21 de dezembro de 2024
Política de Milei faz argentinos fugirem para o Brasil
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Com inflação alta e austeridade em casa, argentinos aproveitam peso valorizado no exterior, lotando destinos como Brasil e Uruguai


O sol brilhava e as ondas quebravam enquanto Luciano Morei e Gustavo Gavini relaxavam e admiravam o arco familiar da Praia de Copacabana.

Os amigos são de Buenos Aires, mas se tornaram frequentadores regulares da faixa de areia mais famosa do Brasil. Morei estava visitando pela segunda vez este ano, enquanto Gavini estava em sua quarta viagem. E se a política econômica da Argentina não mudar, eles voltarão em breve.

“Está ficando cada vez mais barato”, disse Gavini, 51, tomando outra caipirinha com desconto.

Os argentinos estão sendo castigados pela austeridade fiscal e inflação de três dígitos em casa. Mas no exterior, eles estão lucrando com um peso artificialmente forte. Principais destinos como Brasil e Uruguai se tornaram tentadoramente baratos para aqueles que possuem a moeda argentina, atraindo multidões de visitantes do outro lado da fronteira.

A enxurrada de turistas está preparando o setor de turismo da Argentina para tempos difíceis, enquanto empresários e operadores em pontos turísticos vizinhos estão entusiasmados com suas perspectivas à medida que a temporada movimentada se aproxima.

Copacabana beach in Rio de Janeiro / Foto: Buda Mendes/Getty Images

Jornais locais estão publicando histórias destacando as emoções com desconto do outro lado da fronteira. Buscas por Brasil no site de viagens Decolar (“Decole”) estão aumentando, enquanto empresas que operam balsas entre Buenos Aires e Uruguai estão relatando que elas já estão esgotadas durante as férias de Natal.

Adrian Conde, 51, dono do Pueblo Tannat, uma vinícola e restaurante em Carmelo, Uruguai, diz que seus clientes historicamente são principalmente brasileiros e moradores locais. Este ano, ele está vendo um aumento no interesse dos argentinos, notando que eles compraram quase metade dos ingressos para sua celebração de Ano Novo, um jantar de cinco pratos e festa.

O novo poder de compra internacional dos argentinos decorre dos esforços do presidente Javier Milei para remediar a inflação cronicamente alta de sua nação. Nos últimos anos, a inflação na Argentina foi acompanhada por um peso enfraquecido — pelo menos em mercados não oficiais. Mas desde que implementou uma desvalorização única no final de 2023, Milei manteve o valor do peso em relação ao dólar estável, em parte pela aplicação de controles cambiais.

Enquanto os preços e salários subiram mais de 110% até agora neste ano, a moeda caiu apenas 21%, aumentando os salários em termos de dólar e tornando a Argentina muito mais cara. Isso levou os caçadores de negócios a embarcar em missões de compras em lugares distantes como Chile e Miami. E conforme o verão sul-americano começa, a distorção está alimentando planos de viagem mais duradouros.

Uruguai, conhecido como um dos destinos mais caros da região, tornou-se comparativamente barato para turistas argentinos como Nicolas Gomez. Enquanto tomava sol em uma praia perto de Punta Del Este com sua família, ele contou que monitorou os preços ao visitar a mesma cidade litorânea no ano passado.

“Minhas filhas pediam sorvete e era doloroso”, lembrou Gomez. Nessa viagem, o dono da academia de 37 anos ficou chocado ao descobrir que as cervejas custavam praticamente o mesmo ou menos do que na Argentina. “Não me preocupo em pedir uma segunda”, disse ele.

Mas os argentinos estão obtendo o máximo retorno sobre seus investimentos no Brasil. O peso subiu para seu nível mais alto em relação à moeda brasileira — o real — em uma década esta semana, enquanto os investidores se preocupam com as finanças públicas em dificuldades sob o governo esquerdista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A família de Gomez está abraçando as oscilações da moeda e reservou suas férias de Carnaval em Florianópolis, uma cidade no sul do Brasil conhecida por suas praias de areia branca. “O Brasil vai ser uma festa”, ele disse.

A festa está bem encaminhada. O turismo para o Brasil vindo da Argentina aumentou quase 32% em outubro, em comparação ao mesmo mês do ano anterior, de acordo com dados do instituto de estatísticas da Argentina, Indec.

Paula Cristi, gerente nacional da Decolar para a Argentina, diz que a pressa se deve em parte à demanda reprimida por viagens internacionais, que despencou durante a pandemia. Isso combinado com uma crise econômica de anos tornou as viagens ao exterior muito mais difíceis.

“Temos sido um pouco mais lentos na recuperação”, disse ela. “E o destino que mais se recuperou foi o Brasil.”

O aeroporto internacional do Rio agora está lotado de viajantes carregando garrafas térmicas e cabaças usadas para beber erva-mate, a bebida nacional amarga da Argentina. Entre eles estava Lourdes Torres, 25, que chegou de Buenos Aires para uma viagem de 12 dias de compras e sol.

Torres estava ansiosa para comprar marcas de eletrônicos e roupas que são caras em casa, como a Nike. “Realmente, comprar qualquer coisa neste momento vale a pena”, ela disse.

A migração de verão também está deixando enclaves ao longo da costa atlântica da Argentina abandonados. Lá, os operadores já estão registrando uma queda nos visitantes.

“O telefone não está tocando”, disse Claudio Jallinsky, 61 anos, proprietário e operador do Hotel Alfa em Villa Gesell, uma cidade turística a sudeste de Buenos Aires.

Jallinksy geralmente pode contar com 80% de ocupação de seu hotel de 70 quartos durante os meses de verão. Mas ocupação para esta temporada? “Nada”, lamentou, acrescentando que apenas um terço dos quartos foram reservados para o período.

Não são apenas os moradores locais que estão optando por não tirar férias na Argentina, já que os custos disparam. Os visitantes internacionais caíram mais de 30% em outubro, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, de acordo com o Indec. Economistas esperam que a força relativa do peso seja duradoura, o que significa que a desaceleração provavelmente não é um obstáculo, mas uma rotina.

Para entusiastas de longa data do Brasil como Morei, 51, o nativo de Buenos Aires que estava descansando na Praia de Copacabana com seu amigo, a decisão de tirar férias em casa ou viajar para o exterior foi óbvia.

“Aqui é mais barato, o serviço é melhor, as praias são mais bonitas e a água mais quente”, disse ele. “Não pensei duas vezes.”

Por Andrew Rosati e Kevin Simauchi para o Bloomberg*

Fonte: https://www.ocafezinho.com/2024/12/21/politica-de-milei-faz-argentinos-fugirem-para-o-brasil/