
Um servidor da direção do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) denunciou em setembro de 2020 à Polícia Federal (PF) um esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões, segundo revelou o Jornal Nacional, da TV Globo, em reportagem exibida nesta quarta-feira (14).
A denúncia ocorreu ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e já apontava indícios de fraude em acordos firmados entre o INSS e entidades que realizavam descontos diretamente nos benefícios previdenciários.
O denunciante, que atuava na área responsável pela análise desses descontos dentro do INSS, afirmou ao JN ter sido alvo de ameaças após identificar irregularidades. “Alguns servidores receberam ameaças, isso foi falado lá dentro”, relatou o funcionário, sob condição de anonimato. À época, segundo ele, a Diretoria de Benefícios do INSS chegou a suspender acordos de cooperação técnica devido à suspeita de fraudes.
A denúncia motivou a abertura de uma investigação pela Polícia Federal, mas o inquérito foi encerrado em 2024 sem qualquer indiciamento. Paralelamente, a Polícia Civil do Distrito Federal também passou a apurar o caso em 2020, a partir de queixas apresentadas por aposentados que notaram descontos indevidos em seus benefícios.
Em fevereiro de 2021, o servidor prestou depoimento à Polícia Civil, citando a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) como uma das entidades envolvidas. A organização tinha um acordo com o INSS, assinado em 2017, que autorizava descontos diretamente na folha de pagamento dos aposentados. O acordo foi suspenso em setembro de 2020, mas, no mês seguinte, a atribuição de análise desses convênios foi transferida para outra diretoria do órgão — o que resultou na reabilitação da Conafer.
O então presidente do INSS, Leonardo Rolim, declarou à TV Globo que a mudança se deu dentro de um processo de reestruturação institucional. Rolim deixou o cargo em outubro de 2021 e disse não saber o que ocorreu com os contratos após sua saída.
Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), divulgado em 2024, reforça a gravidade do caso: segundo o documento, a Conafer registrou o maior aumento absoluto no volume de descontos entre 2019 e 2024. Os valores saltaram de R$ 400 mil em 2019 para R$ 57 milhões em 2020, chegando a impressionantes R$ 202 milhões em 2023.
A Justiça do Distrito Federal decidiu, ainda em 2021, que a competência para continuar investigando o caso seria da Polícia Federal.
A operação que sacudiu o governo
As denúncias voltaram ao centro das atenções no fim de abril deste ano, quando a Polícia Federal e a CGU deflagraram uma operação de grande porte para desmantelar o esquema de descontos não autorizados. A ação foi autorizada pela Justiça do DF e envolveu centenas de agentes e auditores.
As investigações indicam que o valor total dos descontos realizados entre 2019 e 2024 soma R$ 6,3 bilhões. Ainda será determinado quanto desse montante foi efetivamente obtido de forma ilegal. Em muitos casos, beneficiários tiveram parcelas descontadas como se fossem filiados a associações de aposentados, sem jamais terem se associado ou autorizado tal desconto.
O escândalo teve consequências diretas na cúpula do governo federal. O então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi afastado do cargo por ordem judicial e, na sequência, exonerado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dias depois, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, pediu demissão.
Após a operação, o governo federal decidiu suspender todos os acordos de cooperação técnica que permitiam descontos em folha nos benefícios pagos pelo INSS — medida que tenta frear o avanço do esquema e oferecer uma resposta à crise deflagrada por práticas que já vinham sendo apontadas desde 2020, mas que só agora ganharam dimensão pública.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/servidor-do-inss-denunciou-descontos-ilegais-desde-2020-revela-jornal-nacional/