
O que se pode esperar da “Améfrica Ladina” referida no tema “Porta-retrato da família brasileira”, com colaboração de Kalaf Epalanga e Dino D’Santiago, que consta no álbum “O Mundo dá voltas” dos BaianaSystem? No que é que ela se reflete e como é vivida? Roberto Barreto, guitarrista do grupo brasileiro que ganhou o Grammy Latino em 2019 com o álbum “O Futuro não demora”, explica que “essa América Ladina, justamente, vem desse entendimento, dessa ideia Sul-amefricana“, refletindo o peso cultural e social forte das comunidades afrodescendentes com especial incidência no Brasil, mas também na América Latina como um todo.
Alicerçando-se nessa mesma pluralidade, este “Mundo dá voltas” tem também a forte pena interventiva de Renato Passapusso que, segundo Renato Barreto, fez com que este “Mundo dá voltas” contasse uma história: “Se você puder assistir no YouTube à sequência das coisas, como ela está ali e como as histórias são contadas, vai notar que quando você está no “Porta Retrato”, você está numa laje, numa família, e isso vai acontecendo até chegar ao “Carnaval”, que é a parte final do disco. O “Magnata” está no lugar de fala desse dinheiro, desse papel do dinheiro nessa sociedade, desse poder de corromper. A importância que isso também tem na valorização das pessoas que têm acesso ao dinheiro, mas nessa fugacidade que o dinheiro traz, essa ideia do Magnata, do Rico, e das tentações que existem“, explica Renato. A intervenção do álbum, principalmente no momento difícil que o mundo atravessa atualmente, não esquece o lugar da fé e esperança, principalmente visível em “Batukerê”, relembrando como ainda é possível uma convivência harmoniosa entre todos e, também, com um especial olhar no futuro.
Os Baianasystem estão em Portugal com concertos em Portugal no Hard Club, no Porto, no dia 12; no Festival Pé na Terra, em Almancil, no dia 13; e no Monsantos Open Air, em Lisboa, no dia 14. Dino D’Santiago e Titica — uma cantora angolana residente em Lisboa que já colaborou com os Baiansystem — são convidados dos concertos e é desta forma que Roberto Barreto termina a entrevista que cedeu à Comunidade Cultura e Arte (CCA) no passado dia 9 de Setembro: “Que as mensagens — por tudo o que a gente falou, das letras, das músicas — e que a presença de Dino D’Santiago, de Russo [Passapusso] e de Titica tragam uma nova conexão com Portugal.”
O tema “porta-retrato da família brasileira”, em colaboração com o Dino D’Santiago e o Kalaf Epalanga, inclui a expressão “Ladina Améfrica. O que é para vós esta “Ladina Améfrica” e em que é que ela se reflete?
A Ladina Améfrica é uma expressão cunhada por Lélia Gonzalez, uma ativista, uma pensadora muito importante brasileira que levanta essa questão. A ativista tentava entender isso de várias maneiras, trazendo várias outras visões sobre esse papel do negro no Brasil, na América Latina. Essa América Ladina, justamente, vem desse entendimento, dessa ideia Sul-amefricana, porque boa parte da América do Sul e da América Central foram alvo da colonização, vamos dizer, que veio com a escravidão e uma presença muito forte afrodescendente. Dependendo da região, assume formas diferentes, mas acontece de uma maneira muito especial na América Latina como um todo. Para nós, por exemplo, em Salvador da Bahia, talvez a maior capital negra fora da África, um dos portos mais importantes desse período, isso acontece de uma maneira ainda mais forte.
A nossa conexão com essa cultura nos forma enquanto povo, enquanto sociedade, e lança esse olhar para esse entendimento da América Latina que não é esquecido. O Brasil, pela dimensão continental que tem e, talvez, por ser o único país que fala português no continente americano, acaba por não se perceber, por vezes, dentro desse contexto, pois musicalmente temos uma influência muito forte do reggae, da salsa, do merengue, de muitos ritmos afro-cubanos que são muito da santeria, muito presentes também em Salvador. Então, tudo isso nos banha de uma maneira muito forte. No disco “O Futuro não Demora” já tínhamos falado muito disso, do brasiliano, a princípio, com essa comparação com o sul-americano. Do brasileiro-brasiliano já com essa leitura e entendimento.
