
Nos últimos anos, as mulheres tiveram avanços significativos no mercado de trabalho. Embora a taxa de desemprego delas ainda seja superior à dos homens, a diferença foi reduzida pela metade entre 2021 e 2024. Nesse período, houve um aumento de 8,1 milhões de pessoas ocupadas, sendo 4,2 milhões mulheres.
A renda feminina também cresceu, com um aumento de 15,6%, mas isso ainda não foi suficiente para eliminar a histórica desigualdade salarial — as mulheres ganham 21% a menos do que os homens — ou para ampliar a participação delas no mercado de trabalho. Mesmo com um cenário mais favorável, a porcentagem de mulheres de 14 anos ou mais que estão ocupadas na força de trabalho ainda não alcançou os níveis anteriores à pandemia.
Após décadas de crescimento, essa participação está estagnada desde 2021. No final do ano passado, enquanto 53,1% das mulheres de 14 anos ou mais faziam parte da força de trabalho — seja ocupadas ou à procura de emprego —, a taxa masculina era de 72,7%.
Antes da crise gerada pela Covid-19, no início de 2020, a presença feminina no mercado de trabalho vinha crescendo de forma contínua, como revela um estudo da economista Janaína Feijó, do FGV/Ibre, obtido com exclusividade pelo jornal O GLOBO.
— Muitas saíram durante a pandemia e não estão conseguindo se recolocar. O mercado de trabalho está passando por mudanças. Mesmo com nível de escolaridade maior (que a média dos homens), há menos mulheres nas áreas de ciências, matemática e tecnologia, que são as mais demandadas — diz a pesquisadora.
Ela ressalta que o capital humano se deteriora quanto mais tempo o trabalhador permanece fora do mercado de trabalho. Apesar dos avanços na emancipação feminina, o principal obstáculo para as mulheres ainda é a dupla jornada, já que a responsabilidade de cuidar de filhos, idosos, pessoas com deficiência e doentes continua recaindo principalmente sobre elas. Esse é um dos fatores que acaba afastando muitas mulheres do mercado de trabalho.
Feijó também menciona o aumento, desde a pandemia, do valor de benefícios sociais como o Bolsa Família, especialmente para lares com filhos, como uma influência importante nesse movimento. Dependendo da composição familiar, o valor da transferência pode alcançar R$ 800 ou até R$ 900 por domicílio.
Com isso, muitas mulheres acabam fazendo as contas e concluindo que não vale a pena retornar ao trabalho, especialmente quando têm pouca qualificação. Muitas também têm receio de perder os benefícios do trabalho informal, mesmo sabendo que em alguns casos é possível mantê-los.
Para Ana Paula Rodrigues Diniz, coordenadora do Núcleo de Estudos de Diversidade e Inclusão no Trabalho do Insper, os números indicam que as barreiras ampliadas pela pandemia ainda não foram superadas.
Ela explica que o fechamento de creches e escolas durante o isolamento social impôs a responsabilidade pelos filhos e dependentes quase que exclusivamente às mulheres, que historicamente já dedicam mais do que o dobro de horas que os homens a tarefas domésticas e familiares — um trabalho de grande relevância econômica, mas que não é remunerado.
Política de cuidado
Após a reabertura, a falta de avanço em estruturas e redes de apoio para dividir as responsabilidades do cuidado, entre outros fatores, explica por que muitas mulheres não retomaram suas trajetórias profissionais. O tempo disponível para trabalhar e estudar, de modo a conquistar vagas com melhores salários e benefícios, é escasso.
— Essa sobrecarga compete com a disponibilidade para outras atividades, como a inserção no mercado de trabalho, capacitação ou eventualmente participação política. As mulheres negras são ainda mais sobrecarregadas com as atividades de cuidado e tarefas domésticas — aponta Diniz, observando que ter filhos é um fator que dificulta a inserção e permanência da mulher no mercado de trabalho.
— Se uma menina ou mulher fica em casa, para cuidar dos próprios filhos ou de outras pessoas, ela não está só fora do mercado de trabalho, ela tem suas suas condições potenciais de entrada também impactadas.
