
“Infinito” é o novo tema dos Napa em colaboração com Van Zee, também da Ilha da Madeira, do Funchal, com videoclipe lançado dia 30 de Maio. Sobre o tema, com uma aura intimista e pessoal, Guilherme Gomes, vocalista e guitarrista da banda, explicou à Comunidade Cultura e Arte (CCA) que foi escrito em homenagem ao seu primo, que partiu cedo demais, e pareceu-lhe lógico escrevê-lo e interpretá-lo em conjunto com Van Zee que conheceu, justamente, das festas de anos do seu primo de quem Van Zee era melhor amigo. A banda, que venceu o Festival da Canção e chegou à final da Eurovisão, tem também duas datas marcadas para os Coliseus, dia 24 e 30 de Janeiro, e confessam-se entusiasmados e esperam dar “um show à maneira”.
Sobre a Eurovisão, explicaram que é daquelas experiências que se leva para vida, daquelas dignas de serem contadas aos netos – “o avô esteve ali na Eurovisão” – e João Rodrigues, o baterista, completa: “Saímos de lá com amizades e vamos ver se conseguimos traduzi-las em músicas, em projetos, mas ficaram as amizades.” Guilherme Gomes complementa, no final, a importância da união e colaboração com outros artistas : “É sempre muito enriquecedor trabalhar com outros artistas e felizmente, agora com esta exposição que temos, penso que uma coisa positiva seria a possibilidade, no futuro, de conseguirmos colaborar com os artistas de que gostamos mais. Eles, se calhar, já nos conhecem ou gostam do nosso trabalho e isso é incrível.”
Em entrevista à CCA, Guilherme Gomes, Francisco Sousa, João Rodrigues e Diogo Góis contaram-nos desde como tudo começou, como o facto de estarem em Lisboa foi importante para o seu percurso, a experiência da Eurovisão, este novo single com Van Zee e como olham para a forma como as novas plataformas como o Spotify, por exemplo, moldaram a forma como se partilha e comunica a música com o público.
Comunidade Cultura e Arte [CCA] – Voltando ao início, queria saber como se conheceram e, especialmente, como é que a vossa relação com a música começou.
Guilherme Gomes [GG] – Conhecemo-nos já há muito tempo e temos ligações um pouco cruzadas aqui na banda.Somos todos do Funchal e conheço o Francisco já desde a creche, assim como o João e o Diogo também se conhecem desde a creche. Conheci o João, depois, na minha turma no secundário, e o Diogo também foi da turma do Francisco na primária. Sim, temos muitas ligações cruzadas, mas já nos conhecemos há muito tempo, até antes. E, claro, o meu irmão Francisco, que conheço desde que nasceu.

CCA- Entre “Men on the Couch” e os Napa, qual é a linha divisória que separa estes dois momentos do vosso grupo? Por exemplo, as letras das vossas primeiras músicas tendiam a ser mais em inglês e depois começaram a ser predominantemente em português.
GG – Isso veio de uma forma mais ou menos natural. Começámos a banda em 2013 com covers e o que ouvíamos mais também era em inglês, por isso, quase por imitação, comecei a escrever em inglês. Mas em 2018, ou por volta desse ano, deu-me um clique para começar a escrever em português e percebi que as coisas saiam de uma forma mais natural, tanto a escrever como a cantar. Conseguia ser mais criativo nas abordagens às canções porque, como era a minha língua materna, tinha e tenho um conhecimento mais profundo sobre o que queria e quero dizer. Quando me deu esse clique, quando escrevi a primeira música em português, percebi que funciona melhor do que em inglês, por isso não valia a pena estar a continuar a escrever em inglês.
CCA – Achas que escrever na própria língua materna, neste caso o português, torna mais fácil a expressão do que queremos dizer?
GG- Sim. Pelo menos para mim – estou a falar da minha experiência – é mais fácil porque no inglês, como não é a nossa língua materna, tendemos a cair naqueles lugares comuns das músicas que já ouvimos. Já em português, talvez seja mais fácil encontrar novas formas de dizer as coisas porque conhecemos a língua de uma maneira mais profunda. Falo da minha experiência, claro.
