7 de julho de 2025
“A Harmonia das Esferas” mostra-nos que a música e a
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Capa do livro / DR

“A Harmonia das Esferas” é o título da obra do químico João Paulo André e do físico Carlos Fiolhais, publicada pela Colecção Ciência Aberta da Gradiva em Maio deste ano.

Partindo de fundamentos de Matemática e Física, que explicam os fenómenos do som, esta obra vislumbra as contribuições da biologia nomeadamente com a atracção humana pela música que se mantém ainda como um enigma, e as interacções da música com diversos ramos da ciência como a Física, a Química, as ciências da Terra e do Ambiente, terminando com as ciências da Vida e da Saúde. Cada capítulo aborda a forma como as leis naturais emergem na criação e na percepção musicais, criando uma abordagem criativa e cativante que conjuga arte da ciência. O prefácio do musicólogo Ruy Vieira Neri sobre “A boa e a má moeda no discurso científico sobre a música”, abre-nos portas a esta aventura que combina, tal como o subtítulo indica, “Música, Ciência e os Mistérios do Universo”.

A obra inicia-se, após uma breve introdução, com “Elementos de Música e Acústica” onde o leitor acaba por ter, para além de uma aula de noções musicais, uma aula de Física sobre o som e o modo como este se propaga. Termos como amplitude, comprimento de onda, altura, frequência e timbre são abordados de forma clara e apelativa. Os autores introduzem o sistema musical, nomeadamente como surgiram as notas, a definição de oitava, sustenido e bemol e como estas definições são importantes na interpretação de uma escala cromática. São também abordadas noções de acústica como ressonância, tempo de reverberação, ondas emitidas e absorvidas. É feita também uma abordagem histórica à evolução das concepões arquitectónicas que permitiram uma melhor propagação do som em espetáculos de música, desde a Grécia Antiga até aos nossos dias.

Capa do livro / DR

No segundo capítulo “Música, Matemática e Astronomia”, os autores introduzem-nos o modo como estas três componentes se complementam desde a antiguidade. É dada uma forte ênfase a Pitágoras que, para além de ter tido uma enorme influência na Matemática, teve também uma forte influência na música ao estudar os sons e ao criar a escala pitagórica. É aqui que é feita também a justificação do título do livro ao ser tratada “A Harmonia das Esferas” (ou “Música das Esferas”), uma concepção gerada na Grécia Antiga na qual o movimentos dos corpos celestes produziam sons harmónicos, como se de uma melodia cósmica se tratasse. Apesar do termo ser algo remoto, inspirou por exemplo os Coldplay no álbum Music of the Spheres de 2021. Os autores mostram também como a música evoluiu com concepções de outros cientistas como Kepler e Copérnico, havendo uma abordagem a influência do universo na música, desde a lua às estrela, havendo uma compilatória de canções que o leitor é incentivado a ouvir. É também abordada o modo como a Inteligência Artificial pode ajudar na concepção de novos trabalhos musicais.

Em “Música e Física”, é feita uma abordagem da Física na música, com destaque para os trabalhos do músico e teórico musical Vincenzo Galilei sobre o estudo do som e da tensão das cordas, contando também com a ajuda do seu filho, o ilustre Galileu Galilei. Acabamos por viajar até ao século das luzes (século XVIII) onde o som e as vibrações chamam a atenção de diversos cientistas da época. É feito também um breve resumo da evolução dos sistemas som, começando pelo gravador de Som de Thomas Edison, passando pelos leitores de vinil, cassetes e discos, até às plataformas streaming que hoje bem conhecemos. A influência de dispositivos como o transístor, ou da World Wide Web é também exposta neste capítulo, assim como a teoria quântica e o caos. No capítulo seguinte, “Música e Química”, é tratada o modo como a alquimia inspirou as artes e música bem como compositores químicos como Henri de Ruolz ou Alexandr Borodin, dando também destaque a vencedores do Prémio Nobel da Química, também eles inspirados pela música, abordando assim químicos-músicos e os músicos-químicos. É também mencionada a utilização de métodos de computação aplicados à química e à bioquímica que contribuíram também para novas concepções musicais.

