9 de agosto de 2025
A esperança da Palestina através da música de Faraj Suleiman
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Faraj Suleiman / DR

Perante o flagelo que vemos assistindo diariamente na Palestina há já um par de anos (quem quiser ser mais rigoroso, viaja ainda mais atrás), depara-se com poucos raiares de Sol de verdade, daqueles que enchem o coração. Muitos desses poucos são os que vêm da arte e, dentro dela, a música. Foi assim que me deparei com a música especial do pianista palestiniano Faraj Suleiman, uma das minhas descobertas à imagem do que havia feito com o arménio Tigran Hamasyan ou com o indo-britânico Sarathy Korwar. Sim, todos eles homens, mas com uma sensibilidade que capta a essência da humanidade e da sua diversidade em registos singulares.

É verdade que Faraj Suleiman, nascido no ano de 1984, e vivendo a sua infância em Rama, no norte da Palestina, é um músico irrequieto e profícuo. A sua formação clássica, para além da sua presença assídua pela Europa, não faz dele o típico músico árabe, embora seja essa a sua base, em especial dentro do contexto sociocultural palestiniano. Aliás, não é casual a sua presença no concerto de beneficência para a Palestina em Wembley, em setembro. O seu caminho de convergência de orientações ocidentais e predominantemente orientais já é longo, tendo começado em 2014 com “Login”, seguindo-se “Once Upon a City” (2017), “Toy Box” (2018), “Second Verse” (2019, onde estreia o seu poder vocal), uma gravação de um concerto seu no London Jazz Festival (lançada em 2020), “Better Than Berlin” (2020), “Faheem” (2021, um álbum de cariz infantil), a banda sonora do filme “200 Meters”, do seu compatriota Ameen Nayfeh (2021), “Upright Biano” e “As much as it takes (ambos de 2023). Isto entre outros inúmeros contributos em musicais e peças de teatro.

Travei conhecimento com ele quando, casualmente, o Spotify me mostrou (já o deixei, mas fico-lhe eternamente grato pelos inúmeros achados), nas suas Descobertas da Semana, a faixa “A Prayer” do seu trabalho de 2020 “Hymn to Gentrification” (interessante, não?). Foi o encontro com o deslumbramento da música como caminho para um elo de transcendência e de convivência com o etéreo. Ainda assim, como gosto de atestar se o artista é verdadeiramente transcendente com concertos ao vivo, puxei do Youtube para ir escutá-lo e dei por mim com um concerto dele em 2018 no célebre Festival de Montreux (a escutar em álbum lançado em 2021). É pôr os ouvidos e comprovar que, de facto, o jazz tem destas coisas.

Porém, é mesmo no seu trabalho deste ano de 2025 – “Maryam” – que encontramos o expoente máximo da música de Suleiman – que junta ao piano o protagonismo da sua voz -, um espaço musical que, no auge do conflito bélico com Israel, desenvolve um lugar seguro de aspiração a um futuro melhor para o povo palestiniano. Embora os temas das suas faixas nos levem ao amor conjugal e a temas de aparente pureza, é inseparável a dimensão da esperança e da felicidade de um povo fustigado por constantes conflitos e suas agruras. A poesia das suas faixas (o árabe tem uma capacidade de explorar campos nunca antes semeados que surpreende a cada leitura/escuta) reporta-nos a uma dimensão de Natureza que a dor e o impacto da guerra foram deteriorando e quase dissipando. Foi precisamente por força deste trabalho que me deparei com o primeiro artigo escrito por alguém português sobre o músico e logo o Sete Margens, talvez o órgão de comunicação social que menos esperaria ver a apresentá-la. Eis, porém, uma caraterização perfeita daquilo que “Maryam” consegue ser num discurso de paz e de sobrevivência de um povo.

No lugar do músico que aqui apresento, podia perfeitamente estar um israelita, de seu nome Avishai Cohen, um contrabaixista de jazz de excelência, já bem consolidado no género. Porém, Faraj Suleiman traz na sua música (embora não o o reconheça) décadas de opressão, de devastação e um grito por emancipação da cultura palestiniana, em muito imersa na enormidade da língua árabe. Uma escuta ativa da sua música é um portal para o reconhecimento de cada um de nós da realidade palestiniana e da necessidade da sua autodeterminação e consequente autonomia. Não se trata só de música bem pensada, bem executada, onde ocidente e oriente assumem um encontro de glória; trata-se antes de uma verdadeira encarnação de uma das missões da arte: de sentir, transmitir e inspirar melhores dias para as perceções e as emoções de quem sofre, alimentando o poder de sonhar perante a dor.

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/a-esperanca-da-palestina-atraves-da-musica-de-faraj-suleiman/