CCA- Mas também há o lado da música, o próprio som da música ser internacional, ou seja, não se limitar a uma só língua. Já vamos falar da “Eurovisão” mais à frente, mas por exemplo, o tema “Deslocado” trata um sentimento que os portugueses conhecem muito bem: no vosso caso porque são da ilha, no caso dos continentais porque há uma grande história de emigração. Claro que há, depois, o caso dos estudantes universitários que também estão ou podem estar longe da sua cidade natal. Pelo feedback que tiveram, acham que conseguiram transmitir essa mensagem, mesmo que em português?
GG – Recebemos muitas mensagens depois desta jornada da Eurovisão de pessoas que não sabiam a língua, não sabiam falar português, mas viram a tradução da letra e aí entenderam, também, de uma forma mais profunda o sentimento da canção.A forma como fizemos a canção em si – os sons e a produção musical – também conduz a um lado um pouco nostálgico e melancólico e ajuda a criar esse ambiente. Mesmo alguém que não saiba falar português e não saiba o que a canção significa, acho que consegue chegar lá.
Francisco Sousa [FS] – Cheguei a ver um TikTok de uma rapariga que tinha já ouvido a música várias vezes, adorava a sua sonoridade, e dizia: “Como assim, só agora percebi a letra desta música?”. De certa forma, acho que o tema pode ter chegado a muita gente só pela tal sonoridade e pelo ambiente que cria. Claro que a letra acrescenta muito, principalmente nesta música, assim como mensagem também acrescenta muito, mas o sentimento penso que está na música.
CCA- Quando lançaram o “Senso Comum”, em 2019, creio que já se encontravam no continente. De que forma esta nova fase que há acabou por influenciar a vossa música?
GG – A maior parte do tempo vivido como banda está a ser vivido cá em Lisboa. Criámos a banda em 2013 e viemos para Lisboa viver em 2014, quando fizemos 18 anos e viemos estudar para a universidade. Por isso, esta estadia em Lisboa, desde 2014, claro que influenciou e muito a vida da banda. No fundo, considero que estas experiências todas se canalizam, depois, para as canções e se não viéssemos para cá, não sei se a banda existiria. O facto de estarmos cá, em Lisboa, deu-nos muitas oportunidades para tocarmos, conhecermos mais pessoas.
FS – Deu-nos a possibilidade de vermos o que acontece, o que vale a pena fazer aqui em Lisboa, sítios para irmos e, por isso, abriu muitas portas, sem dúvida.
GG- Portas literalmente de carreira e de cabeça.

CCA – Fiz esta pergunta também porque Lisboa acaba por ser um melting pot onde há muita vida musical, muita coisa a acontecer. Sentiram isso também nessa altura?
GG – Sim, sem dúvida. Há também os circuitos musicais como o MusicBox e esses circuitos mais pequenos, onde actuam muitas bandas emergentes e nós frequentamos muito esse tipo de espaço. Dá para conhecer não só artistas novos portugueses mas, também, malta que vem para o MusicBox e, no ano a seguir, essa banda já é muito maior do que era no ano em que actuou no MusicBox. Essas experiências na Madeira são mais raras de conseguir apanhar.
CCA- Como é tentar ser um músico provindo da Madeira? Há mais desafios a superar?
GG – Acho que sim. Há sempre o desafio de sermos ultra periféricos, de ser preciso um avião de uma hora e meia para chegar a Lisboa. Essa ultra periferia é uma barreira muito grande. Penso que quem nasce na Madeira e, depois, não tem possibilidade de viver em Lisboa ou no continente e quiser fazer uma carreira como músico original, é muito mais complicado. O meio é muito mais pequeno. Antes de vivermos cá e estarmos mais dentro do meio musical, não conhecíamos ninguém do meio, literalmente, porque também nenhum dos nossos pais ou familiares está ligado à música. Só isso torna as coisas mais complicadas porque o meio, por vezes, pode ser um pouco fechado e difícil de entrar. Há várias barreiras, mas é possível. Acho que, normalmente, o madeirense também tem uma resiliência diferente.
CCA- Vocês têm mais de 1.8 milhões de ouvintes mensais no Spotify, segundo pude ler. Como é que olham para a forma como estas plataformas têm moldado a maneira como se chega aos fãs e se comunica a própria música?