Quando nos encontrámos com o Kalaf e o Dino, em Salvador, e fomos para a ilha de Itaparica, que é um outro lugar muito importante, o Dino veio com o Kalaf já com alguma ideia de falar sobre essa Améfrica. Isso, então, está muito presente. Quando o Russo [Passapusso] escreve sobre o “Porta-retrato da família brasileira” traduz muito isso. Cabem muitas imagens dentro desse “Porta-retrato da família brasileira”, muitas dimensões da família, mas dentro desse universo, dessa Améfrica, dessa América Ladina, quando a gente começa a ter essa perspectiva e começa a falar disso, tal conduz-nos a muitos outros entendimentos e muitas outras percepções, claro, do nosso posicionamento.
Agora, nesse momento particular, vivemos isso de uma maneira ainda mais forte. Tivemos a comemoração da Independência do Brasil anteontem [a entrevista realizou-se dia 9 de Setembro, a Independência do Brasil festeja-se dia 7 do mesmo mês], em que as pessoas estenderam uma bandeira dos Estados Unidos gigante na Avenida Paulista. Isso é muito chocante.
Quando você nunca foi norte-americano e se entende como sul-amefricano, porque somos do Sul da América e temos essa presença africana muito forte, e quando a gente vai para Portugal e fala com pessoas como o Dino e o Kalaf, com uma presença de Angola e Cabo Verde muito visível, isso faz ainda mais sentido para a gente.
Já que tocaste nesse assunto, queres falar um pouco sobre o episódio da bandeira dos Estados-Unidos da América? Porque, dado o contexto presente, acaba por ser surpreendente isso ter acontecido.
Surpreendente mas, vamos dizer, previsível: esse comportamento vem sendo estimulado. Sabemos, historicamente, o papel que os Estados Unidos já exerceram nesse quase boicote que fazem a muitos países como, por exemplo, no golpe de 1964. Sabemos como marcaram presença na Argentina, no Chile, Venezuela e em todos os países da América do Sul.
Eles tentam sempre agir dessa forma. O que temos visto por parte do governo americano, nesse momento, em relação aos ataques ao Brasil, através de tarifas ou declarações do que quer que seja, vai nesse caminho de tentar se colocar nessa posição hegemónica e isso encontra ecos em coisas quase distópicas, como o que vimos no dia da independência de um país. Você acha a bandeira de um outro país. Vemos isso com muita apreensão, pelo facto disso acontecer e causar tensão, mas acho que reflete um momento mundial em muitas forças que se tentam equilibrar. O papel desse tipo de ação no Brasil acaba vindo justamente através dessa extrema direita, desse negacionismo e desse não entendimento do que a gente tinha acabado de falar na pergunta anterior: a América do Sul como um bloco com muitas influências. O Brasil serviu, muitas vezes, como exemplo de um possível entendimento e de uma outra possível percepção de como essas influências podem coexistir.
Mais uma vez nesse tema, no porta-retrato da família brasileira, há versos fortes como este: “Ana Maria e Joana, que era enfermeira, acorda cedo e trabalha a semana inteira. Olha as crianças vivendo naquela espera. Porta-retrato da família brasileira.” Como é que achas que este porta-retrato da família brasileira tem evoluído?
Aí estou fazendo uma leitura da letra de Russo [Passapusso]. Acho que seria muito interessante também trazer ele para falar como escreveu, porque tanto o Dino quanto ele falam isso — uma percepção muito diferente da minha — por eles serem quem são, pelo papel que eles exercem. Estive presente na criação e na percepção, consegui perceber isso, mas quando o Russo traz o porta-retrato dentro do conceito do que a gente estava falando de Sul-América, de Sul-Amefricano, de América Ladina, talvez sejam esses os muitos Brasis que você consegue perceber nesse porta-retrato. Essa família brasileira é formada de muitas maneiras, tem muitas vezes mulheres à frente dessas famílias mantendo a casa, sendo essa liderança forte, mas muitas vezes calada quando se fala de família tradicional, de Deus, Pátria e Família, tentando anular toda uma ideia que a gente vê nas ruas e que a gente vê acontecer no Brasil.
Então, esse porta-retrato, essas figuras fortes, femininas, de formações diferentes dessa família, essa ideia de que muitas vezes quando estamos fora do Brasil percebemos que as pessoas não conseguem identificar naturalmente o que é um brasileiro porque você tem caras árabes, uma cara negra muito forte, uma cara indígena muito presente, uma cara cabocla mais no Norte do Brasil, são muitas caras nesse porta-retrato. Se você está no Norte do Brasil, você tem uma cara, na Bahia você tem outra, no Sul você tem outra, e nesse porta-retrato cabem muitas caras e muitas representações desse Brasil.
Então, essa dona Maria que é enfermeira, que acorda cedo e trabalha a semana inteira, é essa mulher que foi, é e continua sendo muito necessária e muito formadora desse Brasil.
