18 de outubro de 2025
“A história é muito importante, o legado que passamos para
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por Lusa,    17 Outubro, 2025


General D / DR

O ‘rapper’ General D está de regresso aos palcos com sons e palavras gravadas há mais de 30 anos que continuam atuais num país onde a realidade dos negros “não mudou” desde então.

Português, de ascendência moçambicana, General D (Sérgio Matsinhe), de 53 anos, é um dos precursores do movimento ‘hip-hop’ em Portugal. Em 1990, organizou o primeiro festival de rap em Portugal, em Almada, fez parte dos Black Company numa fase inicial do grupo e foi o primeiro MC a editar um disco em nome próprio (“Pé Na Tchôn, Karapinha Na Céu”, 1995).

Em 1997 editou um segundo álbum, “Kaninambo”, e ainda começou a tratar do terceiro, chegando a gravar na Jamaica com a dupla Sly & Robbie, mas o disco nunca foi editado.

Atualmente a viver em Londres, e depois de vários anos afastado dos palcos e da vida pública, atuou em Lisboa em 2014, no Festival Lisboa Mistura, voltando depois a ‘desaparecer’.

Este ano decidiu regressar para celebrar “33 anos de atitude”, com as mesmas músicas gravadas na década de 1990, porque “aquilo que se fez ainda está muito relevante”.

“As letras são super-relevantes no quotidiano socioeconómico da sociedade portuguesa de hoje, a roupagem musical também é super-atual. Naquela altura não se ouvia falar em ‘afro beats’, hoje é uma coisa que está no topo. Nós já fazíamos isso há 30 anos”, disse General D, em entrevista à Lusa, a partir de Londres.

Nas canções aborda temas como racismo, política, desigualdades, levando para a música aquela que era a realidade dos negros em Portugal e que mais de 30 depois “não mudou”.

“Buraca é Buraca [zona da Amadora], Vale da Amoreira [no concelho da Moita] é igual, e todos os outros guetos é igual, independentemente de todos os partidos que passaram. Já tivemos ‘Geringonça’, partidos mais à esquerda no Governo, mais à direita. Tudo isso aconteceu, mas a nossa realidade enquanto negros não mudou”, lamentou.

Embora hoje haja mais negros e negras em alguns partidos políticos, para General D tal “não quer dizer que a população negra tenha representação política”.

“Porque esses negros estão lá em primeiro lugar para cumprir a agenda dos partidos que estão a representar. Eles não estão necessariamente a representar a comunidade negra. Nesse sentido as coisas não mudaram assim tanto”, disse.

O que sente que vai mudando é “a forma como as coisas estão mais expostas ou menos expostas, um discurso mais agressivo ou menos agressivo”.

“Não é que haja realmente mudanças efetivas, há é diferentes tons de discurso, diferentes formas de abordar a mesma situação, que é a situação dos negros em Portugal”, defendeu.

General D reconhece haver hoje uma maior representatividade negra na vida pública, mas esta continua “limitada ao desporto e à música e a algumas atividades que depois não têm um poder de ação, de transformação efetivo”.

“Sempre foi assim, não só em Portugal. É chato e triste dizer isto, mas não nos podemos deixar iludir e pensar que as coisas mudaram porque em algumas partes da sociedade ganhámos um pouco mais de espaço, nomeadamente na música, porque se formos a ver, nós sempre tivemos espaço na música, sempre tivemos espaço no desporto, mas isso não significa que nós tenhamos espaço para ter uma intervenção efetiva na transformação da sociedade e na transformação da realidade económica”, afirmou.

Temas como “Black Magic Woman”, “Pedro Pedreiro”, “Karapinha”, “Afrika nossa”, “Ekos do passado” ou “Reghetização” deverão estar no alinhamento do concerto de sexta-feira em Lisboa, na Casa Capitão, que se segue a um outro que aconteceu na Maia em setembro, integrado no festival Sons do Património.