João Rodrigues [JR] – Para já, acho que estamos todos cientes de que esse número é inflacionado pela Eurovisão. Se conseguirmos reter metade disso, já é uma vitória enorme.
GG- Uma super vitória.
JR – Ao existir um sítio em que esteja tudo lá, claro que facilita a interação entre os artistas e os ouvintes. Hoje em dia dou por mim a descobrir músicas de que gosto pelas recomendações do “Spotify”. Há artistas que nunca iria conhecer se não fosse dessa forma. Por isso, penso que sim, que é uma plataforma fantástica e, definitivamente, moldou como os artistas e os ouvintes interagem entre si.
GG- Tem esse lado incrível de descoberta de novos artistas, mas acho que, às vezes, é um pouco complicado para quem está a começar. Já começámos há algum tempo e penso que também já sofremos com o tentar “furar a bolha.” Penso que numa plataforma como o Spotify é complicado furar essa bolha. Tivemos agora a sorte de conseguir também através da Eurovisão, e sinto que agora, pelo menos neste “timeline”, estamos um bocado já acima da superfície, mas há milhões de músicas que ficam enterradas. Lá está, não há nenhum sistema perfeito.
FS – Relativamente a essa estatística do Spotify é, honestamente, um dado interessante, mas a forma como é contabilizada não acho que seja a mais correta. Por vezes pode levar a uma certa comparação entre os artistas – este artista tem não sei quantos “monthly listeners” e aquele artista tem não sei quantos – e por vezes pode puxar os pequenos artistas para baixo.
GG – Temos consciência disso. Os números valem o que valem e é difícil, para quem faz e produz arte, ver a arte reduzida a estes números, mas por outro lado é incrível existir tecnologia que nos permite descobrir artistas novos provenientes de qualquer parte do mundo. Para um ouvinte acho que é melhor do que para um artista.

CCA- Mas sentem que demoraram até terem conseguido furar a bolha?
GG – Acho que sim. A banda já existe há 12 anos e foi só este ano que realmente houve aquele boom. O nosso crescimento foi sempre gradual até ao ano passado e, de repente, demos um salto excelente.
JR – Em relação a esse furar a bolha, acho que é importante referir que não houve uma pressa para tal. Fomos fazendo as coisas à nossa maneira e fomos fazendo os álbuns como queríamos, garantindo que era tudo uma expressão e reflexão do que somos, sem grandes pressões para furar essa bolha. Acabou por funcionar a nosso favor.
CCA- Pelo que percebi, o tema deslocado era para constar num álbum de temas sobre a Madeira, certo? Esse álbum vai seguir em frente?
GG- Inicialmente, o tema “Deslocado” era para esse álbum que tinha em mente, mas nem era para a banda “Os Napa”, era para um projeto separado que tinha em mente só com músicas originais sobre a Madeira que estava a começar a idealizar com a ajuda do André Santos, o guitarrista que também tocou o solo de guitarra na música.Tinha esse tema, temos mais alguns e, quando surgiu o convite para o Festival da Canção, depois de um brainstorm entre a banda para se decidir qual música levar, acabei também por falar com o André e ele disse que esta música era perfeita para o festival. Foi ele que me incentivou a levar a “Deslocado” como Napa para o Festival da Canção porque a mensagem era universal, tinha um significado muito grande, e as pessoas poderiam identificar-se com a mensagem. A verdade é que funcionou. Esse álbum ainda vai acontecer, mas não sei quando.
CCA- Quanto à Eurovisão, o que podem contar dessa experiência? Estabeleceram contato com outros artistas?
JR – Sim, acho que foi a experiência mais surreal musicalmente. Aquilo é um mundo completamente separado do nosso, mas dito isto, acho que foi incrível perceber como é que uma mega produção daquelas funciona por trás dos bastidores. Quanto a falar com outras pessoas também foi incrível, acho que nos demos bem com quase todas as delegações. Tínhamos aquela aura portuguesa de chegar ao pé de alguém e dizer: “Então como é, vamos beber uma cerveja?” Mas sim, tivemos contato próximo com muitos artistas. Claro que nós, sendo uma banda, gravitámos um bocado ao pé de outras bandas, nomeadamente a Lituânia, a Itália e a Ucrânia. A Ucrânia estava no mesmo hotel do que nós. Encontrávamo-nos, portanto, todos os dias ao almoço e no lobby e íamos falando como é que as coisas estavam a correr. Sinto que saímos de lá com uma experiência para a vida para contarmos aos nossos netos: “O avô esteve ali na Eurovisão.” Saímos de lá com amizades e vamos ver se conseguimos traduzi-las em músicas, em projetos, mas ficaram as amizades.