Essa mulher, por exemplo, que na tradição da religião africana, de matriz africana do candomblé, tem um papel de liderança e preponderância: as mães de santo, as pessoas que organizam o terreiro, as pessoas que cuidam daquelas comunidades quilombolas, as mulheres que sempre tiveram essa importância. As mulheres que têm essa relação muitas vezes difícil com a maternidade, como lhes é apresentada, e como elas se superam e como conseguem nas comunidades, ou nas favelas brasileiras, serem figuras definidoras e mantenedoras dessas comunidades como um todo. Então, essas enfermeiras, essas vendedoras, essas mães que estão ali, são quem sustenta e quem cria essa imagem e essa cara desse Brasil e que, muitas vezes, tentam subestimar. Então, quando vejo as ideias que o Dino trouxe, o que o Kalaf escreveu ou que o Russo falou, acho que eles tentam enaltecer e falar disso mesmo.

Desde Emicida, Dino D’Santiago, Kalaf até Gilberto Gil, qual é o fio condutor que delinearam para as colaborações neste álbum?
Olha, a gente costuma dizer que se você prestar atenção desde o primeiro disco do BaianaSystem, a gente sempre teve muitas participações. A ideia da colaboração, a ideia de você ter pessoas que possam estar dentro desse sistema, desse system que tanto é dos sistemas de som, quanto dos sistemas de gerações diferentes, de ritmos diferentes, de enfoques diferentes, isso sempre teve muito presente nos Baianasystem.
Mas isso nunca é pensado no sentido de como as colaborações acontecem. O objetivo não é ir buscar números ou pensar: “vamos ter tal e tal pessoa.” Acho que as músicas e o que falamos acabam nos conduzindo para essas pessoas, aos encontros que naturalmente acontecem. Tivemos um disco com Gilberto Gil ao vivo, fruto de um show que fizemos juntos. É uma incrível referência e a gente captou a conexão dele com o Lourimbau, que é um mestre artesão, compositor, musicista: é a música que Gilberto Gil canta nesse disco e não conhecia a obra e o trabalho de Lorimbau. Talvez num dos primeiros concertos que os BaianaSystem começaram por fazer em festivais, a gente tocava e o Emicida, também começando, estava tocando. A gente tem muitas memórias desses encontros que tivemos. Ele já esteve no Carnaval em Salvador e o Russo [Passapusso] tem uma aproximação grande com ele nessa troca de pensamentos.
A Pitty a mesma coisa, tínhamos participado do disco dela. São caminhos que vão acontecendo de uma maneira muito orgânica, de uma maneira muito natural, e a música vai conduzindo esses encontros.
O “Mundo dá Voltas” traz também essa ideia de voltas, ou seja, as muitas voltas que já aconteceram tanto com Baiana, tanto com esses encontros que tivemos e o que podem gerar. Quando, por exemplo, a gente está na estrada fazendo a digressão desse disco e apresentando-o em outros lugares, continua dando voltas e continua gerando outros encontros e outras colaborações.
Mas estes nomes — o Emicida, o Dino e o Kalaf — também têm um pendor interventivo. Achas que a música, principalmente nos tempos que correm, tem esse condão de provocar alguma transformação na sociedade?
Sempre. Não consigo pensar diferente. Gilberto Gil historicamente faz isso. Em toda a carreira dele, sempre teve essa postura, seja politicamente, seja espiritualmente, seja socialmente. Ele sempre esteve apontando, transformando e tentando fazer uma tradução do seu tempo. O kalaf a mesma coisa. Os Buraka Som Sistema foram uma referência enorme para os BaianaSystem. Quando os Buraka surgem, sentimos uma conexão muito grande com o que era experimentado ali com o kuduro, com a kizomba e com muitas outras coisas dentro daquele universo. O Kalaf é um poeta, um pensador, um porta-voz da conexão de Angola, Brasil e Portugal e, enfim, tudo isso, das metrópoles fazendo a tradução de como essa conexão acontece. Eu não chamaria necessariamente de uma música tradicional africana, porque acho que isso, talvez, nem esteja mais acontecendo na África dessa mesma forma. É uma transformação que vai acontecendo nos próprios lugares, seja na Nigéria, no Congo, que já tentam dialogar com o que está acontecendo no mundo, como esses ritmos e essa ancestralidade.
Quanto ao Dino e a ligação com Cabo Verde, tive um programa de música africana na rádio durante um tempo, que tem muito a ver com o início dos BaianaSystem. Tudo que ouvia de Angola e Cabo Verde remetia-me muito a Dorival Caymmi, à Chula do Recôncavo como à viola tocada no samba de roda. Muitas das guitarras, muito desse universo remetiam-me a algo muito conhecido, a um lugar de muito de acolhimento.