O concerto em Lisboa terá “a mesma alegria, emoção e o propósito de fazer com que público e artistas sejam uma coisa só” que o da Maia, mas “será diferente”.

“Cada concerto é diferente, é uma coisa só, que só vês naquele dia. Neste caso [Casa Capitão] temos convidados, que mudam a dinâmica toda do concerto”, referiu.

Em palco, além da banda que agora o acompanha, e que junta músicos com dinâmicas, idades e culturas diferentes, General D irá contar com Blaya Lyrics, “que é da mesma idade das canções”, Scúru Fitchádu e Remna, “que vão conseguir dar uma dinâmica completamente diferente e única” ao espetáculo.

Para decidir sobre o regresso aos palcos, General D colocou-se algumas questões – “será que vale a pena estar presente ou continuar a fazer as coisas ausente?” – que o levaram a concluir que sim – “é relevante, é necessário estar presente”.

“A partir daí foi só criar estruturas e juntar-me com pessoas que poderiam tornar essa presença efetiva e o mais eficiente possível. Para além do negócio [da indústria da música e dos espetáculos], são pessoas que realmente acreditam e que gostam de estar ali e do que se fez e do que se faz”, contou.

Ter visto a acontecer a história da cultura hip-hop, sobretudo do rap, em Portugal, que foi “uma transformação da música portuguesa, porque hoje em dia é uma das forças musicais mais fortes do panorama musical português”, foi outra das razões para decidir voltar.

“Eu tive a possibilidade de ver essa história acontecer, fazer parte dessa história a acontecer, e estou, felizmente, na possibilidade de estar forte e firme para contar essa história na primeira pessoa. A história é muito importante, o legado que passamos para as novas gerações, e infelizmente a nossa história nem sempre tem sido contada por nós. Eu tenho possibilidade de corrigir coisas que achar que merecem correção, porque eu estive lá”, disse.

Na altura em que estava, em conjunto com outros, a ‘plantar as sementes’, General D não tinha ideia do que estaria para vir.

“Lembro-me tão bem, como se fosse ontem, dos concertos que dávamos para quatro, cinco, dez, 15 pessoas. Quinze pessoas e dez delas eram os ‘rappers’ que iam tocar a seguir. Não dá nem para imaginar, nem eu nem todos os que estavam lá, que hoje em dia o hip-hop estaria na posição que está, de encher salas, todas as salas mais importantes de Portugal”, referiu, partilhando a “grande satisfação” que sente.

Embora tenha material gravado na década de 1990, quando tudo começou, que nunca foi divulgado, mas “vai ser usado, na altura que for indicada”, nos espetáculos “33 anos de atitude”, General D “revisita aquilo que já foi feito, porque ainda é relevante”.

“Já há aqui coisas que merecem uma nova abordagem, um novo trabalho, um novo investimento. Revisitar, regravar, repensá-las [as canções], trazê-las para uma realidade musical atual e pensei nisso tudo nos ensaios: ‘Podemos gravar isto tudo outra vez como se tivesse sido hoje, como se as músicas fossem todas novas’, porque para muita gente estas músicas vão ser músicas novas. Antes de partir para outras coisas, faz muito sentido dar esta música nova, ‘velha-nova’”, considerou.

Embora esteja de regresso aos palcos e à vida pública portuguesa, irá continuar a viver em Londres, porque hoje em dia “há muito trabalho que pode ser feito independentemente do sítio onde se está centrado”.

“É cada vez menos relevante onde te encontras fisicamente, porque o trabalho pode ser levado e difundido para qualquer parte do mundo. Como tenho aqui projetos ainda de pé, decidi ficar aqui por enquanto e sempre que houver trabalho para fazer em Portugal vou e venho. E por enquanto será assim. Seja em Portugal, em Angola, em Moçambique, no Brasil ou em qualquer outro país”, referiu.

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/entrevista-general-d-a-historia-e-muito-importante-o-legado-que-passamos-para-as-novas-geracoes-e-infelizmente-a-nossa-historia-nem-sempre-tem-sido-contada-por-nos/