
Homem não identificado agrediu dois estudantes menores de idade em frente ao Colégio Jayme Canet, de Curitiba – Foto: APP Sindicato
Uma série de denúncias envolvendo agressões, tortura, assédio sexual e omissão em casos de violência dentro das escolas cívico-militares do Paraná expõe o colapso do modelo idealizado por Renato Feder, ex-secretário da Educação, e implementado pelo governo Ratinho Jr (PSD).
Longe de garantir segurança e disciplina, como prometido, o sistema tem se mostrado ineficaz e autoritário, colocando em risco a integridade de estudantes e profissionais da educação. As ocorrências, cada vez mais frequentes, evidenciam que a presença de militares da reserva sem formação adequada não apenas falha em prevenir conflitos, como agrava o ambiente escolar, tornando urgente a revisão e revogação dessa política.
A APP-Sindicato, que representa os(as) servidores(as) da educação pública no Paraná e vem denunciando os casos de violência nas escolas cívico-militares, relata em sua página que, em Londrina, uma funcionária teve o braço quebrado ao tentar separar uma briga entre estudantes. Já em Cascavel, imagens de duas alunas brigando viralizaram nas redes sociais.
Em Curitiba, dois irmãos foram agredidos por outros estudantes dentro da escola. Em Lapa, Região Metropolitana de Curitiba, monitores militares são suspeitos de torturar três estudantes. Recentes, todos esses casos têm em comum o fato de terem sido registrados em escolas cívico-militares do Paraná.
Na capital Curitiba, dois irmãos foram alvo de agressões por parte de colegas dentro da escola. Em Lapa, município da Região Metropolitana, monitores militares estão sendo investigados sob suspeita de torturar três estudantes. Esses episódios, ocorridos recentemente, têm em comum o fato de terem acontecido em unidades cívico-militares do Paraná.
Em 2024, uma estudante denunciou ter sido assediada sexualmente por um monitor militar durante uma visita escolar ao zoológico de Curitiba. Após a denúncia, o monitor foi afastado. No entanto, segundo o relato da aluna, ao informar a direção da escola, foi desacreditada e questionada se não estaria inventando a história. A postura da direção gerou indignação e levou a comunidade escolar a organizar um protesto em frente à unidade, em Ponta Grossa.
Em maio do mesmo ano, um homem invadiu o Colégio Cívico-Militar Professora Rosa Frederica Johnson, em Almirante Tamandaré, agredindo estudantes e funcionários, enquanto os monitores militares estavam ausentes.
No início de 2024, diversos episódios de violência e violação de direitos ocorreram em escolas cívico-militares do Paraná, evidenciando a falha do modelo em garantir segurança e disciplina. Em alguns casos, os próprios monitores militares teriam participado das agressões ou se omitido diante dos conflitos.
Antes, em fevereiro, no Colégio Jayme Canet, em Curitiba, um homem desconhecido agrediu dois menores na frente da escola. Apesar da gravidade, o monitor militar presente não apenas deixou de intervir, como teria afirmado que agiria da mesma forma, segundo relatos de estudantes à APP-Sindicato.
“Quando fomos tirar satisfação com o monitor policial (subtenente), ele disse que isso que estava acontecendo ali era consequência das nossas ações, porque fizeram algo para o filho dele (o agressor). E que ele, o subtenente, faria o mesmo”, contou um dos estudantes.
A professora de Filosofia da rede pública estadual, Merielle Camilo, autora da tese de doutorado “A Epistemologia do Negacionismo: A Necropolítica do Novo Ensino Médio no Paraná, Plataformização e Militarização”, considera perigosa a militarização das escolas para a formação educacional de crianças, uma vez que tende a enfraquecer o desenvolvimento do senso crítico entre os estudantes.
“É extremamente nocivo para a formação crítica de toda uma geração de crianças a introdução distorcida de práticas militares e de seus códigos normativos, as quais, no passado, fundamentaram as bases do pensamento fascista. Essa mesma ideologia parece ressurgir nas instituições de ensino militarizadas do Brasil, colocando a população civil sob regulamentos alheios à sua realidade cotidiana”.
Em sua tese, a professora ressalta os riscos da militarização ao afirmar que há “perigos e ameaças à formação de toda uma geração com a naturalização do autoritarismo e de situações antidemocráticas que ferem a liberdade de expressão e o senso crítico”.
“É necessário urgentemente combater essas políticas educacionais, seja pela ação de cada professor, em fazer a criticidade ser desenvolvida nos alunos durante sua aula, seja pela comunidade escolar”. O conteúdo do trabalho foi transformado em um livro digital.
A opção do governo por valorizar a remuneração de militares, mesmo sem formação pedagógica, em vez de investir na valorização dos profissionais da educação, fica evidente na disparidade salarial. Enquanto monitores militares da reserva recebem uma gratificação de R$ 5.500,00, além da aposentadoria paga pelo Estado, professores(as) da rede pública recebem um piso de R$ 4.920,56 para 40 horas semanais, e funcionários(as) de escola ganham, em média, R$ 2.769,00.
Sob a gestão de Ratinho Jr. e do então secretário da Educação Renato Feder, o Paraná implementou o maior projeto de militarização de escolas públicas do país. Aproveitando o contexto da pandemia de 2020, o governo encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto que autorizava a criação das escolas cívico-militares na rede estadual. Desde então, 312 unidades já foram militarizadas no estado — o maior número entre todas as unidades federativas.
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada por PT, PSOL e PCdoB no Supremo Tribunal Federal contesta a legalidade da Lei 20.338/2020, que criou o Programa dos Colégios Cívico-Militares no Paraná, e de um artigo da Lei 18.590/2015, que impede eleições para direção dessas escolas.
Em parecer enviado ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu a inconstitucionalidade do modelo, argumentando que ele não está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e que a Constituição não autoriza militares a exercer funções de ensino ou apoio pedagógico.
Caso o STF declare a inconstitucionalidade da lei paranaense, a decisão pode impactar outros estados que adotaram o mesmo modelo, como São Paulo, onde o projeto das escolas cívico-militares também foi implantado. Em 2024, a AGU emitiu parecer ao Supremo defendendo a inconstitucionalidade do modelo paulista, que é alvo de ações do PT e PSOL. O programa foi aprovado durante a gestão do governador Tarcísio de Freitas e do atual secretário da Educação de São Paulo, Renato Feder — o mesmo que ocupava o cargo no Paraná quando o modelo foi criado.
JOSI SOUSA
Fonte: https://horadopovo.com.br/denuncias-de-tortura-agressoes-e-omissao-expoem-crise-nas-escolas-militarizadas-do-parana/