27 de junho de 2025
‘Vai sempre atrás do prazer. Se não te dá prazer,
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No ano em que o programa de rádio “Fala com ela” faz 20 anos, Inês Meneses vem falar-nos deste espaço em que passa todo o tipo de pessoas e de qual é o segredo para a continuidade. Como se mantém um programa durante duas décadas? A autora e comunicadora responde que o que a alimenta é o prazer e a curiosidade.

À jornalista Magda Cruz, Inês conta que a pergunta é o âmago do seu trabalho. Mantém o programa “O Amor É”, com o psiquiatra Júlio Machado Vaz, a crónica “O Coração ainda bate” e o podcast “Cultas e Vinho Verde”. Inês desdobra-se em vários formatos, mas é a pergunta que, de uma maneira ou de outra, sempre lá está.

Neste episódio do podcast “Ponto Final, Parágrafo”, falamos do seu novo livro, “Linhas de valor acrescentado”, um título que surgiu durante uma insónia, e onde fala muito sobre a vida, o amor e a amizade.

Magda Cruz: És uma mulher de valor acrescentado? Uma expressão de uma amiga comum nossa.

Inês Meneses: Sim, que me chama 800 20 20 17. Espero que isto não corresponda a nenhuma linha erótica. Isso é o tipo de pergunta que eu remeto sempre para os outros. Não sou eu que vou responder que sou… Isto não é o Big Brother, eu não vou dizer que sou muito frontal, nem muito sincera. 

MC: “Não vim para fazer amigos.” [risos]

IM: Portanto, deixa que os outros digam se eu tenho algum valor acrescentado.

MC: Mas isto para dizer… Temos aqui uma garrafa de água à nossa frente, mas de certeza de que andas a beber de outra água. Não sei de que água é andas a beber para fazer tantos e tão bons programas, e ao longo de tanto tempo: “Fala com ela”, “O Amor É”, “Cultas e Vinho Verde”. O que é que há na água da tua zona?

IM: Nada. Por acaso, bebo bastante água. Citando um padre meu amigo, teólogo, filósofo, o Anselmo Borges: “Minha querida, eu só bebo duas coisas: água e vinho muito bom.” E eu de facto só bebo água e tento beber só vinho muito bom. 

MC: Ultimamente mais vinho verde, não é?

IM: Ultimamente mais vinho verde.

MC: O vinho verde que tem uma curiosidade. Ele é da zona dos vinhos verdes, não quer dizer que seja verde.

IM: Exatamente. As castas é que lhe dão tonalidade, mas o vinho não é… É cítrico, tem aromas tropicais, aquelas notas.

MC: Fizeste-me apreciar vinho verde. 

IM: Mas eu própria estou a entrar no mundo do vinho verde. Mas isto para dizer que o vinho verde não tem de ser necessariamente dessa cor, não é? A minha água é uma água que…

MC: Fortalecida com curiosidade e espanto.

IM: Quer dizer, repara: Já que este é o meu trabalho… Tive a sorte de entrar na rádio e fazer da rádio o meu trabalho, que me dê a prazer. Na verdade, o segredo para estas coisas todas é “Vai sempre atrás do prazer. Se não te dá prazer, não faças. Não vai combinar contigo.” É o que tem acontecido. Se calhar sou uma privilegiada, mas como comecei a trabalhar muito cedo, de facto, acho que mereço, quase 40 anos depois, só fazer aquilo de que gosto. E, portanto, é o que me acontece. Fui desafiada para fazer o “Cultas e Vinho Verde” recentemente. Disse que sim, porque juntava coisas de que eu gosto: vinhos, conversa, mulheres que eu admiro. Faço o “Fala com ela” há 20 anos, porque cada pessoa me traz esse espanto semanal e eu tenho, de facto, curiosidade. “O Amor É”, com o Machado Vaz, é um programa onde eu aprendo sempre. As crónicas no PÚBLICO é um exercício que estimula a minha falta de disciplina – que eu não tenho mesmo -, e portanto me obriga a ter ali a escrever semanalmente. E, portanto, eu acabo por fazer só coisas que me dão prazer. Esse é o segredo da vida. Claro que quem nos ouvir e não tiver um trabalho de que goste particularmente percebe que eu sou uma privilegiada. Mas, bom, temos de ir à procura desse filão.