Cabo Verde tem a Mayra Andrade, muitos artistas que começaram a chegar ao Brasil através dessa aproximação com essa música mais ancestral e mais tradicional, mostrando como essas pessoas, tal como a Mayra que já estava em França, fazem, nesses grandes centros mundiais, com que essa música reverbere de muitas formas. A gente tem isso também na essência dos BaianaSystem, ligações com mestres, além de Gilberto Gil, com Mateus Aleluia, Lazzo e Jerônimo, muitos desses artistas que também desempenham esse papel.
Acho, por isso, que a música teve sempre esse efeito transformador como demonstram todos esses artistas — Mateus Aleluia através dos Tincoãs, Lazzo, Jerônimo — e sempre falou dessas transformações, sempre apontou para os problemas da cidade, do povo, e acho que a música tem sempre esse papel, principalmente no lugar em que a gente está, principalmente nas pessoas em que a gente sempre se inspirou. A música teve sempre esse efeito transformador.
O próprio Carnaval brasileiro, a forma como se desenvolveu no Brasil, também está ligado a um tipo de intervenção e afirmação das comunidades africanas, certo?
Com certeza. É isso que faz esse Carnaval, essa expressão forte principalmente na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro: esses lugares com essa presença muito forte. Isso vê-se quando essas manifestações vão para a rua, quando esse povo vai para a rua, quando os terreiros vão para a rua, quando os tambores estão na rua. É isso que faz o Carnaval e o faz ecoar. O Carnaval é muito mais um acontecimento social do que uma festa.

“O mundo dá voltas” é o título do álbum. Quais são estas voltas que o mundo está a dar? Porque parece que este álbum também acaba por lançar uma ideia do futuro.
Sim. Este álbum tem uma conexão muito grande com o álbum “O Futuro Não Demora” que fizemos antes da pandemia. Foi o álbum que ganhou o Grammy Latino e que falava, justamente, do sul-americano, dessa ligação, e tinha uma conexão muito forte com os elementos da natureza. Tinha músicas como “Água”, “Fogo”, “Centro da Terra”, e falava de um futuro. Pouco depois desse disco, tivemos a pandemia e, no meio disso, fizemos o álbum “Oxeaxeexu” que é um retrato daquela confusão e loucura que estávamos vivendo.
Este álbum, “O Mundo dá Voltas”, reconecta-se com isso, mas de outra forma. Também fala muito desse tempo, desse momento, mas está mais ligado às pessoas e aos sentimentos que temos. O mundo está parecendo que está capotando, que não está nem dando mais voltas. Somos pegos, o tempo inteiro, por um sentido de incerteza e a música, voltando ao que falámos anteriormente, tem esse papel, esse poder transformador dentro do mundo. Então, a gente fala que o mundo dá voltas, de “Batukerê”, uma música que traz essa ideia de fé, de paz, de convivência harmoniosa, de como isso é possível. De toda a fé que vem de Salvador, de como essas muitas fés, essas muitas crenças que temos, vêm alimentando essas voltas do mundo.
“O mundo dá voltas” acaba com essa música, o “Ogun Nilê”, e dentro disso, muitas coisas acontecem. Desde “Agulha”, de Claudia Manzo — um bolero composto por Russo quase que nos leva para a entranha profunda da América Latina — passando por Palheiro, uma faixa instrumental que dá uma ideia de estrada, de caminho. O porta-retrato abre para kizomba, reggea — muitas pessoas entendem isso de muitas maneiras — mas a mensagem chega, com essas colaborações, trazendo a ideia desse mundo possível através de uma integração.
O tema Magnata acaba por colocar o dedo na ferida das grandes desigualdades sociais e de classe no Brasil. Queres falar da mensagem deste tema em particular?
Magnata é uma das músicas mais antigas de Russo. Essa música é uma rima de Russo que tem 15, talvez 20 anos. Numa das primeiras vezes em que viajamos para a China, ele [Russo] chegou a fazer um vídeo nas ruas falando sobre Magnata. Na linha do tempo que ele desenhou, pois este disco teve muita produção e condução artística dele, tem uma linha do tempo, uma história que começa ali no “Batukerê”, aí está na “Laje”, e da “Laje” ele desce para a rua e, quando ele desce para a rua para poder estar ali, encontra esse “Magnata”, esse dinheiro de hoje, essas bets, esse dinheiro fácil que mesmo as pessoas que estão nas comunidades, nas favelas, acabam usando como ostentação. Então, esse Magnata, esse dinheiro, essas apostas acontecem naquele universo do “Magnata”.
