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Quem vê a magnitude do cartaz do Primavera Sound em 2024, com nomes com N grande como PJ Harvey, Lana del Rey, SZA ou Pulp, dificilmente o associa às humildes origens do festival. Criado em 2001, em Barcelona, o festival tinha o objectivo de ser uma “mostra de bandas noise de Espanha”, como descreveu o seu criador, Pablo Soler. Ainda assim, já nessa longínqua edição de apenas um dia, que aconteceu no museu a céu aberto Poble Espanyol, o alinhamento já contava com alguns nomes de gabarito internacional, como os DJs Armand van Helden e Carl Craig, ou o grupo de trip hop britânico UNKLE. Desde então, a trajectória daquele que é considerado um dos maiores eventos musicais a nível internacional tem sido sempre ascendente.
Ao longo de mais de 20 anos, o conceito Primavera Sound tem vindo a amadurecer na vibrante cidade de Barcelona. De um dia, a duração do certame foi aumentando até chegar aos três dias pelos quais é reconhecido. Do Poble Espanyol passou para o massivo Parc del Fórum, recinto que tem recebido o festival desde 2005. Dos 7.700 festivaleiros que estiveram presentes em 2001, o número passou para 460.500 pessoas em 2022, na dupla edição especial que celebrou o 20.º aniversário do festival e o regresso dos concertos após a paragem forçada pela pandemia global. Pelas suas dezenas de palcos, já passaram artistas como Björk, Erykah Badu, Kendrick Lamar, LCD Soundsystem, Neil Young, Patti Smith, Pet Shop Boys, Portishead, Public Enemy, Radiohead, Sonic Youth, The White Stripes, Tyler the Creator, entre milhares de outros artistas globalmente reconhecidos.
Mas antes de traçarmos a ubiquidade da marca Primavera Sound hoje, façamos um pequeno desvio ao Porto. A cidade portuguesa foi a primeira a ser agraciada com uma edição do festival fora dos confins barcelonenses, em 2012. Olhando para trás, até se pode dizer que o festival marcou o início da ascensão meteórica em reconhecimento que Portugal teve nos últimos anos. O gémeo português afirmou-se igualmente como um festival urbano, situado junto ao mar, mas com uma vertente natural distinta de Barcelona, pela sua localização no expansivo Parque da Cidade do Porto. Isso deu-lhe uma aura mais tranquila e fácil, como revelaram as primeiras imagens do festival com as pessoas sentadas em mantas de piquenique cor-de-laranja nas encostas verdejantes — até começar a chover… pois a transição entre Primavera e Verão no Porto nem sempre é fácil, como os assíduos do festival saberão.
Nessa primeira edição, o cartaz contou com nomes como Explosions in the Sky, Suede, The Flaming Lips, The Rapture, The xx, Wilco e até um na altura underground The Weeknd. Desde então, o festival tem acontecido todos os anos no Porto, uma semana após a versão de Barcelona, e instantaneamente tornou-se num dos grandes eventos do circuito musical de Verão em Portugal. Por cá, o festival é sempre uma versão menor do original, à escala do país. A curadoria é feita à medida daquilo que é a expectativa do público português, sempre com atenção ao orçamento e à capacidade do recinto, como contou José Barreiro, director do certame portuense, em entrevistas anteriores. A fórmula tem seguido a liderança de Barcelona, que, dos seus primórdios de indie rock, tem conseguido incluir nomes proeminentes em géneros como o reggaeton, hip hop e pop, sem descurar quem procura o toque alternativo que distingue o Primavera Sound. Em Portugal, apesar de o cartaz jogar mais pelo seguro, tem reflectido a maior pluralidade da geração musical actual, tendo já recebido nomes como Central Cee, Halsey, J Balvin, Lorde, Pabllo Vittar, Rina Sawayama, Rosalía ou Solange.
Dos alinhamentos do Primavera Sound Porto constam sempre muitos dos melhores espectáculos que podemos ver em Portugal em cada ano. Foi nesse festival que assistimos ao concerto que cimentou Rosalía como a grande promessa da pop, em 2019; à mágica apresentação de ANOHNI and the Johnsons (na altura como Antony and the Johnsons) com orquestra, em 2015; à revisitação do mítico álbum Spiderland, dos Slint, em 2014; aos mui aguardados regressos de Pavement, Slowdive e My Bloody Valentine, em 2022, 2014 e 2013, respectivamente; ao último concerto de Elza Soares em Portugal, em 2017; à comunhão de Nick Cave com os fãs portugueses à chuva, em 2018; entre tantos outros momentos especiais.
Desde o início que o Primavera Sound Porto tem demonstrado a mesma tendência de crescimento do festival-irmão. Dos 20.000 festivaleiros de 2012, o festival passou para 45.000 em 2023, com perspectivas de crescer de forma sustentável até às 60.000 pessoas, com um aumento de lotação e infraestruturas. Os iniciais 4 palcos têm mudado de localização, tamanho e denominação para se ajustar ao cartaz — e agora até já são 5. Tudo isto indica que daqui a uns anos teremos um dos maiores festivais da Europa bem no nosso quintal.
No entanto, não foi apenas a Portugal que a marca Primavera Sound se estendeu. 10 anos depois do primeiro evento no Porto, cumpriram-se novas edições em Buenos Aires, Los Angeles, Santiago do Chile e São Paulo, em 2022. Dessas, continuarão a realizar-se regularmente em Buenos Aires e São Paulo, para além das novas edições em Assunção, no Paraguai (desde 2023), e em Montevidéu, no Uruguai (a primeira edição será este ano). A ligação à América Latina está cada vez mais forte, seguindo a tendência crescente da língua espanhola e portuguesa como pesos-pesados na música mainstream internacional. Essa descentralização dos mercados europeus e norte-americanos é muito bem-vinda e trará novos nomes e experiências para a música global, que certamente se repercutirão em Portugal.
O compromisso inabalável do Primavera Sound com a música ao vivo tem visto esforços noutras direcções, que cada vez mais cimentam o império primaveril da música. Para além dos festivais e diversos eventos musicais, a marca organiza o Primavera Pro, uma conferência anual destinada a profissionais da indústria musical; detém as Primavera Labels, um conjunto de 3 editoras musicais que são casa de mais de 30 artistas espanhóis e da América Latina; gere a rádio permanente com o auto-explicativo nome de Radio Primavera Sound; e tem uma agência criativa e uma fundação.
A proximidade de Portugal ao Primavera Sound é um bonito acaso que nos coloca quase no epicentro de uma revolução musical que é cada vez mais aparente. Para já, poderemos experienciar isso na edição de 2024 do Primavera Sound Porto, que regressará ao Parque da Cidade com nomes como Justice, Mitski, The National, Blonde Redhead, Lambchop, Tirzah, American Football, Arca, Billy Woods, Ethel Cain, entre muitos outros. A estação da música continua a fazer-se sentir no Porto, para dar arranque à época de festivais de Verão.
Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/primavera-sound-como-a-musica-conseguiu-uma-nova-estacao/