29 de setembro de 2025
"Brasil já ultrapassou EUA em inovação em saúde", defende especialista
Compartilhe:

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O futuro da medicina pode estar sendo desenhado longe dos grandes centros americanos. Para o professor Zen Chu, diretor da Hacking Medicine Initiative, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o Brasil e outros países emergentes não só estão na vanguarda da inovação em saúde como já ultrapassaram os Estados Unidos em diversas frentes.

“O Brasil não tem nada a aprender com os Estados Unidos. Países como China, Brasil e Tailândia têm liderado inovações em dispositivos médicos e sistemas de atendimento que, depois, chegam a países ricos. O Einstein tem uma medicina melhor do que muitos dos principais hospitais dos EUA”, afirma o pesquisador, que esteve no país no início de setembro.

A visita fez parte de um programa que reúne profissionais de saúde, engenheiros e empreendedores para criar soluções concretas a problemas do cotidiano médico. A proposta é simples e ambiciosa: usar tecnologia e criatividade para atender milhões de pessoas ainda desassistidas.

Chu destacou que o Hospital Albert Einstein é referência mundial em excelência, mas alertou para o abismo entre o atendimento privado e o público. “É uma instituição fantástica, mas é para os muito ricos. E então há hospitais públicos, com diferentes sistemas. Temos de começar no Einstein e depois levar isso, em cascata, para os hospitais públicos, conforme a tecnologia ficar barata o suficiente. Você precisa de tecnologia para escalar a medicina.”

O MIT Hacking Medicine, projeto liderado por estudantes há 15 anos, já mobilizou mais de 10 mil pessoas em 35 países. Segundo o professor, “estimamos que startups nascidas ou inspiradas em nossos eventos já atraíram mais de 20 bilhões de dólares em investimentos. Os eventos reúnem diversidade e criatividade em um espaço seguro para criar protótipos de ideias ousadas”.

O pesquisador elogiou o ritmo da inovação brasileira. “É emocionante ver como a inovação em saúde está acelerando. Já vimos estudantes do MIT desenvolverem conceitos de nanorrobôs para atacar células cancerígenas em poucos dias. Tecnologias como IA e novos medicamentos têm potencial para democratizar o acesso e não devem ficar restritas aos mais ricos. O Brasil, com sua riqueza e diversidade, está pronto para liderar parte dessa transformação”, pontua.

Segundo Chu, o destaque do Einstein se deve também à capacidade de investimento. “Principalmente porque tem dinheiro, para comprar os melhores equipamentos, como máquinas de ressonância de última geração. Porém, o desafio é transferir essas inovações para hospitais públicos com menos recursos.” Para ele, quantidade não é sinônimo de qualidade: “Mais atendimento não significa melhor atendimento. É preciso investir em prevenção, especialmente contra a obesidade, porta de entrada para várias doenças crônicas. Fabricantes estão trazendo ao Brasil medicamentos de grande impacto.”

O processo criado pelo MIT busca aplicar ciência da criatividade humana à medicina. “Criamos há 15 anos um processo para transformação digital em saúde. Nosso foco é no problema, e a comunicação é feita por meio de pitches. Reunimos equipes diversas, com 1/3 de profissionais de saúde, 1/3 de engenheiros ou PhDs e 1/3 de empreendedores. Cada um apresenta os problemas que mais o motivam, sem falar em soluções de imediato. Depois, eles formam grupos para explorar como a tecnologia pode melhorar a medicina. Os princípios básicos são: diversidade cognitiva e de experiências, inclusão de pacientes no processo e um ambiente seguro para arriscar. Incentivamos improvisação e abertura, permitindo imaginar novos espaços, tecnologias e modelos de atendimento fora dos hospitais — em centros especializados, em casa, em estações de transporte ou até barbearias. Isso já mostrou bons resultados em vários países.”

A lógica é adaptar soluções ao contexto local — e não importar modelos prontos. “O objetivo não é exportar soluções americanas, mas estimular invenções adaptadas às necessidades e culturas locais. Em 15 anos, já aplicamos esse modelo em mais de 35 países.”

No Brasil, ele viu de perto a potência dessa abordagem: “Apesar do curto tempo de um fim de semana, vimos no Brasil equipes criando aplicativos e protótipos de dispositivos médicos com materiais locais, mais baratos e viáveis.”

Diante da escassez de médicos e enfermeiros — problema comum a países como EUA e Indonésia —, Chu acredita que a tecnologia é a única via sustentável. “A única forma de reduzir custos, ampliar qualidade e acesso é usar tecnologia para ampliar o impacto dos profissionais. Essa é a ‘mira tripla’ da saúde pública: baixar custos, aumentar a qualidade e ampliar o acesso.”

Questionado sobre as áreas mais promissoras, ele foi categórico: “Estamos na era da inteligência artificial, e ela avança na saúde tão rápido quanto em outros setores.” No Brasil, o MIT testemunhou usos criativos da IA: “Vimos equipes usando ChatGPT e outros sistemas para criar aplicativos e experiências em português e até em línguas indígenas da Amazônia, com avatares que interagiam com pacientes, ou ao menos dizem algumas frases que fazem sentido para os pacientes em línguas tribais.”

A integração entre IA e medicina, porém, exige limites éticos. “É necessário impor limites e cuidados, já que a IA pode alucinar. Mas tem vantagens. A IA não se cansa e pode analisar exames com mais consistência, como buscar sinais de câncer em um raio-x no final do dia, quando os médicos estão cansados. A IA nunca fica cansada e pode ver cada píxel da imagem. Há estudos que mostram que a capacidade de diagnóstico dos médicos cai ao final do dia. Esse apoio é essencial diante da sobrecarga e da falta de profissionais, agravadas após a pandemia. As pessoas estão tendo doenças piores agora porque ficaram sem ir ao médico por um tempo.”

Com a popularização dos dispositivos vestíveis, o acesso a dados se transformou. “Os dispositivos vestíveis ampliaram enormemente a quantidade de dados disponíveis. Antes, os pacientes recebiam um exame a cada três meses, para então o médico poder mudar sua dose de remédio ou avaliar a progressão de uma doença. Hoje, há sensores que fornecem medições contínuas, permitindo diagnósticos mais precisos e personalizados. Há muitas diferenças entre a biologia de cada pessoa.”

Para que executivos e gestores acompanhem essa revolução, Chu enfatiza o foco no essencial: “O maior deles é fazê-los entender que não se deve começar pela tecnologia, mas sim pelo problema. É preciso olhar a realidade do paciente e do profissional e pensar além do hospital, levando soluções a clínicas locais, vilarejos e ao domicílio. A pandemia mostrou que muitas pessoas preferem ser atendidas em casa. Por isso, ensinamos também executivos a aplicar o mesmo processo que usamos em hackathons.”

O MIT planeja seguir presente no país. “Sim, queremos realizar o próximo hackathon em português. O primeiro foi possível graças a médicos brasileiros que estudaram em Boston e trouxeram a ideia. Agora, o Einstein e outras instituições podem organizar os próximos eventos sozinhos, assim como aconteceu na Índia. Mas continuaremos voltando com estudantes, porque aprendemos muito com as necessidades locais.”

Fonte: https://horadopovo.com.br/brasil-ja-ultrapassou-eua-em-inovacao-em-saude-defende-especialista-do-mit/