Mas é isso. Acho que é uma condução, realmente. “O Mundo dá Voltas” tem essa linha de pensamento, uma história que é contada ali dentro. Se você puder assistir no YouTube à sequência das coisas, como ela está ali e como as histórias são contadas, vai notar que quando você está no “Porta Retrato”, você está ali numa laje, numa família, e isso vai acontecendo até chegar ao “Carnaval”, que é a parte final do disco. O “Magnata” está no lugar de fala desse dinheiro, desse papel do dinheiro nessa sociedade, desse poder de corromper. A importância que isso também tem na valorização das pessoas que têm acesso ao dinheiro, mas nessa fugacidade que o dinheiro traz, essa ideia do Magnata, do Rico, e das tentações que existem. Mais uma vez, acho que são interpretações minhas de uma coisa em que estou imerso, presente, mas tem essa caneta, essa escrita ali de Russo.
Podes falar um pouco sobre a evolução da guitarra baiana e de que forma pode ser continuada a ser trazida para o presente e para o futuro?
A guitarra baiana é uma guitarra criada na Bahia nos anos 40, perto dos anos 50, por um músico, um criador, um inventor chamado Dodô, uma pessoa da Cidade Baixa, vamos dizer assim. Em Salvador a gente tem a Cidade Alta e a Cidade Baixa. Ele é um homem negro de uma época em que os meios de comunicação eram totalmente diferentes e foi, então, tudo desenvolvido por ele num período sem grandes acessos como hoje, no mesmo período em que a guitarra elétrica ficou popularizada no resto do mundo, seja nos Estados Unidos, seja na Europa. Então, ele desenvolveu esse instrumento para que pudesse estar no carnaval de uma maneira mais forte, tocando com Osmar, que é o parceiro musical dele. Então, ele teve tanto a guitarra maior, a guitarra de seis cordas, a mais tradicional, como essa guitarra Baiana que era uma espécie de cavaquinho elétrico, mas afinada como bandolim.
E essa guitarra afinada como bandolim, onde se tocava muito chorinhos, muito música clássica, muito Frevo — que foi a influência ali do Frevo Vassourinhas chegando em Salvador — e desenvolveu-se uma estética, uma linguagem de guitarra muito importante que acabou sendo responsável pela criação e manutenção do trio elétrico que durante muito tempo foi instrumental.
Ela foi muito importante até meados dos anos 80 até, de alguma forma, sumir e desaparecer ali. Quando os BaianaSystem começa, o nome vem disso, da guitarra baiana com o Sound System — essas outras influências que não só aquela coisa tão tradicional do trio com distorção ou com ela mais aguda (o som das cornetas).
Começamos então a compor pensando na ideia de um Sound System jamaicano com muitas bases, onde a guitarra estabelece um diálogo ali com a voz. Tenho muita influência da música angolana, como a gente falou, da música de Cabo Verde, da música do Congo, da Nigéria, e como essas guitarras são construídas ali.
Então, naturalmente, começo a usar ela tocada muitas vezes de mão, ali como uma chula, com ela mais limpa, sem tanta distorção, e isso ajuda a criar ali uma sonoridade do BaianaSystem nesse diálogo com a voz e nesse papel da guitarra, pensando no futuro, pensando que pode estar incorporada nesse esse papel que o instrumento tem que é, justamente, ser um veículo de condução de ideias e de emoções.

Queres falar um bocadinho sobre os concertos em Portugal? O que é que podemos esperar?
Dessa vez são três shows e é, talvez, o lugar da turnê toda em que a gente se sinta mais em casa pela língua e pela aproximação. Vamos ter participação de Dino D’Santiago e de Titica, uma cantora angolana residente em Lisboa e que tem também essa ligação ao kuduro. A Titica tem uma parceria com a gente desde 2017, quando a gente fez a faixa “Capim Guiné”, e ela teve no Brasil e cantou no “Rock in Rio” com a gente. Então, vamos ter essa sorte de poder estar com eles em Portugal, mostrando “O Mundo Dá Voltas.”
Esperamos que neste momento importante mundialmente, “O Mundo dá voltas” consiga reforçar a conexão entre Brasil e Portugal. Que as mensagens — por tudo o que a gente falou, das letras, das músicas — e que a presença de Dino D’Santiago, de Russo [Passapusso] e de Titica tragam uma nova conexão com Portugal.
Fonte: https://comunidadeculturaearte.com/roberto-barreto-baianasystem-esperamos-que-neste-momento-importante-mundialmente-o-mundo-da-voltas-consiga-reforcar-a-conexao-entre-brasil-e-portugal/