MC: Mas quem te ouve enumerar todos estes trabalhos pensa “como é que se tem tanta disponibilidade mental para ter curiosidade e abertura de conhecer pessoas todas as semanas, ler sobre elas, pesquisar sobre elas e depois conversar abertamente com elas, dando espaço para as ouvir”. Como é que tens essa disponibilidade perpétua? Conheces pessoas constantemente.

IM: Sim. Em 20 anos de programa, eu já levei – e levo – muitos convidados repetidos e levo-os porque gosto muito de conversar com eles. Portanto, eu sei que aquela pessoa vai dar uma ótima conversa e não se esgota. Eu gosto mesmo muito de conversar. Há pessoas que não têm paciência, por exemplo, ao telefone eu não tenho paciência para falar, mas depois desta conversa, ir para casa, preparar uma refeição, ficar à mesa, a conversar, para mim… “O que é um dia bom para ti?”. É isso. É viver um dia em que alguém me trouxe mais alguma coisa que eu não sabia, em que eu tive prazer e fiz provavelmente “hm hm”, que eu fazia muito no início das conversas do “Fala Com Ela” e depois disseram “Não podes fazer tantas vezes ‘hm hm’”. Ou fazia, ainda faço com os meus amigos, quando alguém me conta – e isto tem mesmo piada porque alguém me diz assim: “Sabes que a Magda abriu sítio de croissants com salsicha?” E eu vou dizer: “Jura!”. Eu ponho sempre esta quantidade de espanto. “Jura!”. E as pessoas dizem: “Não, não, a sério, podes confiar mim.” Não, eu não estava a duvidar. Era o reforço do meu espanto, não é? Eu quero mesmo pensar “Que maravilha, a Magda abriu o bar Marosca, onde servem croissants com salsichas.” [risos]. 

MC: Já que destacas essa pergunta que vem se tornando marca no “Fala Com Ela”, como é que surge esta pergunta do que é um dia bom para ti?

IM: Porque às tantas descobri que, no programa, e isso também passa depois pelo como é que tu consegues fazer estas coisas todas, o programa é uma conversa, não é? Repara, eu não tenho de ir para o programa a saber tudo sobre o convidado ou a convidada. Eu tenho de ir para o programa sabendo coisas básicas daquela pessoa, mas permitindo-me que ao longo da conversa muitas coisas surjam. Até porque quando estás a dizer tudo sobre o convidado logo no início, estás a apagar um bocadinho do que poderia ser o mistério da conversa, acho eu. Portanto, eu lanço duas ou três ideias sobre a pessoa e a pessoa, no decorrer da conversa, vai surpreender-me, ou não, mas vai sempre surpreender-me com as coisas que me conta. Eu levo o programa preparado qb [quanto baste], porque deixo que o improviso, o espanto, a curiosidade se encontrem ali à mesa, não é? E descobri ao longo dos anos que as perguntas com maior impacto, se quiseres, ou as perguntas realmente mais interessantes, são as perguntas mais simples. Por exemplo: “O que que tu querias ser quando eras criança?”

MC: Diz muito em poucas palavras.

IM: Sim, e eu pensei: “Sim, o que é um dia bom para ti?” Eu já nem me lembro de onde é que veio esta primeira pergunta, que eu depois percebi que era uma coisa para ficar.

MC: É uma pergunta espelho, não é?

IM: É uma pergunta espelho. Sim, sim, completamente. Há pessoas que respondem de uma forma muito aproximada e há outras pessoas que dão…

MC: A resposta de Hugo van der Ding é um exemplo disso. “O que é um dia bom para ti?” “É um dia em que não está muito calor nem muito frio.” [risos]

IM: Era 26 ou 27 de maio, sim, “Dá para usar uma malhinha.”

MC: É por esta altura.

IM: É por esta altura, eu concordo. 

MC: Mas há quem traga respostas mais profundas.

IM: Sim, olha o Rodrigo Amarante, por exemplo, trouxe uma história, era uma fábula. Foi um momento fabuloso. Eu acho que as pessoas também se revelam quando trazem uma construção prévia ou quando dizem…

MC: Porque é a única resposta que podem preparar.

IM: É. Essa e, na verdade, e podem preparar a última pergunta. A última pergunta do programa é “O que seria um dia bom para Portugal?” Essas duas perguntas podem trazê-las preparadas.