Para além da Física e da Química, encontramos também música também vinda da Terra no capítulo “Música e Ciências da Terra e do Ambiente”. Aqui os autores introduzem-nos conceitos como o tempo geológico de Lyell, a influência de Charles Darwin, numa época onde o romantismo tinha como inspiração a relação entre o belo e as paisagens naturais nas artes em geral. Tal época fora inicialmente conduzida por compositores tão ilustres como Ludwig Van Beethoven ou Frank Schubert, dando origem a outros tantos que marcaram para sempre a música que hoje conhecemos. Os autores fazem ainda um paralelismo entre as expressões das ideias musicais com os tempos na geologia ou da biologia evolutiva, que requerem longos períodos de desenvolvimento. As catástrofes naturais, cujos sons serviram de inspiração para temas musicais como o Terramoto de 1755 em Lisboa no Ciclorama de Londres, são também tratadas. O vulcanólogo músico Sir William Hamilton também emerge neste capítulo, assim como questões ligadas ao ambiente e à ecologia. Os autores também sugerem algumas músicas e canções alusivas a este capítulo, desde sinfonias clássicas a canções pop e rock que nos são bastante familiares.

Em “Música e as Ciências da Vida” os autores abordam a percepção dos sons do ponto de vista fisiológico com uma abordagem ao ouvido humano e ao modo como sentimos os sons, com uma breve descrição do funcionamento do sistema nervoso central, de mecanismos como os das sinapses, e das componentes do nosso encéfalo. Os autores demonstram ainda como a música interage com as diferentes regiões cerebrais, abordando também o papel de substâncias química na regulação das emoções, do humor e do stress que também podem ser regulados através da música. É também mostrada uma perspectiva Darwiniana da música, onde o próprio expôs na sua obra A Descência do Homem que as notas musicais e o ritmo foram desenvolvidos por antecessores da humanidade para conquistar o sexo oposto, entre outras obras científicas importantes sobre a música feitas por psicólogos, neurologistas e evolucionistas. É também tratada a ornitologia musical que inspirou vários compositores clássicos, terminando com um paralelismo antre Charles Darwin e o compositor alemão Richard Wagner.

Por fim, em “Música e Ciências da Saúde” os autores retratam aquilo que é a musicoterapia, o poder curativo da música usado, por exemplo, para o tratamento de doenças mentais. São também mencionados diversos médicos que foram excelentes músicos, alguns deles portugueses, e também é tratada a surdez de Ludwig van Beethoven, cuja origem divide historiadores, e que não o impediu de compor a sua nona sinfonia (que inclui o célebre Hino da Alegria). Os autores fazem ainda uma enorme revisão a um conjunto de óperas contemporâneas e sinfonias inspiradas em diversas fragilidades na vida, doença e morte, que envolveu também o enorme contributo de alguns médicos e farmacêurticos. No Epílogo, os autores fazem um balanço desta odisseia pela música ao encontro da ciência, onde o cruzamento é evidentemente manifestado pela expressão que dá título ao livro: “Harmonia das Esferas”. É também feita uma referência ao ilustre físico Albert Einstein, que se apresenta na capa do livro a tocar violino, que terá confessado numa entrevista que se não fosse físico, seria provavelmente músico.

Mais do que um livro sobre música, divulgação científica, e de enquadramento da música com a ciência (e vice-versa), “A Harmonia das Esferas” é uma obra sublime que agarra o leitor e que o leva a uma aventura onde acabará por aprender mais sobre música, sobre ciência e sobre o modo como estas duas componentes têm muito mais em comum do que julgamos. Sendo feita por uma dupla composta por um químico e um físico, ambos amantes da sua ciência e também de música, o resultado só poderia ser uma harmoniosa obra de divulgação científica que certamente inspirará muitos dos leitores pelo interesse nestas duas vertentes que desde a antiguidade nos proporcionaram resultados sublimes, e que continuam a revelar aquilo que de mais belo o ser humano consegue criar.

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/a-harmonia-das-esferas-mostra-nos-que-a-musica-e-a-ciencia-tem-muito-mais-em-comum-do-que-julgamos/