FS- Achei muito fixe a oportunidade porque vamos todos para ali e vão artistas do mundo inteiro – da Europa mas, também, de certa forma, do mundo porque há países fora da Europa. Está toda a gente com a cabeça naquilo, são pessoas que têm backgrounds completamente diferentes, mas todos ligados à música. É muito fácil criar relações e interagir com os outros artistas dos outros sítios, nem que seja pela conversa de como correu o ensaio, como é que estão hoje e como é que foi a experiência da entrevista com não sei quem. Estamos todos ali no mesmo ambiente, a fazer a mesma cena. É fixe ter essa perspectiva de como as outras bandas, os outros artistas com backgrounds diferentes lidam com as mesmas situações com que nós lidamos. Há pessoas que estão ali com objetivos um pouco diferentes: cuidam-se e não apanham frio por causa da voz. Depois há pessoas a beber cerveja e a fumar cigarros. Há, sim, essas dinâmicas também engraçadas de apanhar.
CCA- Os Napa vão estrear-se em nome próprio nos Coliseus do Porto e Lisboa, dia 24 e 30 de Janeiro. Estão entusiasmados com a experiência?
GG- Muito. É aquele milestone mítico que também não sabíamos se algum dia ia chegar com a nossa banda. E felizmente, também graças a esta jornada do Festival da Canção e Eurovisão, assim como a visibilidade que isso nos deu, conseguimos chegar lá mais cedo do que pensávamos. Mas é uma honra muito grande. Trata-se de uma sala tão icónica, todos os grandes da música portuguesa e não só, obviamente já passou por lá e estamos muito honrados com essa oportunidade. Estamos entusiasmados para também dar um show à maneira.

CCA- Já saiu o tema “Infinito”, em colaboração com Van Zee. Querem contar como foi a experiência desta colaboração? Trata-se de um registro mais intimista.
GG – Sim. É uma canção mais intimista. Escrevi-a em colaboração com o Van Zee que já conheço há alguns anos, é do Funchal, das festas de anos do meu primo – era o melhor amigo dele. Infelizmente, há nove anos, o meu primo faleceu cedo demais. Depois dessa história trágica, queria honrar a memória dele também. Anos mais tarde, depois de ver que o Van Zee tinha feito uma carreira musical, achei que faria todo o sentido fazermos uma colaboração e honrar a memória do meu primo. Foi assim que surgiu esta canção.
CCA- E quanto ao videoclipe?
GG- Falámos com o Tommy Loureiro e com o Tomás Freitas. O Tommy Loureiro é o realizador do videoclipe e o Tomás Freitas é o diretor criativo. O objetivo era traduzir esteticamente essa história. O videoclipe retrata duas crianças, dois amigos a fazer as atividades de criança, a jogar à bola, a brincar e, eventualmente, no fim, percebemos que há ali uma perda e uma das crianças fica sozinha.
CCA- Quão importante é este espírito de colaboração entre artistas?
GG- Já tínhamos colaborado antes, num álbum anterior, com a Beatriz Pessoa e com a Slly, e considero que isso só acrescenta valor à nossa música, às nossas cabeças, à nossa alma. Esta colaboração com o Van Zee vem de um sítio verdadeiro e acrescenta muito à riqueza da canção, tanto pelo background da história como pela voz e poesia dele. É sempre muito enriquecedor trabalhar com outros artistas e felizmente, agora com esta exposição que temos, penso que seria positiva a possibilidade, no futuro, de conseguirmos colaborar com os artistas de que mais gostamos. Eles, se calhar, já nos conhecem ou gostam do nosso trabalho e isso é incrível.
Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/entrevista-napa-seria-positiva-a-possibilidade-no-futuro-de-colaborarmos-com-os-artistas-de-que-mais-gostamos/