
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos em situação de vulnerabilidade e pessoas com deficiência de baixa renda, vem ganhando protagonismo no orçamento social brasileiro e já consome mais recursos públicos que o Bolsa Família em 1.167 municípios do país. A mudança de cenário, revelada em levantamento da CNN com base em dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), aponta para uma transformação silenciosa na estrutura da proteção social brasileira.
Embora o Bolsa Família ainda atenda a um número muito superior de famílias — 20,5 milhões em março de 2025, ante 6,2 milhões de beneficiários do BPC —, o valor pago mensalmente pelo BPC é mais do que o dobro: um salário-mínimo (R$ 1.518) por pessoa, contra a média de R$ 660 por família no Bolsa Família. Essa diferença tem provocado uma redistribuição do peso orçamentário entre os programas, sobretudo em localidades com maior proporção de idosos ou pessoas com deficiência.
Em apenas dois anos, o número de municípios em que o BPC supera o Bolsa Família em volume de recursos saltou de 492, em 2023, para 1.167 em 2025 — crescimento de 137%. Estão nessa lista desde capitais como Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, Recife e Campo Grande, até pequenos municípios como Itororó (BA), Não-Me-Toque (RS), Agronômica (SC) e Vitória Brasil (SP). Para 2025, o Orçamento federal prevê R$ 112 bilhões para o BPC e R$ 158,6 bilhões para o Bolsa Família.
A guinada no perfil do programa tem múltiplas explicações. Segundo o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Anastasia, o fenômeno decorre de uma combinação de mudanças legislativas, decisões judiciais e fatores econômicos. “Não foi causado por apenas uma razão”, afirmou. Entre os fatores listados pelo ministro estão:
- A alteração da legislação em 2020, que passou a permitir a concessão de mais de um BPC por família;
- A reforma da Previdência de 2019, que dificultou o acesso à aposentadoria, levando mais idosos a recorrerem ao benefício assistencial;
- A ampliação do reconhecimento de deficiências, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que representou 17% dos novos benefícios a PcD nos últimos dois anos;
- A implementação de programas para reduzir a fila do INSS, acelerando a análise de pedidos;
- O aumento real do salário-mínimo, que elevou o número de pessoas com renda inferior a ¼ do piso (R$ 379,50 por mês), tornando-as elegíveis;
- E a crescente judicialização de pedidos negados administrativamente.
Criado pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) em 1993, o BPC garante um salário-mínimo mensal a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência em qualquer idade, inclusive crianças, desde que comprovem vulnerabilidade socioeconômica.
Desde meados de 2022, o programa passou por 31 meses seguidos de crescimento no número de beneficiários, com um aumento de 33% nesse período — o equivalente a 1,6 milhão de pessoas. A tendência tem levantado debates entre especialistas e gestores públicos sobre a sustentabilidade financeira do programa e sua articulação com outras políticas sociais.
Para analistas, o avanço do BPC reforça a necessidade de políticas coordenadas entre os diferentes programas de assistência. “O desafio é garantir que o BPC e o Bolsa Família não se sobreponham ou se tornem concorrentes, mas que se complementem de forma a fortalecer a rede de proteção aos mais pobres”, resume um técnico do MDS.
Com o envelhecimento da população e o aumento da demanda por benefícios sociais, o Brasil se depara com uma nova configuração de prioridades que exigirá, nos próximos anos, revisão de estratégias, equilíbrio fiscal e sensibilidade social para não comprometer a eficácia de sua rede de amparo à população mais vulnerável.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/orcamento-do-bpc-ja-ultrapassa-bolsa-familia-em-mais-de-mil-municipios/