A enfermeira Claudia Simões foi demitida em 2023, mas decidiu não procurar outro emprego. Seu marido teve um aneurisma cerebral há quatro anos e ficou com sequelas. Em casa, na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio, ela passa mais tempo com os dois filhos adultos e um neto. Diz sentir falta do tempo na ativa, mas reconhece os benefícios para a família ter deixado de trabalhar fora.
A enfermeira atuou por 24 anos numa rede privada de hospitais, clínicas e laboratórios que decidiu demitir todos os funcionários que, como ela, continuavam trabalhando mesmo já aposentados. Resultado: sua renda caiu muito e o lar agora só conta com as pensões dela e do marido. Não é suficiente para ela pagar um cuidador para ele.
— Para eu sair de casa (para trabalhar), alguém teria que ficar com meu marido, e este profissional não é barato. Então, é melhor viver com menos dinheiro e mais alegria — diz. — Gostava de trabalhar, mas como sou aposentada por tempo de serviço, posso ficar em casa e ter mais contato com familiares, o que está sendo uma opção maravilhosa.
Para Ana Diniz, do Insper, o Brasil precisa implementar políticas públicas que compartilhem a responsabilidade do cuidado, a fim de facilitar o retorno das mulheres ao mercado de trabalho, o que traria benefícios para a economia em geral, especialmente em um momento de escassez de mão de obra em diversos setores. Além de ampliar a oferta de creches e escolas infantis, ela defende uma mudança cultural, para que cônjuges e outros adultos também assumam as tarefas domésticas.
A pesquisadora destaca como um avanço recente a criação da Política Nacional do Cuidado, que foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula no final do ano passado, estando atualmente em fase de implementação pelo Ministério do Desenvolvimento Social, em um estágio de definição dos instrumentos práticos. A qualificação profissional também é um tema essencial, segundo Diniz, para que as mulheres possam sair da informalidade e acessar melhores oportunidades de trabalho.
Ela observa que as evidências demonstram que a dinâmica de cuidado familiar é o principal fator apontado pelas mulheres como obstáculo para sua inserção no mercado de trabalho. Ela não considera benefícios sociais, como o Bolsa Família, como os principais determinantes da inatividade feminina.
Desemprego em queda
Para as mulheres que desejam retornar ao trabalho, há mais oportunidades. Em 2021, a taxa de desemprego entre as mulheres era de 13,9%, enquanto entre os homens era de 9%. A diferença de quase 5 pontos percentuais foi reduzida pela metade até o final do ano passado, quando a taxa feminina ficou em 7,6%, enquanto a masculina foi de 5,1%.
Segundo Janaína Feijó, a queda mais significativa no desemprego feminino se deve à composição do crescimento econômico do país nos últimos anos, que tem sido mais focado nos setores de comércio e serviços, áreas que geram mais empregos para mulheres.
— O ano passado foi muito bom para o mercado de trabalho. Como o setor de serviços acabou se destacando, as mulheres tenderam a ser mais absorvidas. As diferenças permanecem, são históricas, mas no curto prazo, essa discrepância (em relação aos homens) está menor — diz a economista.
A participação dos homens na força de trabalho também não voltou ao nível pré-2019. Mas, desde 2012, segundo os dados compilados por Feijó, a “taxa dos homens já vinha declinando lentamente, não inverteu a tendência como a das mulheres”, que estava em alta, no processo maior inserção feminina no mercado de trabalho.
Se tivesse mantido o ritmo de crescimento registrado entre 2012 e 2019, a participação feminina deveria estar em 55% e não nos atuais 53%.
Professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em qualidade de vida no trabalho, Mário César Ferreira avalia que a pandemia contribuiu para acirrar o debate sobre a importância do trabalho para as mulheres:
—É uma agenda tanto de oportunidade como de desafios. Ainda há muitas barreiras para o retorno das mulheres e se coloca a discussão sobre flexibilidade, autonomia e equilíbrio entre trabalho e necessidades familiares e pessoais.
Com informações de O GLOBO.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/mesmo-com-aumento-de-vagas-participacao-das-mulheres-na-forca-de-trabalho-nao-avanca/