MC: Falando em pergunta, a pergunta é o mais central na tua vida, a entrevista?

IM: É, sem dúvida. Essa é uma questão muito interessante. Sim, se eu pensasse no motor da minha vida é a pergunta. Até mesmo quando ela é chata, persistente, desnecessária, a pergunta um é vestido para mim que me serve. Sem dúvida.

MC: E que bom que é ter vestidos feitos à medida. Com umas boas jeans.

IM: Eu não uso jeans, mas sim. Mas percebo o que estás a dizer. Um casaco, não é? Recorro muitas vezes à imagem do casaco. Quando o casaco nos aperta, nós não podemos mexer os braços, não é? 

MC: É um colete de forças. 

IM: É um colete de forças. Portanto, eu sinto que a pergunta é um vestido que me serve, que eu uso.

MC: E de que cor é?

IM: Olha, agora veio uma cabeça vermelho, mas não que eu use especialmente vermelho, mas foi de imediato. Talvez vermelho de batom, vermelho daqui do livro “Linhas de valor acrescentado” e do “Caderno de encargos sentimentais”. Eu acho que o vermelho… 

MC: É engraçado associarmos a cor à capa do livro, porque eu sinto que, para usar um termo que já usámos aqui, o espelho, as capas dos teus livros são muito espelho de ti, que quem tem a oportunidade de te seguir mais nas redes e ver os teus outfits, que consegue ver que te espelha muito bem. É criativo, é colorido, é inusitado. Há essa tentativa de espelhar a tua personalidade nos livros. 

IM: Sim, agora lançando um petardo no meio literário, eu faço livros que possa vestir. [risos] 

MC: Livros que são objetos culturais. 

IM: Livros que são objetos. Não é preciso acrescentar o “culturais”, porque depois cada um também pode dizer se foi ou não. Mas que são objetos, que são quase brinquedos. Têm estas cores todas, têm estas marcas criadas, têm diferentes tipos de leitura, de fontes, de cores. E eu acho que também sou isso na forma como me visto. No outro dia, o meu irmão estava a fazer-me uma pergunta: se eu não tinha receio de que os meus livros caíssem nesse gigante caixote ou guarda-chuva que é a auto-ajuda. E eu ri-me, o meu irmão tem um sentido de humor muito caustico, tal como eu também, não é? E eu ri-me e disse: “Quem me perguntar isso precisa de ajuda.” Mas também não me importo que seja de auto-ajuda porque… Eu sou essencialmente pop, sempre fui popPop na música, pop no que uso, pop na atitude, e os meus livros são pop. Inclusivamente, dei o exemplo de um disco absolutamente fabuloso para quem aprecia música, que é o Steve McQueen dos Prefab Sprout, que é um disco, transversal, que chegou a muita gente, que continua a figurar na estante imaginária de muita gente, e que é um objeto absolutamente democrático. Portanto, eu não tenho pretensões que os meus livros sejam especiais – se calhar são especiais nas capas, não é? -, mas quero que cheguem a toda a gente, como o Steve McQueen dos Prefab Sprout, e que as pessoas, que é o que me dizem, sublinham, abrem e faz-lhes sentido, está na mesinha de cabeceira. O que é eu posso querer mais, não é? São pequeninos, ok. Não dá para tirar os vincos a determinados papéis, não é? Para isso temos um “Guerra e paz”, “Os Maias”. 

MC: É um livro que fisicamente não deixa marcas, mas ao ler…

IM: …mas que deixa marcas pessoais. Sim, sim, Eu escrevo pensando que… A coisa que eu mais procuro, acho eu, é que as pessoas se identifiquem. Eu acho que essa é a melhor coisa que as pessoas me podem dizer depois de ler livro. Atenção, livros estes que resultam das crónicas do “Coração ainda bate”. O que de melhor me podem dizer é que se identificaram. É isso que eu procuro, mais nada. Na verdade, eu procuro é escrever todas as semanas e não ter preguiça para isso. [risos]

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Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/entrevista-ines-meneses-ja-que-tive-a-sorte-de-fazer-da-radio-o-meu-trabalho-que-me-de-prazer-o-segredo-da-vida-e-vai-sempre-atras-do-prazer-se-nao-te-da-prazer-nao-facas/