ano, a equipe econômica tentava aprovar a majoração do tributo, em meio à necessidade de fechar o Orçamento e cumprir metas fiscais, chegando a lançar a campanha da taxação “BBB”, de bancos, bilionários e bets. Houve resistência no Congresso, influenciada pelo lobby do setor. A proposta acabou avançando após articulação legislativa que incorporou o aumento da alíquota a um projeto de corte de benefícios fiscais.
Empresas do setor alertam que a elevação dos impostos pode reduzir a competitividade das plataformas reguladas e favorecer as ilegais, que oferecem odds mais atrativas por driblarem as regras. Executivos admitem, porém, que o aumento do GGR é menos danoso do que a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que poderia inviabilizar o mercado regulado.
Para Plínio Lemos Jorge, presidente da ANJL, a expectativa de aumento da arrecadação pode ser frustrada.
“É igual a uma padaria. Se o meu pão é mais caro, porque é todo certinho, o consumidor vai atravessar a rua e comprar do meu concorrente, embora o produto seja pior”, diz.
No governo, o argumento é de que atividades com efeitos colaterais negativos devem ser mais tributadas.
“Isso vale para cigarro, bebida, jogo. Tenho que abastecer a saúde com recursos para enfrentar câncer de pulmão, alcoolismo, dependência psicológica do jogo”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao Globo.
Combate às bets ilegais
Associações que representam as bets autorizadas defendem que o foco deveria ser o combate às plataformas piratas, o que, por si só, ampliaria a arrecadação. A LCA estima que a redução de cinco pontos percentuais na participação do mercado ilegal poderia gerar entre R$ 870 milhões e R$ 1,1 bilhão adicionais por ano.
Entre as ações em curso estão a derrubada de sites irregulares, a fiscalização de bancos e fintechs que processam recursos para apostas não autorizadas e a retirada de publicidade ilegal. Segundo a SPA, foram abertos 93 processos de fiscalização envolvendo 112 plataformas nos primeiros onze meses do ano, com 77 ainda em tramitação para aplicação de sanções.
No sistema financeiro, 36 bancos e fintechs comunicaram 801 operações suspeitas, relacionadas a 1.687 pessoas. Como resultado, 483 contas foram encerradas. Em parceria com a Anatel, cerca de 25 mil sites ilegais foram retirados do ar desde outubro de 2024. No combate à publicidade irregular, 329 processos resultaram na remoção de 2.689 perfis de influenciadores e 210 publicações.
“Os dados acima evidenciam que o esforço da SPA está surtindo efeito, paulatinamente, nas três linhas de atuação da Secretaria: derrubada de sites ilegais, retirada de publicidades ilegais nas redes sociais e monitoramento e fiscalização das instituições financeiras (IFs) e de pagamento (IPs)”, diz a SPA.
Apesar disso, interlocutores do setor avaliam que as medidas ainda são insuficientes. Sites derrubados costumam ser substituídos rapidamente, e o monitoramento financeiro exige atuação mais proativa, considerada difícil sem o envolvimento direto do Banco Central.
“O mercado está entendendo como combater as bets ilegais, que não têm compromisso com o jogador e as famílias, e não pagam impostos. É um desafio que o governo quer insistir no próximo ano”, diz Plínio Lemos Jorge.
Estrutura regulatória e críticas do TCU
Além do combate ao mercado ilegal, o governo lançou uma plataforma de autoexclusão, fruto de acordo entre os ministérios da Fazenda e da Saúde, permitindo que usuários bloqueiem voluntariamente o acesso a sites e publicidade de apostas por determinado período.
A atuação da SPA, no entanto, enfrenta limitações estruturais. Fiscalização do Tribunal de Contas da União avaliou que a secretaria criou um arcabouço normativo robusto, alinhado às boas práticas internacionais, como exigência de sede no país, domínio bet.br, biometria facial, proibição de cartão de crédito, dinheiro e criptomoedas e veto a bônus de entrada.
Por outro lado, o TCU apontou fragilidades, como a exigência apenas declaratória de políticas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, ausência de manuais de fiscalização e escassez de recursos humanos e tecnológicos. O tribunal determinou que a Fazenda adote providências em até 120 dias para fortalecer o órgão.
A SPA informou que analisa as recomendações e que já trabalha no desenvolvimento de ferramentas analíticas de PLD em conjunto com o Ministério da Justiça.
“Como em qualquer processo regulatório, ajustes periódicos são desejáveis e saudáveis, com o intuito de melhorias de fluxos e controles. Tais ajustes já estavam previstos, inclusive, para o 1º trimestre de 2026.”
Fonte: https://agendadopoder.com.br/mercado-regulado-de-bets-estreia-entre-os-maiores-do-mundo-e-amplia-arrecadacao-no-brasil/
